Soul love - À noite o céu é perfeito (Part.1)

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Prólogo

Noite quente de verão. Para ser exata, estamos no primeiro sábado do mês de agosto. As estrelas nunca brilharam tanto. Estou sentada na janela do meu quarto, admirando esse espetáculo deslumbrante e pensando nas coisas que me aconteceram naquele verão. Eu era outra Jenna Hudson. A lembrança dói. Meu cérebro tenta descobrir onde fica exatamente a dor, mas logo desiste, porque tudo dói. Estou cansada de viver como se já fosse uma pessoa adulta e madura. Gostaria de voltar a ser criança - uma garotinha de seis anos que caiu da bicicleta. Gostaria de fazer cara de choro e correr aos berros para a cozinha, onde minha mãe me ergueria do chão, me daria um forte abraço e beijaria meu joelho esfolado. Eu pararia de chorar e tomaria leite com chocolate para a dor passar. Essa é uma das coisas que as pessoas não nos ensinam quando falam de crescer: como lidar com as dores que não passam com um beijo.

Capítulo Um

Dei um suspiro de alívio quando o carro entrou na estrada que levava à casa de tia Sarah. Como eu e mamãe não estávamos nos falando quando saímos de Londres, eu não imaginava para onde ela ia me despachar. A julgar por seu mau humor, ela seria bem capaz de me comprar um bilhete só de ida para um desses acampamentos onde a gente passa as férias de verão usando um uniforme verdeoliva e dizendo sem parar: "Sim, senhor! Não, senhor!". - Não posso ficar com você, Jenna - disse mamãe com frieza, enquanto abria o porta-malas e punha minhas coisas na calçada. - Marcus fica inquieto quando demoro a voltar. Mal suspirei. Eu não estava disposta a quebrar meu voto de silêncio. Estava furiosa com mamãe. Ela sempre se preocupava mais com meu irmãozinho de oito anos do que comigo. Fiz cara de ironia e continuei no carro, enquanto ela se dirigia para a casa de tia Sarah. De costas, mamãe podia ser confundida com uma garota. Eu ficava admirada com isso. Seus cabelos estavam presos num rabo de cavalo, e ela usava sandálias de salto baixo. De frente, porém, a coisa mudava de figura. E tudo culpa minha. Ela dizia que meu comportamento nos últimos meses a envelhecera dez anos. Pois ela devia era achar que tinha muita sorte. Quando a mãe de Tara Cowley descobriu que a filha fora reprovada de propósito nas provas, seus cabelos ficaram brancos da noite para o dia. O que eu tinha feito era bem pior do que ser reprovada, mas os cabelos castanho-escuros de mamãe continuavam intactos. Antes de deixarmos de nos falar, tudo o que minha mãe me dizia eram coisas do tipo: - Jenna, como você pôde... - ou o clássico: - Quando eu tinha a sua idade... - seguido da típica reclamação dos "pais modernos": - Você tem idéia de como foi difícil conseguir vaga para você na escola Coot's Hill? Precisei comprar esta casa horrorosa só porque fica perto da escola! Eu me sentia muito culpada por isso. É difícil conseguir matrícula nas boas escolas de Londres. Mamãe então começava a resmungar que talvez precisasse procurar uma escola da rede privada... - Se é que alguma vai aceitar você! Toda vez que ela dizia, pela milionésima vez: - Jenna, quando eu tinha a sua idade... Eu estourava: - Mamãe, isso foi há muuuuuito tempo, quando garotas de quinze anos usavam aqueles calções cheios de babados até os joelhos e eram loucas por hóquei no gelo e bundas geladas! Aí rolava uma briga feia e a gente parava de se falar. Que mais eu podia fazer? Eu prometi a Mia que não contaria nada. Mamãe não vivia tentando enfiar na minha cabeça que era fundamental ter palavra? Ao sair de casa, percebi que Mia olhava para mim do outro lado da rua, na janela do seu quarto. Estava pronta para sair para a escola e me olhava fixamente. Desviei o olhar. Pela janela do carro, eu não tirava os olhos de mamãe, enquanto ela conversava com Sarah. As duas se viraram e olharam para mim. Eu as encarei. Mamãe fechou a cara e Sarah deu um sorriso amarelo. Mamãe começou a falar animadamente, gesticulando muito. Claro que estava contando, com detalhes terríveis, a proeza de sua única filha ter conseguido ser expulsa de uma escola "tão boa". Na verdade, eu não fora expulsa. Para todos os efeitos, estava saindo duas semanas antes do fim do semestre, para "dar um tempo". Mas a diretora, a profª Kelly, já deixara bem claro que eu nunca mais voltaria a ser aceita na Coot's Hill. A lembrança daquelas reuniões constrangedoras na sala da direção me dava calafrios. Então me afundei no meu assento, pois pelo menos ali, naquele momento, tudo era seguro e quentinho. Olhei pelo espelho retrovisor e me imaginei participando de um drama policial, diante de um oficial lendo minha descrição: "Solteira, branca, 1,60 m de altura, cabelos compridos castanhos avermelhados com mechas loiras, olhos verdes, nariz vermelho e úmido e lábios carnudos. Recusa-se a falar. É uma garota má". Claro que a história da "garota má" tinha outro lado. Parte de mim queria ceder e contar tudo a mamãe. A bem da verdade, ela tentara me fazer falar. Meu estômago revirava só de pensar no que eu fizera. Para ser franca, a desavença com mamãe não passava de uma cortina de fumaça. Significava que eu não precisaria falar com ela sobre aquilo. Ela chegou até a telefonar para papai e contar tudo a ele e a sua mulher. Várias vezes, cheguei bem perto de perder o controle e abrir o jogo. Mas Mia estava no meio do rolo. Eu não podia dedá-la! Mamãe vivia perguntando: - Foi Mia quem a meteu nisso? - e repetia a mesma pergunta de mil maneiras diferentes. Eu odiava o fato de ela imaginar que só outra criança podia ser culpada de um comportamento tão inesperado. - Não sou mais criança. Sei muito bem tomar minhas próprias decisões - respondi nem sei quantas vezes. Eu tinha o direito de guardar meus segredos. Além do mais, minha mãe estava chegando perigosamente perto da verdade. Perdida em meus pensamentos, levei um susto quando mamãe escancarou a porta do carro: - Vamos, Jenna, desça. Desci o mais devagar que pude, enquanto ela e Sarah se despediam com um abraço. Sarah era a irmã mais velha de mamãe, mas parecia mais jovem. - Ela não tem de trabalhar, nem tem filhos para envelhecê-la - ouvi mamãe dizer certa vez, com uma pontinha de ressentimento na voz. - Não quer mesmo ficar para um chá? - perguntou Sarah com seu jeito doce. Mamãe dez que não com a cabeça: - Estou cheia de coisas para fazer. Como algo na estrada mesmo. Jenna - disse ela olhando para o alto, sem me encarar -, deixei dinheiro com Sarah para os seus gastos. Enfiei as mães nos bolsos e dei de ombros. Quando o carro tomou a estrada, deu um tchau irônico e disse: - Tchau, mamãe, também te amo! E foi assim que me vi exilada na casa de tia Sarah. Só tinha duas coisas pela frente: passar um verão de cão e me mostrar profundamente grata quando Sua Majestade me permitisse voltar para outra escola em Londres.

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⏰ Última atualização: Mar 07, 2015 ⏰

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