único.

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Garotas como aquela não deveriam estar aqui. É o que Tonks pensa quando a vê pela primeira vez.

O cabelo dela é longo, louro. Desce pelas costas numa cascata sedosa e chamativa, de uma maneira que Tonks não consegue tirar os olhos. Sirius, Remus, Kingsley e os Weasleys passam e a veem, sabem o quanto ela é linda e perfeita, mas ninguém parece realmente enxergá-la da maneira a qual Tonks enxerga.

Ninguém enxerga os olhos azuis e os cílios compridos, os dedos finos que deslizam a varinha entre eles e as unhas bem cuidadas. Ninguém enxerga os dentes alinhados que surgem entre os lábios bonitos nas poucas vezes em que ela fala. 

Até Tonks, em sua essência energética e tagarela, passou a aquietar-se nas reuniões da Ordem. Ela mal pode ouvir Alastor e seus planos, focada demais na clavícula dela e os ombros ossudos. Seja por sorte, coincidência ou destino, a bela condição de metamorfomagia de Tonks a salva toda as vezes em que ela sente as bochechas ficando vermelhas ou o corpo quente demais, apenas um pouco de concentração sendo necessária para levar a sensação embora. Às vezes ela se perde demais e faz um bico de pato ou orelhas de porco aparecerem, mas tudo bem. Tudo sempre está bem se lhe der a chance de encontrar aqueles olhos brilhantes por um único segundo.

Quando elas conversam pela primeira vez, Tonks está tão apaixonada que dói. Ela tropeça nos guarda-chuvas inúteis ao lado da porta, o quadro de Walburga automaticamente gritando e o berro de Molly vindo do final do corredor, mas alguém a segura pelo cotovelo.

Fleur. É claro que Tonks sabe o nome dela, porque Tonks a enxerga faz mais de duas semanas. Duas semanas inteiras e elas nunca trocaram uma palavra. É quase patético, Tonks pensa por um momento, o como aquela mulher conseguiu tomar seu coração tão rapidamente.

Fleur é mais alta, um detalhe que Tonks deixou passar nesses últimos dias em que apenas a encontrou já sentada à mesa da cozinha, pronta para a reunião. Tonks limpa a garganta e passa as mãos nas vestes, tentando se livrar das gotas de chuva perdidas no tecido.

"Fleur Delacour." É tudo que a outra mulher diz. Ela estende a mão, aqueles dedos que tanto deixaram Tonks tonta esperando para tocar os seus.

"Só Tonks." As palavras escapam por sua boca repentinamente seca, tanto porque ela realmente prefere ser chamada apenas de Tonks e porque a presença de Fleur lhe tirou todos os pensamentos sensatos.

As sobrancelhas de Fleur se arqueiam e então abaixam de novo. Ela não sorri, mas Tonks pode jurar que seus lábios tremeram por um momento.

"Bom te conhecer, Só Tonks." O sotaque francês dela leva Tonks ao céu e a traz de volta. Ela engole em seco, esperando seu cérebro voltar, antes de piscar um olho para Fleur e deixar seu sorriso atrevido aparecer.

"Bom te conhecer, Delacour."

E então é fácil. As palavras não surgem da maneira que Tonks achou que surgiriam, mas os gestos sim. O toque no final das costas quando elas se encontram no corredor novamente no dia seguinte e seguem juntas para encontrar os outros. Os dedos de Fleur também passando por seu braço quando elas vão se sentar, dessa vez Tonks tendo coragem suficiente para ficar ao lado dela.

Ninguém nota e está tudo bem assim. Ninguém nota os olhares, ninguém nota os toques. A semana passa e se torna duas, então três e então um mês. Elas se falam pouco, trocando simples frases de bom dia, boa tarde e boa noite.

É quase perfeito.

Aquele pensamento inicial de Tonks a atormenta de noite, enquanto ela se revira no colchão em seu apartamento solitário, agora que tentou sair da casa dos pais. Garotas como aquela, uma mulher como aquela, não deveria estar ali. Não deveria estar na Ordem, não deveria estar se preparando para uma guerra. Mas ela está e Tonks também e elas estão quase totalmente apaixonadas.

Um dia, Tonks encontra Molly sozinha na sede da Ordem. Sirius está trancado com o hipogrifo em algum lugar, Remus numa missão, as crianças na escola e Arthur no trabalho. Fleur não está ali e Tonks não quer saber onde ela está, porque sua bolha de flertes rápidos e dedos juntos debaixo da mesa é incrível e ela não quer quebrá-la. Não agora.

"Você e Fleur, então." Molly não olha para Tonks, parada na porta e com a boca aberta, pausada no meio de um bom dia ainda sonolento. "É bom que sejam amigas. Não achei iam se tornar amigas." A Sra Weasley levanta os olhos do livro em suas mãos e sorri gentilmente para Tonks.

"Ah, sim. Também não achei que isso... iria acontecer." Tonks dá de ombros, parecendo despreocupada. Ela sorri minimamente quando pensa na mão de Fleur na sua e nas tantas outras coisas que ela queria que acontecessem.

"Talvez ela não seja tão... quanto eu imaginava." Molly corta a palavra no meio da frase, deixando o sentido se perder no ar. Tonks franze a testa, o gesto passando despercebido pois a mulher mais velha já está lendo outra vez.

Quando Tonks vê Fleur, dois dias depois, Molly ainda está em sua cabeça. Fleur era tão. E essa era a questão. Ela era tão linda. Tão elegante. Tão inteligente. Tão gentil. Tão bonita. Tão mais.

"Delacour." ela chama quando Alastor se distrai numa conversa ou discussão ou ambos com Sirius.

Fleur a acompanha para a sala em silêncio. Tonks mal entra no cômodo e para, observando Fleur encostar o corpo no batente da porta e umedecer os lábios.

A resposta é óbvia. Garotas como Fleur não deveriam estar ali, porque o único lugar ao qual Fleur pertence é entre os braços de Tonks, a beijando como se amanhã não fosse chegar e sorrindo como se fosse para sempre.

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