103. [Lacunas] Parte 88

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Sábado, 04 de Outubro de 2003.

Manhã de sábado em Itatiaia. Estamos a uma semana do casamento e, mais uma vez, Helena e César acordam juntos sobre a mesma cama. No sábado da manhã anterior, no caso, eles acordaram juntos sob os lençóis da mansão após uma noite intensa de amor, de troca, de muita paixão e química - a famosa primeira noite de amor dos dois na mansão. Dessa vez, nessa madrugada fatídica, a intensidade, a química, a troca, tudo isso se fez presente também, mas com outros componentes que não havia como não existirem depois de tudo o que aconteceu na nos últimos dias: o sexo de reconciliação foi permeado de briga de ego, de afrontas de desejo, provocações das mais baixas possíveis, aquele quê de agressividade que cai bem no jogo do prazer e muita, muita entrega - de ambos.

Helena, que não se prende a tabus, à fórmulas na hora de amar, que sempre se permitiu àquilo que o seu momento pedia, tem em César a combinação perfeita do seu prazer porque ele gosta disso: de conduzir. Gosta tanto quanto gosta de ser conduzido por ela e conduz tudo tão bem que a dança nem parece que tem um condutor e um conduzido, ou parece haver uma alternância - e talvez até haja mesmo... Mas é inegável que ontem, na noite de amor que tiveram, o regente de tudo foi César. A estrela principal, ela - claro, sempre ela. Ele só fazia acontecer o que e como ela queria, mas as vontades eram dela.

Intensa como foi a madrugada, ambos adormeceram sem grandes cerimônias. Você há de se lembrar como os dois se deitaram após um banho apaixonado, regado a carinho... As brincadeiras descortinadas ali, na intimidade, os muitos sorrisos maliciosos, as trocas de olhares, a infinidade de toques que Helena deferiu no corpo de César. Ele, já deitado de lado, aguardava pelo descanso aos sabores da maciez dos dedos dela, que hora adentravam seus cabelos, hora acariciavam a face ou brincavam em seu peito. Tivemos vários momentos na noite: discussão acalorada, acusações, ofensas, amor, declarações, rendição, muito prazer, agressividade, troca de carinhos e um clima que quase pôde se desestruturar depois que ele percebeu que, sim, mais uma vez ele havia cedido. Eles haviam cedido. Ela, de novo, havia conseguido o que queria, como sempre foi... Mas até aí Helena foi ágil e perspicaz ao acalentar o ego de César e fazer a festa que ele precisava, assim como ele soube cultuá-la a noite toda. Foi aí que voltamos ao momento descontraído, gostoso pós transa. Os dois exaustos demais, o corpo evidentemente precisando de horas de repouso para recompor todas as energias e, por isso, não demoraram a adormecer. Ele primeiro, ela depois - depois de muito amá-lo com o olhar, se apaixonar ainda mais pelas curvas serenas do César entregue, domado pelo amor dos dois.

Horas depois, nesse meio de manhã, César desperta. Helena ainda dorme e dorme em posição diferente da qual adormeceram, porque haviam cochilado assim, cada um em seu espaço, cada qual em seu travesseiro; perto, pertinho, com as mãos se conectando, mas o corpo em separado... Ele acorda com ela aninhada em seu peito. Leva um pequeno susto porque a primeira coisa que sente ao se dar por desperto, é a pele macia das costas dela por sob os dedos dele. Sorri baixo, esfrega os olhos com a outra mão e nessa de adorar ver que, mesmo quando dormia, ela procurava por ele, César alisa as costas de Helena com a ponta dos dedos em um movimento terno, preguiçoso.

Sem fazer alardes, ele procura por algum meio de saber as horas, mas não encontra nada que esteja disponível ali por perto. De qualquer forma, ele presume ser cedo devido ao cansaço. Bom, na verdade, é difícil presumir qualquer coisa, não é? Porque pelo calibre da noite, de tudo o que a envolveu, eu digo - desde as tensões de quando ele ainda estava no Rio, viagem, brigas e prazer - eu imagino que ainda que tivessem se passado muitas horas de sono, a sensação de cansaço ainda existiria. Mas há uma porta grande composta de madeira e vidro bem diante da cama, e que dá acesso a uma sacada; há persiana, mas mesmo através dela é possível ver alguns rastros de claridade e é através deles que César faz uma estimativa imprecisa de que é cedo, é manhã. Provavelmente, ele só despertou devido ao tal do ciclo circadiano, essa rotina sempre tão impecavelmente metódica que o médico mantém. Ele ainda reluta um pouco para terminar de acordar, abre os olhos com demora, está tudo embaçado e a cama está convidativa demais para que ele se retire dali.

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