A corrida acabou na aldeia, onde grupos de pessoas se reuniam na pequena feira de comerciantes que ocupava o espaço da praça principal. Serena estava com sua roupa de equitação, o couro marrom ficava escondido por baixo da grande capa preta que usava, o que a ajudou muito a se "misturar" com as pessoas da aldeia.
Diferentes cheiros preenchiam o espaço, desde temperos vindos dos desertos do leste até os perfumes das ilhas do sul. Enquanto caminhava Serena viu um grupo de jovens que deviam ter a mesma idade que ela, ao mesmo tempo que eram parecidos eles eram tão diferentes, os jovens riam comendo pão ao lado da fonte que havia no meio da praça - algo que ela nunca poderia fazer sem os guardas, e por um momento a princesa os invejou.
Ela foi caminhando pela estrada de pedras, passando por diferentes bancas e especiarias. A estrada acabava quando começava a floresta e, ao se virar para ir embora, algo chamou a atenção de Serena. Uma luz se destacava no meio dos verdes das árvores, havia uma pessoa com uma lamparina em sua mão, seu olhar estava fixo em Serena - o que a fez estremecer, mas por algum motivo a princesa reconheceu aquele rosto. O indivíduo acenou com a cabeça e começou a entrar na floresta, curiosa, Serena seguiu para dentro da floresta deixando seu cavalo para trás.
- Voltarei em breve. - Ela disse se afastando do animal.
Não sabia ao certo o que a aguardava, mas algo em sua mente dizia que não havia nada a temer. Conforme caminhava mais, a vegetação foi ficando mais densa e agora poucos raios de sol conseguiam chegar ao solo - o que dificultava o trajeto. A figura parou.
- Porque me segue humana? - Sua voz era como um sussurro.
- Você me parece comum, já nos vimos antes?
A figura se virou, surpresa brilhava em seus olhos.
- Consegue me entender? - Ela deu um passo na direção da princesa.
- Sim. - Serena respondeu confusa. - Porque não iria?
Pensativa, a criatura se aproximou, rápida como o vento. Sua mão fria e áspera tocou o rosto da jovem, como se estivesse a avaliando.
- Quem é você? - Serena perguntou novamente.
A criatura riu, sua risada era algo cruel que parecia ser de outro mundo. Um grande capuz escondia as suas feições.
- A pergunta certa seria o que sou eu. - O ser começou a circundar em volta de Serena. - Sou algo que está aqui há muito tempo e que por muito tempo ficará, estive aqui enquanto reinos sucumbiram e outros surgiram. - Um arrepio passou pela sua espinha. - Não se apavore pequena Serena, não irei lhe ferir.
Aquilo não era possível, nenhuma espécie que estudou e leu sobre nos livros da biblioteca vive tantos anos.
- Como me conhece? - A voz da menina saiu como um sussurro.
- Eu senti você. - A criatura parou na sua frente novamente. - E sei que me sentiu também.
Aquilo estava ficando cada vez mais estranho, a cada minuto que passava dentro da mata o sol ia extinguindo a sua luz.
- Quer ouvir uma história? - A criatura perguntou. Antes de ouvir uma resposta ela começou.
"Há muito tempo, antes dos primeiros reinos surgirem, havia magia. Vários grupos com diferentes dons, esses dons iam de elementares (fogo, água, terra e ar) á obscuros, que faziam coisas muito sombrias", o olhar da criatura ficou distante - como se estivesse dentro da história.
"Os elementares viviam em perfeita harmonia, dividindo os seus dons para criar um mundo melhor. Mas os obscuros não queriam dividir, a ganância deles era maior que qualquer tratado antes estabelecido, e foi assim que ela surgiu. A primeira rainha desta terra, uma obscura tão obstinada a tomar tudo para si que não se importou de matar o seu próprio amor em troca de poder. Mas o que ela não sabia era que o homem que ela matou era Enyo Waterllyn, o único filho do líder do grupo elemental da água".
"Após a morte de Enyo, seu pai se rebelou e decidiu que os elementos deveriam se unir e os grupos formar um reino fortalecido. Para ele, esse era o único jeito de acabar com os obscuros e instaurar a paz. E foi assim que o antigo reino surgiu, protegido pelos quatro elementos, uma cidade inteira cercada por uma fortaleza impenetrável, apenas aqueles que tinham o dom de um dos quatros elementos conseguiam abrir os portões, apenas com um toque da palma da mão" - A criatura deu uma pausa e se sentou em um tronco de árvore tombado. - "Mas algo que ninguém sabia na época era que a rainha dos obscuros estava grávida de Enyo, e o fruto de seu breve amor tinha o dom da água. Quando soube, a rainha preparou o seu exército e marchou na calada da noite até a cidade, ela usou o poder do bebê para abrir o portão e assim matar o máximo de elementares que conseguisse".
- Por que está me contando isso? O que isso tem a ver comigo e com o fato de você ter me atraído para cá? - Serena perguntou, o frio começava a assolar a floresta.
- Calma criança, logo tudo será explicado, preste atenção na história.
"Mas o que a rainha não esperava era que o pai de Enyo, recém nomeado rei, descobrisse o seu plano" - Um suspiro. - "Uma das batalhas mais sangrentas que esse mundo já testemunhou, depois de 7 dias de incansável disputa, os elementares ganharam e baniram todos os obscuros da cidade. A rainha nunca mais foi vista. Alguns dizem que ela morreu nas mãos do rei, outros dizem que estava tão ferida que definhou, mas eu particularmente acredito que ela conseguiu fugir e se esconder".
- Por que você acha isso? - O tom de voz da princesa estava baixo.
- Porque você é descendente dela.
- É impossível, isso é apenas uma lenda. - Serena recuou um passo.
- Lendas são reais. - Disse irritada.
- Como pode ter tanta certeza? Eu não tenho nenhuma magia em meu sangue.
- Você falar comigo já é a prova. - A criatura tirou o capuz e mostrou seu rosto, sua pele era como escamas de cobra, ela não sabia definir se era um animal ou humanoide, seus olhos brancos nem piscavam ao levantar o rosto para Serena. - Ninguém além dos obscuros de sangue consegue entender a minha língua, além disso como você seria atraída para cá se não fosse a magia?
Aquela pequena clareira em que estavam começou a se fechar mais e mais, cada ar que Serena puxava não chegava em seus pulmões, ela precisava sair de lá e voltar para o castelo. Agora.
Sem pensar duas vezes ela correu com todas as suas forças até onde seu cavalo estava.
- VOCÊ PODE FUGIR DE MIM, MAS ISSO ESTÁ NO SEU SANGUE. - A criatura gritou com uma voz estridente que fez os pássaros voarem das árvores.
Serena subiu no cavalo e fugiu, passou pela aldeia e começou a atravessar os campos de centeio.
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A Coroa - bela_unique
HistorycznePor seu povo ela estava disposta a tudo, mesmo que isso significasse ter que se unir com o seu inimigo. Para ele, aquela guerra havia levado muito, mas o curso dela estava prestes a mudar.