Celebridade anônima

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Morreu abraçada a uma revista de fofocas da televisão. Ela também quis ser uma atriz. Representar para o grande público tinha sido seu sonho de infância e adolescência. Participou de várias peças no colégio. Primeiro nas montagens feitas pelas professoras do curso primário, mais tarde, em parceria com colegas, deu vários espetáculos durante o ensino secundário.

Era bonita, muito bonita. Quando criança, os amigos da família não cansavam de elogiar a beleza promissora que se aperfeiçoava dia-a-dia. Amava o pai mais do que tudo. Se entendiam perfeitamente e foi dele que ganhou o primeiro livro infantil que deu início à uma expansão mental ininterrupta.

Não se lembrava de tê-lo visto chegar em casa zangado. Raramente se exasperava, quase nunca gritava e tinha um conselho sábio sempre à mão. Ela era uma criança ativa, estava sempre correndo e inventando frases para declamar pela casa. Nessas horas, o pai sempre a chamava de "minha pipoquinha", porque a comparava a um grão de milho colocado em uma panela com óleo quente.

Dizia sempre que seria uma grande atriz e o pai confirmava depois de lhe dar um beijo na testa. A mãe sorria e mandava os dois pararem de sonhar com bobagens. Tudo ia bem. Ela crescia, ficando ainda mais bonita. Os cabelos eram longos e bem cuidados. A pele sempre protegida do excesso de sol. A literatura fazia parte do cotidiano, queria ser culta. As horas vagas eram dedicadas a declamações e encenações, tudo para aperfeiçoar um talento latente. O pai incentivava. A mãe meneava a cabeça e dizia que o melhor era pôr os pés no chão. Isso significava estudar para ter uma profissão definida. E claro, arranjar um emprego numa instituição sólida.

Já tinha feito matrícula em um curso de arte dramática quando recebeu a notícia bombástica. Um homem sisudo bateu à porta quase no horário do almoço, um pouco antes do que o pai costumava chegar. Se apresentou como funcionário administrativo da companhia ferroviária em que ele trabalhava. Mãe e filha sentaram na sala de visitas para receber o homem carrancudo, mas a aflição era visível. Ambas sabiam que vinham más notícias.

Uma barra de ferro caiu de um vagão em movimento quando o trem cargueiro estava chegando à estação e o atingiu na cabeça. Ninguém soube explicar como aquele objeto usado como alavanca para serviços pesados havia sido esquecido lá. Resistiu incrivelmente aos balanços da viagem, sobrevivendo às curvas. Permaneceu em cima do vagão para cair justamente no final da viagem, matando o homem que era o sustentáculo financeiro e emocional de duas frágeis mulheres.

Nossa aspirante ao estrelato se chama Vivian e está agora com dezesseis anos. Para ela, o pai era muito mais que um sustentáculo emocional e financeiro, era o impulsionador da vida. Era para deixá-lo orgulhoso que Vivian lia e se instruía sem parar, pensava nele todas as vezes que ensaiava textos em casa. Se inspirava nele para sobreviver às crises de insegurança quando tinha que recitar no colégio ou acreditar no futuro como atriz. Ela sentia que tinha dois corações: um físico, que alimentava e oxigenava todo o corpo bombeando o sangue, e um espiritual, o pai, que inundava a alma dela com alento.

A companhia ferroviária custeou o enterro. Vivian perdeu a sensibilidade naqueles dias. Desde o momento em que recebeu a fatídica notícia, deixou de sentir o gosto dos alimentos e toques na pele. Fazia tudo mecanicamente, mantendo a rotina como se não pudesse alterar, por razões desconhecidas, a ordem das tarefas. A mãe agiu do mesmo modo, sempre chorando. Os poucos parentes e os muitos amigos compareceram ao funeral sinceramente consternados. Os colegas de classe de Vivian também foram prestar solidariedade.

A papelada com o pedido de pensão foi rapidamente providenciada para que a viúva pudesse assinar. A casa era só silêncio. Vivian lia, mas não ensaiava. Ia ao colégio, mas não comparecia aos eventos festivos. A mãe fazia compras e cuidava da casa sem dar uma palavra. Intensificou as idas à Igreja depois da missa de sétimo dia. Muito orgulhosa, passava apenas com a pensão do falecido marido. Recusava qualquer ajuda financeira dos amigos e parentes. As contribuições para montagens de peças e o curso de arte dramática tiveram que ser abandonados por Vivian. O dinheiro não era mais suficiente. Passou a se vestir com roupas bem mais modestas, costuradas ou compradas pela mãe na feira-livre e deixou de adquirir publicações especializadas em televisão. Por fim, o próprio aparelho teve que ser vendido para ajudar na contenção e pagamento de despesas.

CELEBRIDADE ANÔNIMAOnde histórias criam vida. Descubra agora