O poço

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  Foi lá que ele o viu, no topo da colina de terra, lama e plantas mortas, o topo não havia árvores como o resto da colina, e os galhos das árvores mais próximas estavam torcidos de formas estranhas, como que tapando sua visão do que havia lá em cima. Como se não quisessem ver o poço.

Wave acordou assustado e respirando com dificuldade, não era a primeira vez que tinha esse mesmo sonho, e sabia que não seria a última, mas toda vez que o tinha, parecia que ia mais e mais para longe da colina. Na primeira vez, estava tão perto do topo que conseguia ver facilmente os detalhes do poço, os pequenos pilares de madeira com a corda pendurada para puxar um balde, o círculo de pedra branca manchado com algo preto, como se tivessem atirado líquido nas pedras. Wave se levantou e olhou para trás para se dar de cara, mais uma vez, com os lençóis encharcados de suor, como todas as vezes que tinha o sonho, ou seria um pesadelo? Wave pegou os lençóis azuis e saiu do quarto. Sua casa não era de dar inveja, o quarto levava a um corredor mal iluminado com apenas um guarda roupa antigo de madeira escura, que ele precisava se livrar logo, já tinha visto ratos saindo de lá, mesmo não havendo nenhum buraco ou saída aparente. Ele passou direto pelo guarda roupa e entrou na sala, a sala tinha um tapete preto e grande, um sofá de tecido branco com almofadas cinza, um raque pequeno de madeira clara e uma TV grudada na parede acima do raque, e também havia um pequeno jarro com uma única rosa branca, a coisa que Wave mais valorizava na casa, pois foi um presente dos pais. Ele foi direto a cozinha que era praticamente inutilizada pois ele não sabia cozinhar nada além de ovos e massa instantânea. Alguns dos armários, cheios de comida instantânea, molhos ou pipoca de micro-ondas, estavam com as portas quase caindo, Wave só estava esperando chegar as portas novas para trocar. A pia estava limpa, a geladeira cheia de Pizza de forno, energético e refrigerante. O pequeno cômodo com a máquina de lavar roupa e a secadora ficava conectado à cozinha por uma portinha entre a geladeira e o balcão ao lado da pia, e só continha as duas máquinas, uma pequena estante com produtos de limpeza e um cesto de roupa suja. Ele colocou o lençol na máquina de lavar e voltou para o quarto. O quarto continha a cama de casal mais alta do que o normal, uma mesa no canto com um computador, mouse, e uma pequena pasta na parte debaixo, um relógio ficava em cima do criado mudo ao lado da cama, ele marcava 7:05, o que era cedo comparado a hora que ele geralmente acordava, e havia uma pequena prateleira com vários livros. Ele vestiu seu terno preto, que era comum em várias lojas da região, pegou suas coisas e saiu de casa.

Wave tinha que ir de ônibus ao trabalho, pois não era perto e ele não era um bom exemplo de pessoa que se exercita. O ônibus hoje estava cheio, o que não era muito comum a essa hora. Wave não costuma prestar atenção nas pessoas, muitas o odeiam por não ter voz, então não viu o ônibus esvaziando, esvaziando até sobrar apenas ele, o motorista, uma senhora idosa e uma mulher em um casaco grande e branco. Wave nunca se lembrou exatamente do que ocorreu a seguir, talvez tenha sido o choque, o medo, ou talvez simplesmente não quisesse se lembrar, se lembrar do sangue que cobriu as janelas, do grito que ouviu vindo da rua, e do pulo que o ônibus deu na colisão. Wave e as duas mulheres correram para fora pra ver o que havia acontecido. Wave não queria ter visto, seus sonhos já estavam ruins sem a ajuda do corpo com a metade debaixo faltando, ou da moto quebrada, vidro espalhado pelo chão refletindo a luz como confete transparente. Wave teria corrido para lá, gritando para alguém chamar a polícia, mas estava com as pernas tremendo, e sua voz nunca tinha funcionado antes, porque funcionaria hoje? Alguém chamou a polícia e eles chegaram pouco depois, com a ambulância, e tentaram entender o que havia acontecido. Algumas horas depois, Wave já estava em casa, seu chefe lhe deu folga e disse para descansar quando ouviu sobre o que ele tinha visto. Wave foi direto para o quarto, tentar se acalmar, ler algo, ou jogar. Mas não conseguia se distrair, a cena ainda queimava nos seus olhos, o pára choque do ônibus coberto de vermelho, cheio de amassados, a cara horrorizada das pessoas perto do corpo, e o tremor das próprias pernas. Wave decidiu dormir, mesmo que tivesse aquele mesmo sonho, não podia piorar muito, então ele fechou as janelas, apagou as luzes e foi dormir.

Wave não esperava ter um sonho bom, esperava sonhar com a mesma coisa, mas foi surpreso. Toda vez que sonhava com o poço, ele estava mais e mais distante, dessa vez Wave olhou em volta e, em vez da colina, viu lápides feitas de pedra com musgo, algumas com várias rachaduras e teias de aranha. Viu um muro alto, com uma cerca em cima, um portão grande feito de material preto ficava logo atrás dele, um cadeado entre as duas partes do portão o impedia de abrir, uma estátua de alguém encapuzado se erguia do chão, com asas de pedra tão grandes quanto ele. Wave olhou para a esquerda e viu a colina em que seus sonhos anteriores tinham ocorrido, alta e assustadora, mais do que era quando ele estava no topo. Wave começou a caminhar em direção a colina, era a única direção que conseguia ir, e viu algumas flores roxas pelo caminho. A todo momento, Wave se sentia observado, por tras? pelos lados? ele não sabia dizer. Quando olhou para trás não viu nada, apenas que as flores por onde ele tinha passado murcharam e morreram, e sentiu o corpo tremer e o suor escorrer quando notou a mesma estátua o olhando, apenas com a cabeça virada na sua direção. Wave correu para a colina, passando por lápides com nomes borrados e outros desconhecidos. Wave começou a subir a colina, com dificuldade, ele usava as árvores como apoio, as mesmas pareciam balançar ao seu toque, como se tivessem prestes a cair. Wave continuou subindo e subindo, para o topo que parecia se afastar quanto mais ele subia, até que finalmente chegou. Na sua primeira experiência com esse sonho, o poço estava fora de seu alcance, mas desta vez ele conseguiu se aproximar. Toca-lo. E depois de respirar fundo, Wave olhou para dentro, e viu algo que o deixou mais preocupado e assustado do que todo o resto. Não havia nada, o poço terminava numa pequena poça de água bem a fundo, a corda que estava pendurada encostava na água e fazia pequenas ondas, como aquelas de quando colocamos o dedo dentro. Wave viu, de canto de olho, as árvores a seu redor ficarem mais podres do que já estavam, algumas chegaram a cair, outras apenas ficavam cinzas e morriam silenciosamente. Wave, tremendo, se decidiu, que quanto mais cedo fizesse isso mais cedo acordaria... então ele olhou pra trás.

Wave acordou de noite, já que havia deitado mais pela tarde, e estava tremendo. Muito. Ele se levantou com cuidado e usou as paredes de apoio, passando pelo corredor escuro o mais rápido que conseguia. Ele acendeu a luz da sala e entrou na cozinha, para beber uma água e se acalmar.

Na volta, pegou um copo de água e foi regar sua rosa, ele acendeu a luz e olhou para o vaso, quase deixando o copo cair.

A rosa havia murchado, e morrido.
E Wave... sentia algo o olhando, a sensação tão forte e aparente... quanto a respiração no seu pescoço.

FIM

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