Eu já vi Coração de Aço sangrar.Foi há dez anos; eu tinha oito. Meu pai e eu estávamos no Banco da União narua Adams. Usávamos os nomes antigos das ruas naquela época, antes daAnexação.O banco era enorme. Uma única câmara aberta com pilares brancos quecercavam um piso de azulejos em mosaico, e portas largas que levavam aointerior do prédio. Duas grandes portas giratórias davam para a rua, e havia umpar de portas normais dos lados. Homens e mulheres jorravam para dentro epara fora, como se a sala fosse o coração de alguma criatura enorme, pulsandocom uma força vital de pessoas e dinheiro.Eu estava ajoelhado, apoiado sobre as costas de uma cadeira grande demaispara mim, observando o fluxo de pessoas. Eu gostava de observar as pessoas. Osdiferentes formatos dos rostos, os penteados, as roupas, as expressões. Todomundo tinha tanta variedade naquela época. Era fascinante.– David, vire-se, por favor – meu pai pediu. Ele tinha uma voz suave. Eununca o ouvi falar alto, exceto uma vez, no funeral da minha mãe. Lembrar suaagonia naquele dia ainda me causa arrepios.Eu me virei, emburrado. Estávamos na lateral da câmara principal do banco,em uma das baias onde os homens da hipoteca trabalhavam. Embora a baia ondeestávamos tivesse divisórias de vidro, o que a tornava menos apertada, aindaparecia falsa. Na parede, havia pequenas fotos de membros da família emmolduras de madeira; na mesa, uma xícara cheia de balas baratas, coberta comuma tampa de vidro; e, em cima de um arquivo, um vaso com flores de plásticodesbotadas.Era uma imitação de uma casa confortável. Assim como o homem à nossafrente exibia a imitação de um sorriso.– Se tivéssemos mais garantia... – o homem da hipoteca disse, mostrando osdentes.– Tudo o que tenho está aí – meu pai afirmou, indicando o papel à nossafrente na mesa. Suas mãos tinham calos grossos e sua pele era queimada dos diastrabalhando sob o sol. Minha mãe se sentiria horrorizada se o visse numa reuniãochique como aquela usando os jeans de trabalho e uma camiseta velha com um