Apresentação 🍞

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Estou neste serviço há quase oito meses. Começo assim que escurece e termino antes do céu ficar cinzento. Não há muitos clientes, às vezes nem aparecem mais do que dois em uma única semana, e quando finalmente dão as caras é mais do que suficiente. Não posso levar o meu celular, fazer ligações, fotografar de maneira alguma o estabelecimento. Tenho apenas acesso ao computador antigo, que funciona muito bem por sinal, porém com algumas restrições: existem alguns sites que eu não posso acessar e, de maneira alguma, não posso nem imaginar entrar em minhas redes sociais. Isso me faz ficar boa parte do tempo lendo enciclopédias e observando paisagens. Plataformas de entretenimento como o YouTube nem pensar e muito menos participar de lives ou qualquer coisa que esteja sendo transmitida em tempo real. O volume do PC local não pode ficar muito alto, isso também não é um problema porque aqui eu ganho cinco vezes mais do que ganharia naquele pequeno escritório, emprego qual eu consegui com minha pouca experiência e apenas um diploma de cursinho barato. Esforcei-me bastante, foram horas gastas para me manter. Aqui, por outro lado, só preciso ir trabalhar cinco vezes na semana e os sete dias em ocasiões especiais.


Por questões de cortes de alguns funcionários, eu fui afastada do escritório e estava precisando encontrar algum trampo quando recebi a proposta. Conheci o meu patrão em um ônibus, ele estava do outro lado do veículo fitando-me. Assim que percebi sua atenção em mim, isso não incomodou-me. Geralmente, as garotas ficam com um pé atrás com um estranho como ele: alto, cabelos ondulados, rosto magro e barba mal feita lhe encarando, mas ele estava bem vestido e sem hesitar aproximou-se de mim delicadamente. Eu não tentei resistir procurando manter algum espaço entre nós, e com muita naturalidade começamos a conversar, assim ele jogou-me a proposta. Só posso recordar-me que conseguiu ser bastante convincente e tentador, não como aqueles caras que batem de porta em porta, longe disso, passou-me segurança e uma aliança que não poderia deixar passar entre os meus dedos.


Claro que estranhei no início, ganharia muito bem, como eu já disse, trabalharia pouco, não existiria nenhum tipo de estresse. O que assustou-me mesmo foi o primeiro pagamento adiantado... aquelas várias notas de cem amontoadas em pequenas parcelas. O bairro em si estava muito longe de uma favela ou da parte mais pobre da cidade, ele ficava no centro. O estabelecimento encontrava-se exatamente encostado em algumas casas antigas. Durante o dia, é quase imperceptível conseguir enxergar aquele letreiro, a sua porta de entrada e todos os elementos que mostram o seu funcionamento. Na verdade, antes de escurecer, parecia bem descartado, mas ao anoitecer, ganhava vida: as paredes parecem ter sido pintadas naquele momento, a tinta brilhava com o contato das lâmpadas da rua, a porta de ferro não fazia barulho e ficava mais majestosa com os seus detalhes esculpidos e a sua estrutura parece bem maior, como se estivesse ocupando três vezes mais espaço na localidade. Sou obrigada a chegar no entardecer e não atrasar nenhum minuto, a regra sobre atrasos desconta uma quantidade absurda do meu salário.


Aqui há segurança, a presença daquelas lentes causam-me uma sensação menos inquietante: uma câmera atrás do balcão, onde eu atendo os clientes, e uma na entrada. Sem deixar de mencionar os outros funcionários. Fora eu, existe dois padeiros: um velho e um novato que nunca falou comigo ou olhou na minha direção. O único contato que tenho com eles é quando vão para os fundos. É nessa ocasião que entra mais uma regra: eu não posso ver como os pães são feitos. Pelo tempo que eles passam lá dentro, parece que fazem uma quantidade para alimentar um exército, conforme expliquei, não vejo muitos clientes. Digo isso baseada em uma demanda típica de uma padaria para vários clientes em um bairro.


Há um odor muito desagradável que aparece algumas vezes durante o início da madrugada e próximo ao fim. É algo muito forte e que incomoda. Às vezes minhas narinas chegam a queimar e os meus olhos lacrimejam como se estivesse cortando cebola, isso me faz usar com frequência um produto obrigatório disponibilizado pela padaria para passar em volta do meu rosto, que sempre alivia e faz aquela sensação desaparecer. Aprendi também a conviver com os constantes barulhos de uma máquina rangendo e gritando com seus motores, algo assustador, me pego imaginando um ferro triturando o outro como se tivessem vida. Eu não faço perguntas, nunca tive nenhum problema nas noites solitárias atrás do balcão.

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