Ronan se lembrava vagamente da ultima vez que foi a praia, quando ele tinha 10 anos, o céu negro, o vento frio, o som das ondas quebrando no rochedo e um pequeno barco em chamas no horizonte, imponente e destrutivo, como uma pequena luz vermelha na escuridão.
Ronan se lembrava do sentimento de saber oque estava naquele barco, o corpo já frio da mulher que um dia o chamou de filho. Ronan se lembrava de perguntar ao seu pai:
- Isso é pra sempre?
- O que? - Disse o pai, com uma voz triste e cansada.
- A dor.
- Nada é pra sempre Ron, sempre doerá, mas um dia vai ser mais fácil.
Era setembro, Ronan teve esse sonho novamente, ultimamente era o único sonho que ele tinha. Saiu da cama e foi até a cozinha, seu pai olhava pela janela da sala, um livro surrado cheio de fotos repousava abaixo do abajur na mesa ao seu lado.
- Achei que dormiria até o jantar - Disse o homem grisalho em tom sarcástico.
- Quantas vezes ainda vai reler essa coisa - Disse Ronan apontando para o álbum de fotos.
- É sempre bom relembrar o passado, acalma a alma, me faz aceitar que já estou velho.
- Velho é eufemismo.
- Acha que só por que você é grande eu não vou te amarrar no jardim?
- Ok, desculpa - Ronan disse rindo com ele.
Seu pai estava velho, mas tinha mais energia do que ele, jamais deixou de rir, Ronan sempre o admirou por isso, mesmo após a perda do amor da sua vida, ele ainda achava graça do mundo.
- Vamos sair - O pai falou se levantando.
- Pra onde?
- Comer, é claro. Você sabe fazer outra coisa?
- E se algo acontecer?
- Não é pra isso que o palerma do John serve?
- A pelanca está atacada hoje Ronan, é inútil discutir - John falou da cozinha. Enfermeiro John, o homem que os ajudava. Ronan estava doente, muito doente.
A poucos quilômetros de casa havia um pequeno restaurante, era o lugar preferido de Ronan no mundo. A comida, a música e o cheiro de Jasmim que o lembrava de sua mãe. John os deixou sozinhos, seu pai parecia triste, os olhos fixos na toalha de mesa, ele odiava o ver triste, a chuva lá fora estava leve e intensificava o cheiro das flores.
- Pai - Chamou Ronan.
- Oi.
- Eu estou morrendo.
- Eu sei.
- Me desculpe.
- Por ficar doente?
- Por te deixar sozinho.
- Não foi sua escolha, filho. Não se preocupe, eu vou ficar bem, prometo.
Um trem com vagões vermelhos passava por uma grande ponte de pedra de arcos delicados, sob um rio cristalino, os minúsculos pontos ao longe eram casas, cheias de pessoas com suas próprias historias.
Matthew aprendeu a muito tempo que tudo tem seu tempo, pra ir ou vir, pra ficar ou partir, e mesmo depois do inferno, a vida continua. Ele aprendeu a perdoar o tempo e a sorrir, pois sorrir é tudo oque lhe resta. Depois de 6 anos ele voltava sozinho ao lugar onde deixou seu primeiro amor ir, e agora, ele libertava o seu ultimo, seu filho.
Ronan morreu 3 dias depois daquele jantar, e levou consigo uma parte de seu pai, mas ele ainda estava lá, ele estava vivo, e ele viveria, por sua esposa, por seu filho e por ele.
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Tempo
Short StoryRonan tem 16 anos e vive sozinho com seu pai, Matthew, dês da morte de sua mãe. Nessa história pai e filho enfrentam as leis da vida e o significado do perdão.