Disseram -me que os amores da juventude são os mais memoráveis e também os mais doloroso. E comigo, não foi diferente.
Eu amava Júlio. O típico garoto gentil e sorridente que acompanhado de sua beleza nada extraordinária era capaz de espantar qualquer vestígio de mau humor. E também, era meu vizinho.
De certo modo, eu havia crescido ao seu lado. Eu havia acompanhado, mesmo que da casa ao lado, todas as fases primordiais da sua vida. Além do mais, eu tinha todas as informações que cercava o dia-a-dia dele. Eu sabia que por volta das seis e meia ele pegava o ônibus para ir à escola, que por sinal ficava somente algumas quadras da minha, sabia que aos domingos a família dele ia à igreja, que ele e o pai não perdiam um jogo sequer do tão aclamado time do coração, que a irmã dele, Alice, tinha intolerância à lactose e consequentemente
ele evitava comprar qualquer laticínio com medo que ela ingerisse por engano, eu sabia quantos anos ele tinha, sabia quem era os seus amigos, até mesmo tinha noção do seu gosto musical, e não menos importantes; eu sabia que ele não me amava.Mas mesmo assim, eu não consegui fugir do clichê da adolescência de cair em um amor platônico. Mas o que eu podia fazer se o nome dele aparecia na minha mente em letras garrafais e douradas sinalizando que ele era o amor da minha vida?
Eu apenas me deixava levar por aquele sentimento, até então singelo. Não fazia questão de lutar contra ele, nem ao menos detestava ele. Na verdade, eu gostava da sensação de tomava conta de mim toda vez que eu o olhava regando as flores sob o pretexto de olhar ao céu, ou até mesmo, quando nossos caminhos se cruzavam naquele pequeno bairro e a minha rota para casa era recheada das conversas mais bobas que podíamos ter.
Eu amava isso, eu amava amar ele.
Confesso abertamente que ele não era o cara mais perfeito do mundo, mas mesmo com o seu gênio tempestuoso, eu não podia deixar de imaginar as nuances do nosso possível futuro relacionamento. Até mesmo as nossas discussões, onde discutiríamos na porta de uma das casas, cada um entraria em sua residência chateado, mas durante o decorrer da noite, tomados pela culpa e arrependimento, um de nós decidiria ligar e cuidadosamente se dirigia a janela, somente para contemplar o rosto do outro enquanto resolvíamos as coisas entre nós. E em um passe de mágica tudo se resolveria.
Eu ainda era muito nova para o amor.
Mas como já havia tido antes, eu sabia que ele não me amava. Na verdade, ele amava outra. Amava Ana Letícia. Mais
especificamente, a garota que morava na casa à frente.Havia sido à ela a quem ele destinava seus suspiros apaixonados enquanto eu suspirava por ele. Porém, não muito diferente de mim, não era a ele a quem as lágrimas dela eram relacionadas. Era à vida.
Ana Letícia estava machucada demais para amar.
A garota de saúde frágil não tinha mais esperanças para viver, nem muito menos forças para o amor. Então assim aconteceu, eu devotava-me a ele, ele à ela e ela a aproveitar os dias que lhe restavam.
No fim, éramos um só. Éramos três corações confusos e amedrontados habitando aquela estreia rua.
Ele a amava, eu o amava, já ela, acredito eu que o amava demais para aprisioná-lo em um relacionamento que não seguiria a diante. Estávamos presos em uma teia onde o que nos mantinha juntos era os nossos sentimentos.
No entanto, em uma tarde chuvosa, essa teia se rompeu. Não existia mais Ana Letícia. Não existia mais a sua doença. Só havia um Júlio desolado perante o caixão, só havia a sua dor, o seu abandono. Só havia desespero.
Mas naquele dia, naquele fatídico dia, assim que os meus olhos encontraram os deles, ele correu para mim, correu para o meu abraço. E inconscientemente, eu sabia que ele também me consolava, me consolava pois havíamos nos tornado incompletos, me consolava porque uma parte da nossa estranha história havia se encerrado.
E entre seus braços, eu senti a realidade me atingiu com um soco, assim que em confissão ele sussurrou:
- Tudo seria mais fácil se eu pudesse ter escolhido amar você.
E foi naquele instante que me permiti chorar, eu chorei com ele. Eu chorei pela sua perda, eu chorei por não ser a sua amada, eu chorei por seus sentimentos, eu chorei pela ausência dela. Eu chorei por mim. Chorei por nós.
Ainda estávamos aprendendo a amar.
