Mãos Vazias, Alma Vazia

9 1 0
                                    

 "Acho que era assim que o Goku se sentia quando não tinha com quem lutar..." pensou Bernie, cabisbaixo.

Infeliz do jeito que estava, o jovem trabalhava no automático, separando as pilhas e mais pilhas de formulários que precisavam ser carimbadas ou não. Devia agradecer por ter um emprego em época de vacas magras. Mais ainda, por ainda ter um parente disposto a lhe estender a mão a ignorá-lo sumariamente com os demais da família.

Bernie trabalhava no cartório de seu tio-avô Marcus. Não que o homem tenha dado a vaga por gostar do sobrinho-neto, mas sim pelo fato de sua sobrinha, mãe do jovem, ter implorado por um emprego decente para o único filho.

Só de lembrar da mãe ter que implorar e se humilhar diante daquela parentada arrogante já deixava Bernie ainda mais deprimido.

— E aí, Karatê Kid?? Como anda o serviço?

Júnior, seu primo e superior no trabalho, vinha com um sorriso debochado de orelha a orelha. Ali, dentro do cartório do papai, Júnior podia provocar o primo à vontade. Era como se seu nariz jamais tivesse sido quebrado por um chute meia-lua certeiro de Bernie anos atrás, o mesmo nariz quebrado que o fez correr para debaixo da saia da mãe aos prantos.

Mas ali... Júnior tinha Bernie da mesma forma que um dono de circo sádico aprisionava o leão numa jaula apertada.

— Está tudo bem.

— É mesmo? E essa cara de escova de privada?

Bernie só lhe olhou torto.

— Ah, foi mal. É essa sua cara mesmo, né! — e gargalhou, como se tivesse contado a piada do século.

Bernie respirou fundo e contou até mil mentalmente. Tinha que ficar calmo, pois mais papéis rasgados em suas mãos seriam descontados de seus salário no final do mês.

— Ora, vamos, priminho! Melhor a segurança desse clichê do que estar beijando o tatame, não?

— Ah, o senhor luta judô, moço? - perguntou a senhoria que Bernie atendia.

— Luto karatê.

— Karatê?

— Isso.

— Não é a mesma coisa que judô?

Mais uma vez, Bernie respirou fundo. Já abrir a boca para explicar o que era realmente o karatê quando Júnior lhe envolveu pelos ombros:

— Ah, dona, liga não! É que karatê saiu de moda desde o final dos anos 80!

— Mas e aquele negócio de MMA? Meu neto luta MMA!

"Quero morrer." pensou Bernie fechando os olhos com firmeza. Júnior gargalhava ás custas do primo.

— Dona, se esse cara aqui tivesse investido em lutas que a galera realmente curte, ele não tava aqui...

— Ô, mocinho... porque não vai na acadêmia do meu neto? Ele é muito bom!

— Aqui está seus papeis, senhora.

A senhora pegou os documentos, decepcionada com a frieza do atendente. Bernie já fora mais afável, mas desde que se viu obrigado a desistir de seu sonho de montar uma acadêmia karatê e lutar profissionalmente, era como se tivesse de transformado em uma casca vazia. Até falar lhe consumia ânimo.

— Primo, primo, se continuar com essa cara de velório, vai assustar a clientela, viu? Em 10 minutos, fechamos. Organiza sua mesa aí e pode ir embora. Nos vemos amanhã!

Júnior despediu, ainda rindo. Era como se o fato do primo ser um fracassado ao seu serviço lhe desse mais energia. Maldito sanguessuga. Mas Bernie seguia os princípios do karatê: só batia para se defender. Se fosse mais esquentado como um lutador de MMA, teria deixado o nariz do primo mais quebrado do que já era.

Bernie arrumou suas coisas e deixou o cartório pela porta dos fundos. Pensava em como seguir princípios estavam levando os verdadeiros lutadores como ele à ruína. Ou como esporte havia se rendido aos modismos de UFC.

Eram tempos sombrios para lutadores sonhadores.

— PASSA A BOLSA, TIA!

Ao sair, Bernie avistou a senhorinha que havia atendido por último. Três assaltantes a cercavam. O maior deles, gritava com dedo apontado para idosa enquanto os comparsas tentavam puxar a bolsa da vítima.

— Ei, deixem ela em paz!

— Mocinho!

— Passa reto, bundão!

— Deixem ela em paz, se não quiserem ser hospitalizados.

Os três bandidos riram. Deixaram a idosa de lado e foram na direção de Bernie.

— O cara quer bancar o bonzão, né... vamos ver!

Os bandidos tinham pequenos cilindros em suas mãos. Com uma espalmada de mão, os cilindros viraram cajados de aço inoxidável. Bernie já tinha ouvido falar daquelas armas, estavam se tornando populares nas ruas.

— Corra, moço! — gritou a idosa apavorada.

Mas Bernie não se mexeu. Esperou os bandidos avançarem. O primeiro girou o cajado em seu rosto, que Bernie aparou o golpe com antebraço. Antes que o atacante revidasse, aproveitou para dar soco certeiro em seu rosto.

O bandido desmoronou. Seu cajado caiu com um baque surdo.

— FIlho da puta!

Outro bandido tentou acertar com cajado nas pernas de Bernie, que saltou e cruzou os punhos para aparar outro golpe dado pelo lider. Com cajado preso entre os punhos, os girou para jogar a arma longe. Seu dono nem teve tempo de reagir, pois Bernie lhe aplicou um soco cutelo bem no queixo, o fazendo desmaiar.

Restava um bandido. Esse, mesmo tremendo, tentou uma estocada com o se cajado na direção do peito de Bernie. Mas o jovem desviou o golpe com um movimento circular do joelho, que jogou a arma para longe. Aproveitou a ginga e com a mesma perna que usou para defesa, engatou um contra golpe, um chute chicote no rosto do último atacante.

Bernie se viu rodeado de três bandidos desacordados. A ação toda não durou mais que uns minutos. Bernie achou melhor recolher os cajados retráteis antes que fossem usados para ameaçar inocentes de novo.

— Moço... que loucura! Eles estavam armados! Como você fez isso??

— Karatê, minha senhora. O caminho das mãos vazias.

Bernie sentiu um sorriso se formar em seu rosto. Algo que não acontecia há semanas.

Goku ficaria orgulhoso.

E o Sr. Miyagi também.

🎉 Você terminou a leitura de Mãos Vazias, Alma Vazia (Miniconto -MoDE ON) 🎉
Mãos Vazias, Alma Vazia (Miniconto -MoDE ON)Onde histórias criam vida. Descubra agora