vinte e três

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VINTE E TRÊS

Nada acontece até a hora do almoço.

Faço o café-da-manhã para Ingrid e George como sempre. Passo o aspirador e espano como sempre. Então coloco o avental de Mary, pego a tábua de picar e começo a espremer laranjas. Vou fazer musse de chocolate amargo com laranja para o almoço de caridade de amanhã. Vamos servir num leito de fatias de laranja cristalizada, e cada prato será guarnecido com um anjo de folha de prata verdadeira, de um catálogo de decoração de natal.

Isso foi idéia de Ingrid. Assim como os anjos pendurados no teto.

- Como estamos indo? - Ingrid entra com os saltos ressoando na cozinha, parecendo agitada. - Já fez as musses?

- Ainda não - respondo espremendo rapidamente uma laranja. - Não sepreocupe, Sra. Mitchell. Tudo está sob controle.

- Você sabe o que eu passei nos últimos dias? - Ela segura a cabeça. - Mais e mais pessoas aceitando... tive de mudar a organização dos lugares ...

- Vai dar tudo certo - digo tranqüilizando-a. - Tente relaxar.

- É. - Ela expira, segurando a cabeça entre duas unhas pintadas. - Está certa. Vou verificar os sacos de lembranças ...

Não acredito no quanto Ingrid está gastando nesse almoço. Toda vez que questiono se realmente precisamos cobrir a sala de jantar com seda branca ou dar uma orquídea a cada convidado ela grita que "é por uma boa causa!"

O que me lembra de algo que estive pensando em lhe perguntar já há algum tempo.

- Ah ... Sra. Mitchell - digo casualmente. - A senhora vai cobrar entrada dos convidados?

- Ah, não! Acho isso muito cafona, não acha?

- Vai fazer uma rifa?

- Creio que não. - Ela franze o nariz. - As pessoas odeiam rifas.

- Então... bem... como, exatamente, a senhora planeja conseguir dinheiro para a caridade?

Há silêncio na cozinha. Ingrid se imobilizou, arregalada.

- Nossa! - diz finalmente.

Eu sabia. Ela nem pensou. De algum modo consigo manter uma expressão respeitosa, de empregada doméstica.

- Será que poderíamos pedir doações voluntárias? - sugiro.

- Poderíamos passar uma sacolinha na hora do café com bombom de hortelã?

- É. É. - Ingrid me espia como se eu fosse um gênio. - Essa é a resposta. - E exala com força. – Isso é realmente muito estressante, Regina. Não sei como você fica tão calma.

- Ah ... não sei. - Sorrio sentindo uma súbita onda de carinho por ela. Quando cheguei à casa ontem à noite foi como uma volta ao lar. Mesmo que Ingrid tenha deixado uma montanha de louça na bancada para o meu retorno, e um bilhete dizendo "Regina, por favor faça polimento em toda a prataria amanhã".

Ingrid sai da cozinha e começo a bater as claras de ovos para a musse. Então noto um homem vindo pela entrada de veículos. Está usando jeans e uma velha camisa pólo o tem uma máquina fotográfica pendurada no pescoço. Desaparece e eu franzo a testa, confusa. Talvez seja entregador. Meço o açúcar de confeiteiro, com meio ouvido atento à campainha, e começo a misturá-lo às claras, exatamente como Mary ensinou.

Então, subitamente, o sujeito está parado do lado de fora da cozinha, espiando pela janela.

Não vou arruinar a mistura por causa de um vendedor de porta em porta. Ele pode esperar alguns instantes. Termino de incorporar o açúcar - depois vou à porta e abro.

Regina Mills, executiva do lar - SwanQuennOnde histórias criam vida. Descubra agora