104. [Lacunas] Parte 89

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Tudo parece ter se travestido de calma uma outra vez. Falar, fez bem a ambos. É aquilo que comentamos no capítulo anterior: Helena se calou por tempo demais. Não sei se o fez porque não tinha ainda todos os panoramas do que, como e quando falar... Se temia alguma reação de César, algum recuo, desistências... Mas o fato é que, desde o primeiro reencontro, ele sempre falou muito. Ele cobrou, acusou, agrediu, provocou... E ela, apesar de nunca se submeter demais, engolia tudo com a boca de culpa, a culpa pelos erros do passado. Mas até onde ela conseguiria seguir assim?

Sabemos que, de fato, César não teve intenções com a assistente. Sabemos ainda, algo que Helena não sabe: o Congresso. Os muitos flertes que o médico recebeu e alguns com os quais ele bailou também sem o intuito de que eles progredissem, mas bailou. E na pauta Congresso, eu peço licença para fazer um adendo: achei importante o evento como um todo. Explico.

Acredito que, principalmente agora, nesse início de relacionamento, nessa fase tão boa de redescobertas, seja impossível que qualquer um dos dois cogitem traições. Na verdade, a gente sabe bem que ninguém se compromete para trair, principalmente quando há amor. Mas sabemos também que a rotina acontece e dentro dela, haha! Uma infinidade de portas com desfechos infinitos se abrem: há a porta em que o amor acaba; em outra, reside o desinteresse, a falta de vontade, a queda do tesão, do tesão em tudo. Em outra, a necessidade de aventura, de sair do protocolo, da mesmice. Há ainda aquela que se abre quando alguém rega o relacionamento de menos e, de repente, surge outra pessoa a fim de molhar onde está deserto. São tantas as possibilidades, tantos os cenários... E é certo também o que César disse, disse na conversa dessa tarde: eles já tiveram a rotina, não é algo exatamente novo. Eles já foram casados, isso é fato. Ele afirmou, sem que ela discordasse, que a rotina jamais havia sido um problema para os dois. Só que quinze anos se passaram... Que surpresas a realidade de hoje reserva?

Mas, enfim. Foco, Lívia! O Congresso, voltemos a pauta do Congresso. Você sabe que César estava acostumado a ser sempre solteiro; apesar de casado, ele tinha o faro, o tino, o jeito de caça o tempo todo; no olhar, na escolha das palavras, no tom, no andar, em cada fibra de seu ser. E isso é inato a ele. Embora ainda não saibamos como se deu o início do relacionamento com Helena, garanto que, se questionada, ela apontaria cada um desses deliciosos defeitos como o conjunto de tudo aquilo que a atraiu nele. Nesse sentindo, não há do que se queixar: ela sabia exatamente onde estava se metendo quando se apaixonou - assim como ele, diga-se de passagem. E talvez por isso, tenha sido tão inevitável: amar na corda bamba tem lá seu charme.

E no Congresso, apesar de já ter muito bem delineado o retorno com Helena, os pedidos de casamento, convites para morarem juntos e uma infinidade de solidezes, ele teve, longe dela e longe de qualquer olho atento, chances de fazer todos os seus jogos de sedução. Poderia arrebatar quem quer que fosse: Mariana, Bárbara - ou outras, quem sabe. E, convenhamos: ele se deixou levar pelo clima. Com Mariana, não: alguém totalmente desconhecido, ele foi prudente. Ou não se sentiu suficientemente atraído, quem sabe? Mas era uma moça bonita, jovem, atraente... Do porte de Luciana, Tereza e tantas outras que passaram pelas suas mãos. E ele não deu aberturas - apesar de gostar do interesse. Já com Bárbara, como você há de se lembrar, a coisa foi um pouco mais... Mais permeada de escorregões. Com Bárbara, tinha histórico, tinha costume, tinha sempre muita intimidade e nesse jogo de quase, de quase cair, ele também recuou.

Acredito que foi aí, nesse evento tão simbólico, que as fichas definitivamente foram computadas para César. É como se... Se ali, em meio a tantas possibilidades, solto, sem plateias conhecidas, ele pudesse, sim, fazer o que bem entendesse mas... Mas... Não precisasse. De alguma forma, a sensação é a de que não é mais preciso procurar, porque ele já achou. Não era mais necessário instigar, porque ele por inteiro, coração e ego, estavam plenos. Helena fazia festa, sempre soube transbordar. É o que ele disse para Laura na noite em que a médica adentrou seu consultório para devolver o anel de noivado, a noite em que ele estava de saída para jantar no apartamento da amada junto de sua família: ele se sentia novo. E não há quem duvide - é nítido.

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