As Luzes que Caem do Céu

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AS LUZES QUE CAEM DO CÉU POR CARLOS EDUARDO ANGELIM

ILUSTRAÇÃO POR GEALYSON JOSÉ


Dia 22 de julho

    Um dia aparentemente normal neste pequeno vilarejo isolado ao norte. Mas esta estranha normalidade não é duradoura. À noite, apesar do frio angustiante que fazia lá fora, pude ver da janela de um velho quarto de hóspedes que muitos homens e mulheres olhavam atônitos para o céu. Eu mesmo me vi olhando para os céus naquela noite, pois lá fora era possível ver que coisas caíam do céu. Essas coisas deixavam trilhas pelo firmamento negro e pareciam ter caído em algum lugar longe dali. Alguns poucos tolos foram em direção àqueles feixes de luz, na esperança de encontrar algo que fosse de grande valor. Após a comoção, retorno aos meus aposentos; no dia seguinte terei de encarar uma grande viagem de volta à minha terra natal, agora que meus trabalhos como médico não são mais necessários aqui.


Dia 23 de julho

    Os eventos atípicos da noite anterior não afetaram em nada o meu sono. Dormi tranquilamente durante toda a noite. Depois de uma refeição reforçada saí da pousada que fora minha morada no último mês. Agora, novamente andando pelas ruas do vilarejo, vêm à tona as lembranças da noite passada. Creio que meus amigos não acreditariam em mim quando eu voltasse para casa trazendo tais notícias. É um longo caminho a seguir, mas mal vejo a hora em que me livrarei do maldito frio que faz por estas bandas!

    Quando estive prestes a cruzar o portão principal da vila fui recepcionado por um grito angustiante. Era uma mulher, desesperada por um médico. Pelo que havia me dito, seu marido sofria de uma grave e inexplicável doença. Fui informado de que os sintomas começaram à noite durante a madrugada. A mulher implorava que eu a visitasse em sua casa, na esperança de que eu pudesse fazer algo por seu marido. Assim, sem hesitar, segui as orientações daquela senhora enquanto ela me guiava por entre as velhas ruas do vilarejo. Ao chegar no local, pude ouvir que alguém gritava de dentro da casa. Eram gritos horríveis e completamente imersos em desespero. Segundo a mulher, aqueles gritos eram os gritos de seu marido, que parecia estar sofrendo de dores inimagináveis. Tentei de todas as formas possíveis salvar aquele pobre coitado, mas nada foi suficiente. Todos os meus esforços foram em vão. 

    O pior, imagino eu, não fora a morte em si, mas sim as circunstâncias inexplicáveis que permeavam o fato. Tenho certeza de que a mulher também notou um detalhe intrigante em seu marido enquanto ele se contorcia e gritava incessantemente. Tenho certeza de que ela notou os inúmeros dentes dentro da boca daquele homem. Dentes espalhados por todas as partes da boca. Aquela era uma imagem terrível que não se assemelhava a nada que eu já tivesse visto neste mundo. 

    Vendo que meus esforços de nada valeram, retirei-me da casa, deixando àquela senhora o meu mais profundo e sincero pesar. Agora, abalado por aquela morte completamente inexplicável, decidi permanecer mais alguns dias na vila. Pensei que talvez os fatos pudessem ser esclarecidos nos dias que se sucederiam. 

    Mas para o meu espanto, havia mais casos como o daquele homem. Todos os casos apresentavam uma semelhança grotesca e aterrorizante; em todos os casos, era possível ver que houve um crescimento anormal dos dentes das vítimas e que esses dentes haviam se espalhado por toda a cavidade bucal. 

    Havia ainda uma estranha coincidência. Aparentemente, todos aqueles que morreram da nova praga tentaram, de alguma forma, seguir os feixes de luz da noite anterior até o ponto onde supostamente esses feixes teriam caído. Mas tal fato não poderia ser mera coincidência. Na verdade, eu preferi acreditar que realmente não era uma coincidência. A natureza incompressível daqueles eventos fez com que eu me apegasse exageradamente a qualquer explicação que pudesse surgir.

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