Nascer do Sol

35 1 0
                                    

    Uma brisa suave entrava pelo quarto de Gaspar, fazendo as cortinas e as plantas dançar, os seus cabelos agitar e o vento soar pelas quatro paredes que tudo envolviam. Era uma calma e bela manhã de primavera, o sol lentamente impunha-se no horizonte, iluminando as árvores e as janelas dos prédios, que refletiam a sua luz para todos os sentidos e direções.

    Gaspar estava sozinho em casa como de costume, porém não se sentia só, pelo contrário. A suave brisa, o nascer do sol e todos os belos sons que a vida mundana abafava no dia-a-dia, faziam-lhe companhia.

    O rapaz pegou no seu caderninho e aproveitou o som do silêncio para escrever, para sentir.

    As primeiras palavras custaram a sair, ficavam presas na garganta e apenas eram lidas nos seus olhos, que começavam a lacrimejar. Sem a balburdia, a conversa e todos os sons que abafavam as vozes dentro de si não havia nada que as contivesse, asfixiando Gaspar nas suas próprias emoções.

    A única coisa que ele conseguia escrever, que conseguia pensar, que conseguia... sentir, era ela. Mas ele não queria isso, não. Ele tinha medo, medo de se apaixonar, de se iludir e de ficar com um coração quebrado, proibindo-se assim, de sentir.

    Apressou-se até a gaveta do seu quarto e, tremendo, retirou de lá os seus fones para abafar os gritos dentro de si. Olhou de relanço para as poucas palavras que soltou no seu caderno e derretendo-se em lágrimas arrancou a página onde estavam.

    O sol ia se erguendo cada vez mais no horizonte, como que uma labareda gigante prestes a devorar tudo que se opunha ao seu caminho. Gaspar pegou naquela página e queimou-a, atirando o papel pela janela fora. Enquanto as chamas consumiam-no pouco a pouco, a brisa levava-o em direção à maior chama delas todas, que secava as lágrimas dos olhos do rapaz, ao mesmo tempo que ele olhava perplexo para aquele pedaço de papel, onde conseguiu ver de relance uma última palavra "Sofia".

    O nome da rapariga que o fazia gritar e chorar, de felicidade e angústia, a rapariga que lhe fazia sentir borboletas e socos no estômago, quando olhava, falava ou se quer pensava nela, a pessoa pelo qual ele faria tudo, porém jamais seria capaz de lhe dizer como se sentia.

    Gaspar preferia pensar, a sentir. Preferia guiar-se somente pela razão, não se afastando nunca dela, torturando-se todos os dias para se manter naquela linha inflexível, seca, lógica e sem chama, ao invés de se atirar de cabeça às suas emoções e viver governado por elas, pois esse era o seu medo. Sentir e não puder controlar o que sente, não controlar quem gosta, quem ama, quem quer.

- Todos sabemos que não escreves um caralho, mas não precisas de começar a queimar papel – Gritou Jorge da entrada do prédio de Gaspar, com um sorriso no rosto.

    O chorão esfregou os olhos, pegou na máscara e nas novas bugigangas que a pandemia requeria e saiu de casa. Agora, para além do famoso trio chaves, carteira e telemóvel, juntava-se então a máscara e o álcool gel. Tudo prontinho na mochilinha laranja de Gaspar, onde ele levava tudo que julgava necessário: o seu caderno bordô cheio de páginas rasgadas, que trazia na esperança de lhe surgir alguma ideia genial; o livro "Ensaio Sobre a Cegueira" o qual ele gostaria imenso de ler, mas apenas finge que o faz, folheando-o por vezes para captar as ideias principais e puder sustentar melhor os seus julgamentos morais sobre a ignorância da sociedade; um canivete suíço com mil e um utensílios para um usuário desenrascado; um rolo de ligaduras, para sustentar as suas articulações quando o mesmo começava a fazer as suas ginásticas e por fim, uma pedra de quartzo, uma lembrança constante da beldade da natureza, que lhe trazia paz, conforto e sorte.

    Com todo o confina e desconfina, eram distantes os momentos que o seu grupo passava juntos. Uns telefonemas e saídas de longe a longe, caminhadas pelo bosque e encontros noturnos eram o mais ocasional para alguns membros, porém era raro ver Jorge por aqueles lados, o que deixou Gaspar em total euforia.

Uma Brisa SuaveOnde histórias criam vida. Descubra agora