Natureza de Nara

15 2 0
                                    

    Mantenho as mãos dentro do casaco, e os pés apoiados no banco do motorista, acredito que isso não incomodaria meu pai... observo a janela do carro pelo lado de dentro e percebo a neve se acumulando nas frestas e embaçando lentamente o vidro, enquanto meu pai atravessava a silenciosa, vazia e bela rodovia cheia de curvas e altos e baixos da íngreme região de Alberta do oeste do Canadá. Meus avós tinham uma fazenda afastada da zona urbana da província, era lá que costumávamos passar o Natal todos os anos, eu, papai, mamãe e meu cachorro Shiba. Já era dezembro, quase fim de ano, meu nariz e minhas orelhas continuavam geladas, talvez eu devesse cochilar um pouco, assim meu nariz poderia parar de escorrer. Ao abrir os olhos minutos depois, percebo que o clima sombrio por conta da falta de iluminação na estrada causada pela densa vegetação, foi desaparecendo, enquanto meu pai tirava a neve e as folhas secas e escuras com o limpador de para-brisa, e ia acelerando na estrada.

— Agora que a rodovia ficou reta, significa que atravessamos a serra, estamos nos aproximando da fazenda! 

Meu pai repetia aquilo em todas as viagens, tornando aquele momento de alívio, um clichê desnecessário. A viagem continuava silenciosa, no qual era possível ouvir apenas os ruídos do motor do carro, dos pneus, do aquecedor e do meu coração, pois só de pensar no fim dessa entediante viagem, meu coração palpitava e meu estômago revirava-se, como consequência da extrema ansiedade que sempre sofri desde pequeno, e em seguida, com certeza a vontade de ir ao banheiro fazia parte da rotina que a ansiedade me cedia.

— Pai, estou ficando apertado.

— Sinceramente, ainda estamos longe, teremos que parar em algum acostamento.

Ao se abrir, a porta do carro havia transformado-se em uma porta de geladeira, no qual o vento gelado tornava meus movimentos lentos e trêmulos. Bato o pé no chão de leve duas vezes...

— Já volto.

— Não demore!

Ao atravessar a cerca ligada à fios de metais, ouço um ruído no qual sou incapaz de identificar se é grosso ou fino, mas era indubitavelmente de um animal. Ao limpar as lentes do meu óculos que sofria constantemente com o vapor que saía da minha boca, percebo outro vapor não tão distante de mim.

— É lindo!

Um cervo vermelho filhote estava deitado em folhagens e encostado numa pedra gigantesca, chorando e tremendo, enquanto o vapor saía de sua boca quando elevada ao céu, como se o animal chamasse por qualquer ajuda, mesmo se isso colocasse sua conta em risco.

— Onde está sua mamãe?

Me aproximo lentamente e percebo que o animal mantém o silêncio ao perceber minha presença. Era uma imagem que eu jamais havia presenciado, um animal tão belo, numa vegetação tão bela, em uma situação de abandono e solidão, eu me ajoelho diante do cervo, enquanto nos encaramos, permanecemos imóveis, apenas com a presença do som do vento balançando e derrubando as folhas secas. É isto, era minha primeira paixão, uma paixão à primeira vista. O cervo abaixa sua cabeça lentamente e lambe minha mão com sua língua quente e seca, sinalizando sede, além de frio e dor.

— Francisco, por que a demora?

— Ele está sozinho, e com sede.

Meu pai havia premeditado qual seria minha decisão.

— Francisco, ele é um animal selvagem, este é seu habitat, não podemos assumir a responsabilidade de uma natureza que não temos controle e que não nos pertence.

— Então me explica as cercas, com elas aqui, eu não entendo esse controle que nós não temos sobre eles... Sem ele eu não saio, pai. Não vou carregar essa culpa, por não entender sua filosofia sobre os animais.

Natureza de NaraOnde histórias criam vida. Descubra agora