_Essa vai ser a sua cama daqui para frente, fique a vontade. - Eva me levou até o quarto novamente. Falava ao mesmo tempo em que lutava para colocar uma pequena mecha de cabelo cor dourado para dentro do hábito.
_De quem são as outras camas? - Indaguei para freira enquanto encarava outras três camas no cômodo.
_As crianças estão em horário de banho agora. Já, já retornam. - Ela vai se afastando até a porta e pega na maçaneta. _Você pode terminar de organizar suas coisas e sair para conhecer melhor o lugar. Qualquer coisa estou na cozinha.
A mulher sai às pressas e a porta range antes de ela bater. Pela primeira vez o silêncio mórbido cai sobre o ambiente e me deixa a sós. Caminho pelo quarto gentilmente até a última parede, onde havia uma pequena janela retangular de vidro. Era impossível de abrir, a menos que a quebrasse. Fiquei um tempo imaginando como eu poderia quebrar-la e como seria divertido os estilhaços de caco de vidro espalhados pelo chão. Talvez a freira escorregasse em algum e liberasse seu líquido vermelho pelo quarto. Ah... O vermelho. Que cor magnífica! Só não era mais bela que a cor amarela. Onde eu estava mesmo? Ah... Sim... A janela. Que tedioso.
Observei as laterais do vidro e percebi uma pequena cristalização. Me aproximei mais para ver melhor e fiquei surpreso ao ver pequeninos cristais de gelo se formando ao longo daquela superfície gélida. Coloquei meu dedo sobre o vidro e percebi o gelo se desfazendo ao redor dele. Uma barata filhote corria no parapeito da janela pelo lado de dentro, procurando por algumas sobras de comida ou, talvez, abrigo. Retiro o dedo do vidro e mudo a posição para bem acima do inseto.
_Barata esmagada, fútil.
Ouço passos vindo do corredor e me endireito para a boa impressão de boas vindas. Três garotos entram correndo no quarto brincando de chicotear uns aos outros com a ponta da toalha molhada. Eles riem. Um deles me vê e tenta avaliar a situação.
_Um menino novo. Qual o seu nome? - O mais alto pergunta olhando para minhas roupas esfarrapadas. Um dos meninos mais baixos chicoteia a coxa dele e sorri _Aaaaah! Cuidado bastardo!!
_Aiden. - Vejo os outros se batendo com as toalhas ainda. Que coisa ridícula.
_Qual a sua história? - Ele se aproxima e posso ver seus olhos caramelos e cabelos castanhos. A pele era de um moreno bem claro que escorria gotas de suor da testa e pescoço, deixando que brilhasse na luz do quarto. _Não precisa ser tímido, todos aqui fomos abandonados ou deixados de lado de alguma maneira.
_Não sei bem.
_Quantos anos tem?
_Acho que 10. - Seguro forte minhas mãos atrás da cintura, nervoso por ele estar mais perto do que devia.
_Acha? Como assim acha?
_Eles não encontraram documentos meus. Antes de tudo acontecer, minha mãe e eu nunca fomos de comemorar aniversários. - Desvio o olhar para uma mancha no teto que não tinha notado antes. A mancha era grande e pegava na junção de duas paredes que subia uma parte pelo teto também.
_Ah... Tá bom. - O menino corre para sua cama e retira um livro pequeno debaixo do seu travesseiro para fazer algumas anotações.
Os outros dois garotos também prosseguiram para suas respectivas camas e foram conversar sobre coisas aleatórias que haviam acontecido hoje. Andei para porta e sai do cômodo.
[•••]
_Aceita mais chá? - Falei com a voz rouca.
_Não, obrigada. - Elizabeth era o típico exemplo de moça século vinte e um. Jovem, corpo estrutural, com quadris largos e seios naturais médios. Usava um blazer preto e uma saia justa que cobria apenas parte de sua coxa. Seus cachos estavam presos em um rabo de cavalo, deixando apenas algumas mexas do cabelo caírem perto da orelha.
_E o encosto, vai querer? - Apontei para o que deduzi ser o ajudante da jornalista.
_Não, agradeço. - O rapaz era pouco mais velho que a moça e tinha seus ombros largos e pernas fortes. Sua roupa não era nada formal, apenas uma calça jeans rasgada e regata amarela surrada. Ao menos a cor ele tinha bom gosto.
Puxei uma bengala ao lado da poltrona e caminhei lentamente para cozinha. Saquei o bule com a mão esquerda e despejei a água quente em uma xícara com o saquinho de chá posto dentro.
_Aqueles meninos eram jovens, bobos. - Dizia, já voltando para minha poltrona com a xícara na mão.
_Pois então...? - Ela faz um sinal com a mão para que eu prossiga. _Eram seus amigos, não eram?
_Não, eram meus colegas de quarto. - Franzi o cenho e me endireitei na poltrona. _Jamais me equivoquei a esse ponto.
A jornalista cruza as pernas, o que chama a atenção do ajudante para suas coxas. Percebo que ele a fita por alguns segundos e logo que percebe minha reprovação, desvia o olhar.
_Podemos continuar? - Ela me direciona de volta ao ponto da conversa e faz um sinal para que o ajudante voltasse a gravar.
[°°°]
Desço as escadas calmamente enquanto observo o lugar. O salão era grande o bastante para fazer uma festa de gala. O aspecto gótico era realmente bonito. Chego até a porta principal e saio da as pressas.
Alguns degraus ficavam próximos da porta de entrada e estavam cobertos por uma fina camada de gelo. Logo mais a frente, estava um grande carvalho. Seus galhos eram gigantescos. Alguns iam tão altos que sumiam com a folhagem, já outros tocavam o chão como se fizessem reverência.
Ao redor do carvalho, havia alguns quadros apoiados em pequenas estantes. Talvez fosse ali as aulas de artes. Me aproximei das folhas em branco e senti um vazio me percorrer. Grandes folhas úmidas esquecidas à céu acerto, sem nenhum pingo de tinta para te fazer sentir prazer em existir, ou sequer manchas cobriam sua face.
Me abaixei e apanhei um bocado de terra úmida do chão. Espalhei sobre a superfície do papel fazendo pequenos círculos perfeitos. Me abaixei novamente e vi algo brilhando ao pé da estante. Tentei pegar para mim, mas assim que fechei meus dedos sobre ele senti uma alfinetada aguda no meu indicador e o dedo do meio. Recuei a mão rapidamente e espreitei o vermelho escorrendo da ferida aberta.
_Porcaria de caco de vidro. - Ofendi a brilho que vinha do pé da estante e me levantei pressionando os dedos.
Olhei para folha manchada de marrom e logo depois para minhas mãos. Aquilo era tão óbvio, o marrom e o vermelho foram feitos um para o outro. Duas cores que se mesclam tão bem. Coloquei meus dedos machucados sobre a tela e corri por toda moldura. Depois fiz alguns pingos nas partes em torno do marrom, para apagar o branco, preenchendo de vermelho vivo.
_Não chore, agora você está tão lindo quanto eu. - Orgulhoso, voltei para dentro para lavar minha mão que ardia.
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Um monstro para cada criança
HorrorA história contada pelo Sr. Clay relata uma infância traumática e assustadora. Quando pequeno, não sabia diferenciar os monstros reais com os apenas de sua cabeça. As coisas pioraram após perder a sua mãe em um acidente desastroso e ser mandado para...