Internato Adventista

9 2 0
                                    

Abro meus olhos com certa dificuldade, deixando que a luz fraca do sol poente penetre entre meus cílios negros. Percebo algumas árvores correndo na janela do carro rapidamente, estávamos em alta velocidade. Agitei meus braços procurando por apoio para me levantar e acabei esbarrando em algumas garrafas de gin. Uma, duas, três... Havia mais garrafas no banco da frente, porém de algum outro líquido que não consegui ver direito o que era. O odor que exalava das garrafas era forte demais para meu olfato. Tenho 9 anos, como posso me acostumar com o cheiro alcoólico das bebidas da mamãe? Senti meu coração acelerar repentinamente ao entender o que estava acontecendo. Me levanto com um salto e desvio minha atenção para o banco do motorista. Era ela.

_Mamãe? - Queria me sentir corajoso no momento, mas minha voz oscilava mais do que eu esperava.

Ela me olhou com olhos cinzentos e pude perceber suas mãos trêmulas ao volante. Um sorriso amarelo e triste surgiu em seus lábios enquanto apanhava outra garrafa no banco ao seu lado. Com o coração batendo no mesmo ritmo em que os pneus giravam, olhei para frente. Mais adiante na rua, estava lá, os grandes faróis que mais se pareciam com dois sóis brilhando no crepúsculo daquele dia de merda.

[•••]

_Ainda tenho cicatrizes daquele dia. Minha mãe havia desistido da vida e estava disposta a me levar junto com ela para que eu não sofresse mais com esse mundo. Não é justo, eu sei, mas também não a culpo. Talvez não teria sofrido tanto se tivesse partido com ela no dia do acidente.

Um silêncio percorreu por toda a sala planejada enquanto eu focava na pequenina luz vermelha do gravador.

_Quantos anos disse que tem, Sr. Clay? - A voz fanhosa da jornalista era decepcionante, porém clara e direta nas suas perguntas.

_Meu documento indica que 52, mas só até o final da semana. Não que eu confie nessa merda de papelada, mas já estou velho e sem graça, deve ser verdade. - Meus lábios enrugados esboçam o que era para ser um sorriso.

Olho para o relógio de ponteiros fixado na parede por alguns breves segundos.

_Esse relógio brinca comigo o dia todo, vive indo para trás. Vou acabar o jogando pela janela. - meus olhos miram a jornalista. _Do que você tem medo, Srta. Elizabeth?

A mulher desprende sua atenção do relógio quebrado na parede com seus ponteiros congelados e me retribui um olhar curioso.

_Não tenho medos, Aiden. E o senhor?

_Deveria, menina. Pessoas que não tem medo são mais susceptíveis à coisas ruins. - Não respondi a pergunta da mulher e também não acho que seja realmente necessário.

_O que fez nos anos que passou no internato? - Ela muda de assunto com um salto na entonação da voz, o que me fez entender que estava desconfortável.

_Eu sobrevivi.

[°°°]

Me encontrava outra vez abrindo os olhos com o clarão estonteante me cegando. A sala clara me fez lembrar um hospital. Não gostava da cor branca, me dava tontura.

_Ei, rapaz, bem vindo de volta. - Uma voz doce me despertou interesse e me virei a procura de onde vinha.

Havia uma moça jovem arrumando o que achava ser minhas roupas de uma mala para uma das gavetas da cômoda ao lado da cama. Não podia ver seus cabelos pois estavam cobertos com o hábito.

_Uma freira? - Me via desapontado e confuso, o que um freira estava fazendo em meu quarto?

_Você dormiu bastante. - Ela sorri gentilmente me fitando ainda deitado. _Está agora em um internato Adventista. Veio ontem de manhã. Você ficou desacordado por tanto tempo depois que saiu do hospital que preferimos te trazer direto pra cá com suas coisas. Pensei que já estaria acordado nessa manhã, por isso não arrumei suas coisas antes, esperava que você fizesse isso. Depois que a sua mãe... - A mulher finalmente aquietou e percebeu que já havia falado mais do que o devido. _Mais informações você pode perguntar a Mama, ela é quem cuida de todos aqui.

_...Mama... - Repeti para mim mesmo percebendo o quão ridículo essas palavras soavam. _Qual o seu nome?

_Pode me chamar de Eva. - Um grande sorriso emergiu em sua face.

_Onde eu encontro a... Mama? - Cada vez que eu repetia isso se tornava mais esquisito. _Eu posso conversar com ela?

A freira ajudou a me levantar e até mesmo a me trocar. Me levava aos cômodos mórbidos do internato para me "familiarizar" com o lugar. Já eu, não parava de pensar em como aquilo era tudo tão desinteressante. A cozinha tinha lodo demais e era totalmente anti higiênica. A sala de estar estava cheia de móveis góticos e faixas de ferro espalhadas pelas paredes que formavam um desenho do que pareciam trevos de quatro folhas. Os banheiros ao menos eram limpos e brancos... que cor deplorável.

_Essa é a sala da Mama. Se precisar de mim estarei aqui fora.

Eu a deixo para trás abrindo a porta com agilidade.

_Aiden Vander Clay, finalmente, achei que não iria mais acordar! - Exclama uma mulher que aparentava estar nos seus 45 já, sentada em uma cadeira de couro atrás de uma mesa gótica escura.

A sala era bem decorada. Alguns símbolos religiosos, quadros de anjos enfeitando as paredes, um grande quadro chamava a atenção no fundo do cômodo. Era de São Miguel pisando bravamente a cabeça de um demônio no chão enquanto levantada sua espada vitorioso. Paredes tão alvas que me causaram tontura.

_Como está sua perna? - Ela aponta com uma caneta em sua mão direita enquanto eu estava disperso observando a sala.

Me dei conta de que a perna esquerda doída estranhamente. Uma dor aguda em vários pontos diferentes da mesma perna.

_O que houve comigo? - Indaguei sem querer de fato ouvir a verdade que eu já sabia.

_Você e sua mãe sofreram um acidente horrível na rodovia 667 no final da tarde, o socorro levou vocês para o hospital mas infelizmente sua mãe não resistiu. - Nós dois estávamos desconfortáveis com o assunto. Porém, eu não tinha muitos laços com minha mãe, então não sentira pena nem tristeza. Mas me senti deixado de lado por ela ter escolhido ir embora ao invés de tentar mudar.

_E eu? Por que eu estou aqui?

_Estávamos sem registro algum seu ou dela. O tribunal designou você para esse internato e decidiu que seria melhor que ficasse com a gente por alguns anos até que se confortasse e alcançasse a maioridade.

Sentia minha mão tremer cerrada em punhos. Como ela pode me abandonar assim tão estupidamente? Sabia que não tinha mais ninguém. Meu pai morreu quando eu tinha poucos meses, e não tinha família alguma além dela.

_O que achou do lugar, Aiden? - A senhora perguntou, vendo que eu me perdia em meus pensamentos.

_Tedioso.

Um monstro para cada criança Onde histórias criam vida. Descubra agora