As poltronas do ônibus eram tão confortáveis quanto aqueles bancos de concreto de praças. Flávia sentia que sua bunda estava ficando quadrada e sua coluna enferrujada. E isso a irritava. Eram quatro horas de viagem, o destino não era longe, mas a condução parecia parar a cada quilômetro para que passageiros entrassem e saíssem. Ela não conseguia dormir, estava agitada demais, diferente de suas companheiras que estavam largadas na fileira da frente totalmente seduzidas por Hipnos.
Ela não gostava de ser o centro das atenções, nunca gostou. Talvez por ser filha do senhor do submundo? Talvez... É que tinha aprendido desde muito cedo que quanto mais você está na mira dos holofotes mais dedos lhe serão apontados e mais pessoas irão te condenar. Mesmo você sendo uma criança... Inocente... Sem entender porque tudo parecia dar errado... Óbvio que as coisas fizeram sentido quando descobriu que seu pai era Plutão, deus romano dos mortos e uma das divindades mais poderosas e temidas. Desde que pisou no Acampamento Perdido ouvia que grandes coisas eram destinadas aos filhos dos Três Grandes, para o bem ou para o mal. E para ajudar teve a maldita profecia.
Ela gostava de sair em missão. Nos últimos seis meses foi uma das campistas mais enviadas para tarefas externas, principalmente para resgate de semideuses perdidos. Seus poderes de manipulação de sombras eram perfeitos para fugas emergenciais. Todas as profecias que havia ouvido, nesse meio tempo, eram simples. Para que essas atividades no mundo mortal fossem permitidas, era necessário receber uma predição vinda do Carvalho de Dodona. A que ela e seus amigos receberam na última madrugada foi tudo, menos simples. E simplesmente por seu nome ser o primeiro citado em um dos versos ela foi nomeada líder daquela missão.
Havia gostado muito de sua equipe ser formada por Clara e Vanessa, suas duas melhores amigas. Mas ela não tinha cabeça para ser responsável por qualquer coisa. Era fácil ser conselheira do 13 pois era a única por lá, mas agora teria que decidir por outras pessoas e ela odiava isso. Tentou passar a responsabilidade para a filha de Hermes, que era mais centrada para esse tipo de coisa, mas ignorar agouros divinos era um tabu. Teria que ser Flávia.
Não tinha noção do que fazer ou por onde começar, era sempre César ou Betina que decidiam esses detalhes. Respirou aliviada quando a conselheira de Íris deu uma sugestão. Ela havia lido em um livro que muitas criaturas mitológicas, inclusive meio-sangues, eram responsáveis por grandes empresas. A ideia era ir para São Paulo, um dos maiores centros urbanos do mundo, e tentar enxergar através da névoa quais empresas poderiam lhes dar algum norte. Tradicionalmente, tanto na Grécia quanto em Roma, nas estradas e em pontos comerciais, se trocava informações por ouro ou favores. Era o jeito mais rápido e eficiente de descobrirem o que fazer.
Chegaram ao centro da capital e começaram a procurar por sinais ou situações que saiam fora da normalidade. Flávia não sabia exatamente o que buscar, mas já havia experienciado daquele mundo o suficiente pra não criar baixas expectativas. Um dragão poderia brotar do metrô, por exemplo, e estaria tudo certo. Com altas chances de ser devorada, mas dentro do esperado. Algumas horas se passaram, seus pés já latejavam de tanto caminhar por aquelas ruas abarrotadas de pessoas. Compraram alguns cachorros quentes de uma tia que vendia lanches e se sentaram nas escadarias de uma igreja para comer.
Flávia sentia olhares sobre suas costas, ela sabia que não era por maldade. Suas amigas nunca tinham participado de missões desse tipo e esperavam algo dela, afinal era a mais experiente. A declarada líder falou:
-Meninas, sei que é complicado, mas as coisas são nessa pegada! Às vezes, tudo acontece do nada...e em outros momentos ficamos com essa sensação de "ferrou, estamos perdidas!". Sua ideia foi boa, Vanessa, e vamos seguí-la.
A filha de Íris deu uma última mordida em sua comida e suspirou:
-Flá, desculpa! Estou super ansiosa e não sei como lidar com isso! Fico pensando: e se a gente falhar? E se não resgatarmos nossos amigos? Sinceramente, não sei se eu fui...
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O Conto das Parcas: As Três Maldições - Vol II
FanfictionPoucos meses após a fundação do Acampamento Perdido, e semanas de silêncio dos inimigos declarados, os semideuses se deparam com um nome empecilho. Será essa nova missão a chave pra desvanecer a Grande Profecia? Autor: Sérgio Damico, filho de Dioní...