Capítulo 01

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Muitas dinastias atrás, num reino distante, construía-se um império, há séculos, aquele país era governado pelos Lan, de tempos em tempos, o herdeiro do trono escolhia uma consorte de boa família que tivesse saúde para gerar um novo herdeiro e o ciclo continuava, sem fim. 

No entanto, na geração atual, algumas inconformidades aconteceram, o imperador acabou ficando doente e morrera ainda jovem, deixando seu filho mais velho, de apenas 15 anos, assumir seu lugar com o suporte do tio, que seria o segundo na linha de sucessão já que seu sobrinho mais novo, não teria condição alguma de ascender ao trono, se fosse necessário, pois havia nascido com uma saúde frágil e vivia isolado numa parte remota do palácio, com criados para cuidar dele e um médico disponível o tempo todo, a imperatriz morreu ao dar a luz e ele nunca soube o que era ter uma mãe, ouvindo apenas as histórias de seu irmão 5 anos mais velho.

O atual Imperador, Lan Huan, passava o dia todo atarefado, tentando ministrar os conflitos da melhor forma possível e evitando ao máximo o derramamento de sangue, suas ordens eram limpas e claras, ele não era um tirano como houve outrora, sua guarda real até tinha algumas regalias. Nas poucas horas livres, ele fazia questão de ir até a casa do irmão, apesar de morarem no mesmo palácio, as residências eram separadas dentro da propriedade, a principal era do imperador, depois vinha a do tio próxima à dele, a do príncipe Lan Zhan era mais afastada de todas, também havia algumas para visitantes e outras menores e menos luxuosas para os criados e a guarda pessoal dos monarcas.

Naquele dia, pela manhã, o imperador saiu de seus aposentos e foi logo cedo visitar o irmão, fazia quase uma semana que não se viam e ele evitava deixá-lo sozinho por tanto tempo, antes que seu tio aparecesse, ele praticamente fugiu para lá, mesmo que tivesse passado 10 anos do início de seu reinado, o irmão de seu pai ainda tentava controlar suas ações.

Ao chegar na entrada, foi notificado por uma das criadas que o príncipe estava se banhando, ainda assim o mais novo permitiu sua entrada. No meio do aposento, havia um biombo de bambu com papel de seda e desenhos pintados à mão bloqueando a visão de quem chegase na porta, e por trás dele, estava uma tina, dois criados o ajudavam a se banhar, o imperador sentou numa poltrona e aguardou.

-Irmão, já estamos acabando. - comentou casualmente o mais novo por trás do biombo.

-Não tenha pressa. Irei aguardar. - respondeu gentilmente.

A condição do príncipe não era boa, desde que nascera, os médicos da corte atestaram que provavelmente não completaria uma década de vida, entretanto, ele já havia completado a segunda àquele ponto. Raramente saía de seus aposentos, exceto quando estava quente o suficiente, às vezes, tomava um ar puro e olhava as flores, mesmo assim dependia de uma cadeira de rodas para levá-lo para fora, não era que ele não fosse capaz de andar, apenas que seu frágil corpo não suportava ficar de pé por um longo período de tempo, sendo assim, nunca podia ficar completamente sozinho. Quando o clima esfriava, era de praxe que tivesse febre e ficasse resfriado, algumas vezes, até mesmo seus ossos e entranhas doíam, era, de fato, uma vida lastimável. 

Apesar dos súditos saberem de sua existência, ninguém nunca o tinha visto. Seus dias eram vividos de forma simples, ele lia na metade do tempo, praticava caligrafia na outra metade, desenhava quando tinha vontade e se alguém lembrava de visitá-lo, ele recebia de bom grado, não era bom em manter a comunicação, sua falta de convivência em público, o tornou fechado. Todavia, era sereno e gentil, sempre tratando a todos por igual, não importava se era o criado que cuidava de suas necessidades básicas, uma cozinheira, seu médico particular, um dos guardas ou seus parentes de sangue, todos eram tratados com o mesmo respeito e tom de voz, o que fazia cada um deles lamentar ainda mais sua condição, acreditavam que se pudesse ser o braço direito do imperador e governar ao lado do irmão, como seu pai planejava que fosse, o reino viveria ainda mais em paz e organizado.

Lan Huan observou os dois criados ajudá-lo a se vestir e colocá-lo na cadeira de rodas feita de madeira com detalhes em couro e seda, os homens fizeram uma reverência aos dois e saíram, em seguida, uma mulher veio e deixou um conjunto de chá para eles.

-Como estão as coisas? - perguntou o mais novo servindo uma xícara, Lan Huan observou que as mãos do irmão tremiam levemente, todavia, não o ajudou nem comentou nada no ato, geralmente, ele deixava o mais novo fazer sozinho as coisas que podia, caso houvesse a real necessidade, o ajudaria. 

-O reino está em paz, havia um pequeno conflito no sul, mas conseguimos administrar. - o mais novo o ofereceu uma das xícaras - Obrigado. 

-E o tio?

-Ele está bem, tentando controlar tudo e fazer o que acha melhor, como sempre. - eles sorriram juntos, o gesto do mais velho, muito mais visível que o do mais novo - Ele não tem vindo visitá-lo?

-Não o vejo desde meu aniversário. - ele não disse aquilo com tristeza ou mágoa, apenas disse, sem emoção alguma - Sei que deve estar muito ocupado. - a comemoração havia sido em janeiro e àquela altura já estavam no final da primavera. 

-Vou lembrá-lo de passar aqui. Ele fica tão enfurnado naquela biblioteca e discutindo com os criados por coisas bobas que esquece do tempo.

-Não precisa. Ele virá quando achar que deve. 

Não era que Lan QiRen não gostasse do sobrinho, apenas que havia uma história oculta atrás disso tudo. Sua mãe, a imperatriz, antes de sê-la, foi uma princesa rebelde de um reino longínquo, muitas coisas acerca dela pareciam erradas e o irmão mais novo do até então príncipe herdeiro, não concordava com o casamento, o reino da mulher tinha costumes muito diferentes do deles e eles a consideravam uma bárbara, principalmente por ter o gênero que tinha e ainda ser capaz de liderar tropas e decapitar soldados, quando levada para aquele império, ela teve que se tornar dócil e delicada, a princesa não estava disposta a trocar sua vida por um amor que ela nem mesmo considerava, porém, não havia mais escolhas a fazer, o futuro imperador havia decidido e ela teria que acatar, afinal seu reino, no momento, estava sob os comandos dele. O casamento foi preparado, o herdeiro assumiu o trono e a nova imperatriz deu à luz ao seu primeiro filho, naquele momento, ela decidiu, por vontade própria, ficar reclusa na casa mais afastada da propriedade, criando sua criança e sendo visitada pelo marido quando ele achava necessário. Essa e todas as atitudes da mulher eram mal vistas pela corte e principalmente por Lan QiRen. Depois de 4 anos de reclusão, a mulher engravidou pela segunda vez, sua saúde já não estava boa, muitos especulavam que ela estava doente de tristeza, outros diziam que estava sendo envenenada, a verdade nunca apareceu, o que se sabe, é que aquela gestação foi particularmente complicada, quase perdendo o bebê duas vezes, ela foi forte como sempre fora e levou até o final, infelizmente, partiu antes mesmo de saber que seus esforços haviam sido em vão e seu filho jamais gozaria de plena saúde.

Com todos esses fatos anteriores, ao longo dos anos em que Lan Zhan crescia, ele se parecia mais com a falecida imperatriz, seus olhos, o jeito frio e impessoal que todos criam fazer parte de sua falta de contato humano, na verdade, eram heranças de sua mãe, e Lan QiRen, apesar de não culpá-lo por isso, não suportava ver as feições daquela mulher em alguém com quem ele compartilhava o sangue, somente por isso, evitava vê-lo. Desses detalhes, os irmãos monarcas não sabiam, eles apenas imaginavam que o tio possuía seus motivos. 

Quando o sol começou a aquecer o dia, por volta das 8 da manhã, o eunuco pessoal do imperador, denominado Meng Yao, veio chamá-lo, pois estava na hora de sua conferência. 

-Voltarei para o salão principal, irmão, cuide-se bem, sim? - pediu apertando brevemente a mão do mais novo - Retornarei em breve, mande me notificar se precisar de algo.

-Está tudo bem, irmão. Cuide-se também. Não se preocupe comigo. - o mais velho deu um beijo no topo da cabeça do mais novo e saiu. As manifestações de carinho e cuidado entre os dois não lhes deixavam envergonhados ou algo do tipo, se alguém, naquele mundo, havia recebido amor da falecida imperatriz, esse alguém era Lan Huan, e apesar de não lembrar muita coisa de sua tenra infância, fazia questão de tratar a todos com empatia e cuidado, ainda mais seu irmão.

Após o imperador deixar o recinto, o príncipe voltou-se aos seus estudos, uma de suas criadas empurrou a cadeira para mesa à pedido dele, e lhe entregou os livros solicitados. Pouco tempo depois, um falatório do lado de fora o tirou de sua concentração.

-Alteza, mil perdões… É a Condessa Luo… - disse um dos guardas se ajoelhando parecendo bastante cansado. 

Scarlet Eyes [concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora