Como todos os dias, Hyun-soo acorda com o sol brilhando em seu rosto, queimando seus olhos secos. Como todos os dias, Hyun-soo sai, procura pela comida que tem cada vez um gosto pior, mata monstros que ficam cada vez mais fracos, vive uma vida cada vez mais sem sentido. Como todos os dias, Hyun-soo falha em achar sobreviventes, humanos reais, como ele uma vez foi. Como todos os dias, Hyun-soo sobe aquele mesmo prédio, observa a cidade daquela mesma beirada, ora pelas mesmas pessoas. Como todos os dias, Hyun-soo se deixa ter um momento indulgente de boas memórias, aquelas que fazem seu coração se partir, que fazem seus olhos vítreos arderem, lágrimas há muito secas.
Então, acontece.
Como nenhum dia jamais foi, Hyun-soo não consegue se levantar. Seus membros pesam como chumbo, centenas de pensamentos confusos rodando pela cabeça, mas apenas um é persistente o suficiente para ser registrado:
Algo está muito errado.
Ele fica ali, impotente pela primeira vez desde àqueles dias, quando o mundo foi pintado com as chamas do inferno e os humanos se tornaram uma espécie em extinção. Seu corpo dói, sua pele queima, seu coração bate tão forte que Hyun-soo pode senti-lo por todo o corpo. Ele não sabe onde está, olhos pesados mal registrando um teto cinza, escadas de concreto sob as costas, janelas enormes cobrindo as paredes, poeira visível entre raios de sol.
Parece familiar, mas tudo está tão fora de órbita que o assusta. Uma quantidade de tempo indefinida se passa até que Hyun-soo consiga se sentar, coluna estalando com a má posição.
- Onde...?
Hyun-soo tosse, garganta coçando de tão seca. Ele olha ao redor, tentando definir uma localização, demora apenas alguns segundos antes que ele perceba que está em uma escola.
Uma escola.
Hyun-soo tinha certeza de que a única escola da cidade foi bombardeada. Coração batendo rápido, ele observa a construção a sua volta. Embora não estivesse brilhando, a escadaria onde acordou parecia muito mais limpa do que qualquer local poderia estar depois de todos aqueles meses – depois de todos aqueles anos.
Hyun-soo se levanta, cauteloso, preparado para quaisquer monstros que tenham conseguido levá-lo ali. Com passos medidos ele desce degrau por degrau, piso por piso, até o que parece ser o térreo. Nenhum sinal de monstros.
Vem do nada, tão perto que Hyun-soo pode sentir sua alma deixando o corpo por alguns segundos. Ele se prepara para atacar, matar seu inimigo, então o som é registrado em seu cérebro; soluços. Não os grunhidos, gritos ou rugidos dos quais estava tão acostumado. Soluços, como se um ser humano estivesse chorando. A compreensão disso vem tão forte que Hyun-soo se sente tropeçando. Há um humano aqui. Um humano vivo e consciente e capaz de chorar. Hyun-soo sente que pode vomitar ao mesmo tempo que quer se prostrar e agradecer a qualquer entidade disposta a ouvir.
Alguns momentos são gastos para descobrir de onde vem o som que reverbera pelas paredes, e então ele caminha nessa direção. Não corre, nunca corre, aprendeu a muito tempo que isso pode chamar muita atenção indesejada.
Ele vira à direita, pode ver uma pequena sala quase apagada no escuro, escondida atrás de uma grade metálica cheia de bolas de basquete empilhadas. A cada passo o som fica mais fácil de escutar, seu sangue corre mais alto pelos ouvidos. Faltam apenas alguns metros para que ele possa chegar à porta e, consequentemente, ao primeiro ser humano que vê em anos, quando um som estridente acerta seus ouvidos sensíveis.
Hyun-soo nem mesmo registra a dor, corpo se preparando para uma batalha com a velocidade da memória muscular.
Ele olha ao seu redor atento, mas não vê nada alarmante. O som soa novamente e ele percebe que é um sino elétrico daqueles que sempre tocavam para avisar o fim do período de aulas.
Seu cérebro de gelatina está se esforçando para entender os comos e porquês disso, quando ele ouve fungadas e passos atrás de si. Ele se vira a tempo de ver a pessoa sair da salinha, cabelo curto cortado como o seu próprio, uniforme escolar sobre um corpo masculino, mãos cobertas pelo tecido das mangas da blusa esfregando os olhos – tentando secar as lágrimas, ele percebe.
Hyun-soo está pronto para agarrar esse garoto e correr dali antes que os monstros os encontrem quando ele levanta a cabeça e seus olhares se cruzam.
Hyun-soo congela.
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Com vocês, enquanto o mundo acaba
FanfictionCha Hyun-soo sempre esteve solitário, desde que se lembra: sua família o deixou - culpa sua, isso foi culpa sua! -, Kim Do-Hun havia afastado todos ao seu redor - eles nem mesmo tentaram te ajudar, pobrezinho -, seus novos amigos morreram, nem tiver...