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No décimo dia de nevasca, Langer já mostrava menos sinais de desconforto quando chegava a noite. Imaginou em sua inocência que estava ficando confortável com o ambiente, ignorante ao fato de estar simplesmente se acostumando com a sensação e por isso sentindo menos enjoo.

Era madrugada, mas acabaram despertos, por causa do barulho que um banco de neve fez ao cair de um lugar alto.

-- Acho que não vamos voltar para casa antes do seu aniversário, querido. -- foi a primeira coisa que disse quando viu o volume da neve. Quando a data chegasse, o ápice do inverno estaria ainda começando a terminar ou acabado de terminar. Foi tolice, imaginar que passaria tão rápido. Talvez só pudessem sair no início da primavera, em um mês e um terço.

Não que houvessem razões para desconforto, além de simplesmente estar fora da sua casa. Sim, a desculpa de estar indisposto só funcionava salpicada, então às vezes ficava, à noite, mas no geral? Era um lugar agradável.
Às vezes se surpreendia como um senhor com ocupação o bastante para sequer aparecer durante o dia parecia poder fazer tempo para deixar o convidado à vontade, mesmo que talvez por uma ou duas horas. Era agradável, mesmo que fossem essencialmente conversa fiada sobre coisas do cotidiano, ou o que fazia em suas pinturas.

Seu menino, como costumava ser em tais horas, simplesmente o fitou e abriu um sorriso. Tá bem, mãe, não me incomodo, era o que seus olhos diziam. Bom que os olhos bastavam, porque não era agradável ficar olhando para sua boca - já havia trocado quatro dentes, e os que cresceram no lugar eram grandes e afiados, o canino novo poderia facilmente ser uma presa. Mais um lembrete a si que tinha que temer por ele mais do que normalmente deveria.

-- Talvez seja melhor assim. -- foi a resposta que recebeu do filho, o pegando de surpresa.

-- Como assim?

-- Notariam, não é?
E, respondendo à pergunta antes de ser pronunciada, apontou para a própria boca.
-- Que crescem rápido demais? Geralmente demoram dias, não demoram?

-- Sim.
Seu menino, para ti. Às vezes difícil saber se devia o tratar como uma criança pequena ou como uma pessoa sabida. Talvez uma mistura, he.

-- Pelo menos não somos só nós acordados. Os outros estão lá fora.

-- A essa hora, Lan? Não foi um sonho que teve?

O menino balançou a cabeça, negando. Parando para pensar, talvez fosse outra "sensação" aparecendo. Não duvidaria de nada, com o que é essencialmente o desconhecido parecendo ir atrás de si sem uma razão em particular. E ele vinha agindo estranho lá dentro, mesmo que não pudesse dizer exatamente como.

Ao que lhe parecia, a dúvida havia de algum modo o ofendido. Tão quieto quanto costumava ser, chegou até a janela e abriu apenas uma fresta, mas foi o bastante. Um cheiro familiar, semelhante mas não exatamente como um perfume, invadiu seus sentidos.

Espera um instante!

Se levantou, chutando os lençóis, e foi espiar o que acontecia do lado de fora, e no fundo esperava que tivesse sido uma surpresa.
Era exatamente como naquele equinócio, a quase sete anos, exceto que não era essencialmente uma ocasião mascarada - sequer faria sentido, provavelmente conseguem reconhecer uns aos outros só pelo som dos passos se vivem juntos a muito tempo - e em maioria alteravam entre si para se juntar a um dos mais jovens - Jasper, se não se enganava, pois era o esqueleto.

Parecia uma celebração de algum tipo, mas seguindo o costume das grandes mães. Numa madrugada, e no meio do inverno?

Voltou a olhar para o filho, que por sua vez sequer parecia afetado pelo despertar repentino, o olhando de volta com uma interrogação no rosto que não conseguia traduzir.

-- Lidamos com isso de manhã, tudo bem?

Outra vez uma negação. Havia algo errado, com certeza, quando a se tratar de algum tipo estranho de pisar em ovos ou mais, não podia dizer. Só sabia que, com roupa de dormir mesmo, o pequeno o pegou pela manga e puxou, chamando para sair do quarto.
O sono era maior do que a curiosidade, no entanto, e rejeitou o chamado, preferindo fechar a janela e voltar para a cama.

Deviam ter se passado horas, embora ainda estivesse escuro, mas houve outro barulho o chamando.
Desse vez não era neve caída, mas vozes vindo de algum lugar acima, vozes muito irritadas, embora as palavras estivessem em uma língua que não entendia.

~~~

Manhã chegara quieta como de costume. Ocupações, pensou com uma gota de sarcasmo. Oh, por favor, aquilo não foi sonho nenhum, sabia muito bem o que ouviu.

Era o mesmo tipo de evento - ou ao menos um bastante semelhante - ao que o levou até um ser da noite, então uma discussão fervorosa. Para haver disposição assim toda a noite, seria necessário se retirar durante o dia. O que parecia ser a norma, pelo que observava, se ignorasse as desculpas que recebia. Coincidência? Duvidava.

Respirando fundo, se levantou, sem precisar afastar lençol algum. Bom, pode tentar um confronto, mas onde vai chegar, se não tiver onde se apoiar? Pois bem, se ninguém lhe der satisfação, tirará por conta própria.

Cuidado, no entanto, porque se errar pode ser tomado por paranóico, e sabe onde os loucos vão. E para não irritar, ou não terá rota de fuga por causa da neve.

Não, confronto não... barganha. Sim, barganha! E já sabia exatamente que moeda de troca usaria.

Levou a mão ao lado da criança dormindo, e balançou levemente até que abrisse os olhos.

-- Teve uma boa noite, meu amor? -- murmurou como quem não queria nada, e o tom que recebeu na resposta confirmou mais do que as palavras em si:
-- Como, mamãe? O senhor também ouviu, não ouviu?

Yep, tem uma testemunha. É algo onde se apoiar. Só precisava de um segundo "algo" por garantia.

Mais tarde será a hora de mais uma vez andar sobre ovos.

Vampire Verse - Sun and MoonOnde histórias criam vida. Descubra agora