7 de janeiro de 2047...
Faltavam apenas alguns minutos até o início da reunião de ciências, e um cientista corria contra o tempo — ou trânsito — para que chegasse no horário certo.
Assim que desceu do carro, nem fez questão de arrumar o terno, apenas correu desesperadamente até o prédio marcado.
Mas não havia nada.
Todo o sorriso dele desapareceu ao perceber que, na verdade, estava em frente a um prédio em construção: "Hotel Cour Marin. Em andamento!" era o que a enorme projeção com fotos do futuro hotel dizia.
Olhou em volta, vendo se não teria errado o local marcado, mas somente reparou em uma mulher ao seu lado, tão confusa quanto ele.
— Com licença, você também veio para a reunião de ciência? — perguntou, e a desconhecida, batendo os pés, confirmou.
— Eu vim... mas parece que não é aqui.
Ela suspirou, encarando os robôs, que passavam peças para lá e para cá, sem nunca parar.
— Rua 289, número 421. A reunião aconteceria às duas horas da tarde de hoje, dia 7 de janeiro, certo?
— Certo! Mas por que não tem nada aqui? Também não vejo mais ninguém que parece participar... — Cruzou os braços, e ele fez uma expressão séria.
— Como você ficou sabendo da reunião?
— Hum... Eu... vi pelo celular. Todos os detalhes estavam gravados na minha mente!
Ele concordou com ela. Em seguida, puxou o celular de seu bolso e começou a pesquisar sobre a suposta reunião.
— Não tem nada. É como se não existisse. — ele disse em tom irritado enquanto mostrava a tela à mulher, que fez uma feição estranha.
— Então, como ficamos sabendo disso? Porque é impossível que a gente tenha delirado sobre algo ao mesmo tempo...
De um segundo para o outro, a expressão dele mudou.
— Ei, moça...
— Helga. O meu nome é Helga — assim que falou, ele segurou o riso. — O que foi? — Fez bico.
— Nada, nada... Enfim, Helga, você já ouviu falar do Efeito Mandela?
— Hã? O que é isso? — Fez uma careta, e ele riu.
— Simplificando, há muitos anos, um grupo de pessoas acreditava que o Nelson Mandela, o ex-presidente da África do Sul, tinha morrido na prisão na década de 80, juravam mesmo até ter visto o funeral dele — dizia em tom de suspense. — Porém, isso aconteceu em 2010, e ele morreu apenas em 2013. Não parece um pouco familiar?
— Você acredita em teorias da conspiração?
— Para mim, tudo tem uma resposta lógica, mesmo que a gente não saiba. Não descarto nenhuma teoria. Além do mais, aconteceu com nós, não foi? Dizer que foi o destino seria ainda pior.
Ela ficou calada por certo tempo, até que assentiu com a cabeça, tentando deixar o orgulho de lado.
— Você tem razão. Agora, como consegue explicar isso de forma lógica?
Ele sorriu.
— Ainda não consigo, mas vou dar o meu máximo - respondeu em tom perfeitamente calmo.
— Pode contar comigo. — Mexeu os braços, completamente interessada na ideia. Então, tirou o celular de sua bolsa e ambos deixaram os telemóveis lado a lado, sincronizando seus contatos. Quase trinta segundos depois, quando tudo carregou e seus nomes, fotos e números apareceram, Helga apenas se aborreceu.
— "Sapinho"? Por que colocou esse nome? — O encarou de forma estranha, enquanto ele mantinha uma feição neutra. — Você, por acaso, tem sete anos? — Cruzou os braços.
— Multiplica por quatro. — Riu. — Por que está tão brava?
— Por que não diz o seu nome verdadeiro?
Ele deu de ombros.
— Ora, seu... Aposto que tem um nome horrível! — Cerrou os olhos.
— Quem sabe? - Caminhou em direção ao seu carro, mas antes de entrar, virou-se e, como se tivesse pensado em algo genial, perguntou:
— Ei, o que você estava fazendo quando soube da reunião?
— Hã? Eu... tinha acabado de sair do banho e fui ver o horário. Deviam ser umas nove horas da manhã de hoje. Por quê?
— Ainda preciso pensar. Pode me ligar à noite?
Ela fez que sim com a cabeça, e os dois se despediram.Horas depois, Helga passou algum tempo encarando a tela do computador, pensando se estava, no mínimo, apresentável: usava uma de suas melhores blusas, mas se abaixasse um pouco mais a câmera, era perceptível que o short fazia parte de um conjunto de pijamas; seus longos cabelos castanhos se encontravam molhados e jogados para trás; o rosto, sem um resquício de maquiagem.
Certa de que não poderia estar pior que ele, apertou o botão com o desenho de uma câmera e esperou até que o homem atendesse.
— Pensei que tinha esquecido.
Assim que escutou a voz grave dele, Helga quase caiu de susto, mas se recompôs e começou a observar os detalhes do homem com quem conversava. Se não tivesse o visto de verdade, nem perceberia que seus olhos eram verdes; o cabelo escuro e volumoso caía sobre os ombros, e sua barba já nem mesmo existia.
— Eu tenho uma vida para cuidar. Enfim, pensou um pouco no assunto?
Ele assentiu, e a mulher apoiou o rosto sobre as mãos, pronta para ouvir tudo que ele tinha a dizer.
— Sabe, Helga, nós dois soubemos dessa "reunião" ao mesmo tempo. Tínhamos até a ideia de ter visto isso na internet. Mas e se for só algo da nossa cabeça, como no Efeito Mandela? E se houver algo a mais? Algo que a ciência deixou de lado...
Enquanto falava, fazia muitos gestos e expressões, o que apenas deixava Helga mais imersa em sua história, imaginando todas as possibilidades... Imaginando o que teria acontecido com eles.Após esse dia, ambos passaram a se ligar muitas vezes por semana. Depois, com a confiança já ganha, começaram a frequentar as casas um do outro.
Na maioria do tempo, pesquisavam sobre o que aconteceu com eles naquele janeiro, mas só obtiveram frutos cerca de dois meses depois, quando finalmente entenderam uma coisa simples: talvez, os seus corpos não fossem apenas a mente e o físico. Talvez, existisse algo a mais... A alma.
A espiritualidade era algo que fora deixado de lado há muitos anos, mas lá estavam eles, diante de uma teoria a qual sequer poderia ser considerada.
"A alma não tem forma certa, mas funciona como um líquido que se modifica para se juntar a certos ambientes, coletando informações de lá através de um certo fluxo de energia", foi o que descobriram, embora soubessem que havia muito mais.
Ao longo daquele mesmo ano, fizeram pequenas descobertas: a alma poderia ser transferida através de cálculos sobre fluxos de energia concentrados, que possuíam todas as memórias de determinado lugar. Agora, o grande obstáculo: como fariam estes cálculos?
Isso era algo sobre a qual precisavam pensar. Mas não naquela noite...Helga fechou a porta do carro com toda a sua força — que não era muita — e caminhou com cuidado até o outro lado da rua, em direção ao seu prédio. Enquanto isso, Sapinho a seguiu.
— Gostou dessa noite? — ele perguntou.
— Às vezes, é bom dar um tempo de toda essa pesquisa. — Sorriu. — Eu me diverti muito.
Virou-se, pronta para ir até o seu prédio, mas segundos depois, com o rosto quase tão vermelho quanto os lábios, puxou o homem para um beijo apaixonado, como se desejasse aquilo há muito tempo — e desejava —.
Em seguida, afastou-se, imaginando se teria acabado de estragar tudo. Porém, antes que dissesse qualquer coisa, ele passou as mãos pelas bochechas gordinhas de Helga e a beijou mais uma vez, com ainda mais sentimento. Então, com um sorriso terno, sussurrou algo em seu ouvido. Algo que a surpreendeu por completo.
Quando ele estava prestes a entrar no carro, ela, tão alegre como alguém que acaba de ganhar na loteria, gritou:
— Ei, retiro o que eu disse naquele dia!
O homem riu com o jeito escandaloso de Helga, mas logo saiu dali, a deixando completamente perplexa por, na realidade, ter passado meses ao lado de um cientista que, há anos, fora bastante famoso, mas sumiu de tudo no momento em que ficou conhecido.
Por que ele fora tão relutante em dizer o próprio nome?
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A Descoberta da Alma
Science Fiction"A alma funciona como um líquido que se modifica para se juntar a novos ambientes, coletando informações de determinado lugar apenas por estar lá. Dessa forma, ela pode ser transferida através de cálculos sobre fluxos de energia concentrados". ...