IV. Cinema Mudo.

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Um, dois;

O sino irá tocar.

Três, quatro;

Acho melhor você trancar a porta do quarto.
Cinco, seis;

Já está ficando tarde, feche os olhos.

Sete, oito;

O relógio marcará 03:00 horas.

Mas não é como se fosse fazer alguma diferença.

Não tenha medo se sentir olhares às espreitas sobre você em meio à escuridão de seu quarto ou ao longo do corredor vazio, e muito menos ao dar seus passos lentos até a cozinha. 

Nove, dez;

Adianta se esconder debaixo das cobertas?

Por que as pessoas sempre associam a noite com espíritos sombrios e demônios, se quando o sol nascer eles continuarão ao seu lado?

Não se engane, a noite pode guardar mistérios e ocultar as trevas, mas não é como se ela deixasse de existir apenas porque você acendeu a luz e muito menos é porque cobriu os pés que ninguém te pegará.

Oh, não se preocupe, não tenha medo de estar só ou de estar no escuro.

A menos que escute um barulho por perto.

¤¤¤

Semicerrei os olhos, prendendo-os na imensidão de nuvens brancas naufragadas em meio ao vasto céu azulado, enquanto me mantinha nas pontas de meus pés e apoiava o queixo sobre o corrimão da grade a qual cercava a sacada inteira.

O Sol se resguardava sob algumas várias nuvens acumuladas; mordisquei os lábios distraidamente, suspirando baixinho e pendendo um pouco a cabeça para o lado.

— Chato. — murmurei arrastado com a bochecha prensada no corrimão amadeirado, em puro tédio.

— Nan Hee! Ei, Hee-ah! — escutei a voz ofegante de Kimi ficar cada vez mais próxima junto de passos pesados e apressados sobre o assoalho, logo tendo a baixa garota ao meu lado com um sorriso largamente empolgado enquanto tratava de pôr a presilha avermelhada em seus cabelos. — Não quer ir brincar de pique? O gramado do jardim acabou de ser cortado!

— Chato. — soltei outro murmúrio e fechei os olhos, completamente entediada.

Hoje era feriado. Não que me importasse muito um feriado numa quinta-feira, já que os outros dias são a mesmíssima coisa: nunca saio para lugar nenhum, nada de muito diferente acontece. Mas para as crianças, era divertido apenas por ser feriado.

Para elas, feriado é dia de brincar até cansar, para mim, feriado era dia de sobremesa.

E, até eu poder saborear a torta de maçã com canela que a Sra. Lee só tinha a boa vontade de fazer a cada dois séculos, eu ficava ali, mofando de tédio na sacada do quarto, praticamente fazendo fotossíntese toda vez que o Sol resolvia dar as caras.

Aigoo. Então o que vai fazer esse feriado? Ficar igual uma morta na sacada até chegar a hora do jantar pra poder comer a sobremesa?

— Sim. — murmurei mais uma vez e ela franziu o nariz e apertou os olhos numa expressão emburrada.

Aigoo, unnie! Por que tá tão distante de nós? É porque irá fazer 18 anos? — sua careta se desmanchou em um beicinho tristonho, com a cabeça meramente inclinada para conseguir fitar meu rosto iluminado pela pálida luz do Sol.

ÀS 03:00Onde histórias criam vida. Descubra agora