Uma memória feliz
Sentada em sua cadeira de balanço, na varanda da casa de campo, Lúcia assistiu ao pôr do sol.
Seus 80 anos de vida a ensinaram a apreciar cada um desses detalhes do cotidiano que passam despercebidos aos olhos da maioria
Enquanto o sol se punha, ela levou a mão a seus cabelos brancos, e lembrou então de seu já falecido amor.— Oi, será que posso me sentar aqui? - Uma jovem menina morena fez a ruiva tirar os olhos das páginas de seu livro e encará-la
-Pode sim, Lúcia forçou um sorriso educado - Se não se importar de eu continuar lendo. - Disse seca, voltando os olhos para o livro.
A morena observou e sentou de frente para a ruiva
-Prazer, me chamo Bruna - A morena disse em um tom de empolgação
-Sou a Lúcia - Respondeu a ruiva depois de suspirar. Ela fechou o seu livro, colocou de lado sobre a mesa e encarou Bruna - Eu posso te ajudar com alguma coisa ?
- Na verdade, pode sim. - A morena falou entusiasmada. - Meu ex namorado está ali naquela mesa. - Ela indicou com o olhar para uma mesa à esquerda - E, Não quero que ele ache que estou aqui pra ver ele. Vim apenas, tomar um drink com uma amiga. - Ela sorri vendo a garrafa de refrigerante em sua frente - Ou, um refrigerante mesmo. - Ela dá de ombros.
Lucia acabou rindo enquanto balançava a cabeça
-Você é doida, não é?
-Talvez eu seja um pouco. Mas quem não é?
Lúcia achou aquela moça engraçada, apesar de petulante. Ela não sabia ao certo o porquê, mas acabou cedendo aquela amizade forçada, e começaram a conversar.
Bruna falava sem parar, contou sobre seu namoro que havia acabado a poucos dias porque ele se apaixonara por outra. Contou sobre seus pais, que sempre estavam contra ela por ser uma mulher à frente do seu tempo. Lúcia achou graça quando Bruna levou as mãos até uma mecha do seu cabelo, com o olhar inusitado e questionou se aquela era mesmo a cor natural dos seus fios.
Lúcia sempre foi uma pessoa tímida. Vivia bem em seu mundo com seus livros. Mas aquela morena à sua frente, estava a fazendo se abrir, com tantas perguntas sobre a vida de Lúcia, fazendo-a pensar em coisas que ela nunca havia se preocupado.
-Qual é o seu maior sonho? Bruna agora encarava os olhos de Lúcia com certa intimidação
- Eu não sei, nunca pensei sobre isso. Talvez viajar, conhecer lugares novos.. - Lúcia respondeu incerta
-Tá aí, gostei de você. - Bruna sorri , se levanta da mesa e puxa Lúcia pela mão. - Vem comigo, vou te mostrar um lugar novo.
Lúcia levanta as pressas sendo arrastada pela morena. Apenas pega um dinheiro trocado no bolso, e deixa sobre a mesa para pagar seu refrigerante. Pega rapidamente seu livro, e segue arrastada por Bruna.
-Calma! Onde vamos?
- É surpresa - Bruna exclamou animada
Elas se aproximam de uma moto, Bruna pega um capacete e entrega a Lúcia - Coloca isso
-Não, eu não vou subir nessa moto - Diz Lúcia negando com a cabeça
- Por favor, vai ser rápido. E eu prometo ir devagar. - Ela insisti já colocando seu capacete
- Ok. - Lúcia bufa, e coloca o capacete e também, logo subindo na garupa, segurando as costas de Bruna.
Bruna acelerou sua moto, e Lúcia sentiu o vento forte contra seu corpo, a fazendo se apertar no abraço em Bruna. Alguns minutos depois, Bruna parou de frente a um grande portão do que parecia ser uma casa abandonada.
Lucia desceu com as pernas trêmulas, jurando para si mesma que nunca mais subiria em uma moto. Tirou o capacete e devolveu a Bruna, que riu ao ver a cara de espanto da Ruiva.
-Achei que fosse mais aventureira. - Disse zombando dela
-Achou errado. - Lúcia fechou a cara - Onde estamos? E porque estamos aqui?
- Você já vai ver! - Ela prendeu os capacetes na moto e abriu o portão da casa. Entrando e chamando Lúcia para acompanhá-la
Lúcia entrou logo atrás. Com frio na barriga, e atenta
-Sabia que invasão é crime? Se eu for presa por sua causa, juro que te mato
Bruna apenas riu e a ignorou seguindo em frente. Ao andar um pouco pelo gramado pararam de frente para um lago. Lúcia olhou admirada, haviam muitos patos nadando ali.
Bruna se virou e foi em direção a uma escada, quando Lúcia levantou seu olhar pode notar uma enorme casa na árvore
- Uau! - foi tudo o que ela conseguiu dizer, encantada com aquela casa
- Vai subir, ou tem medo de altura também? - Disse Bruna a desafiando já do topo da escada
Lúcia revirou os olhos, e subiu a escada em protesto a ironia de Bruna
Ao entrar na casa da árvore viu Bruna sentada sobre um tapete, enquanto mexia no cadeado de um pequeno baú de madeira
-O que está fazendo? - Perguntou curiosa, se aproximando da morena
-Tentando abrir. O que será que tem aqui dentro?
- Eu não sei. Mas também não sei se devemos abrir.
- Você é sempre tão medrosa assim? - Questionou Bruna
- E você é sempre tão intrometida assim? - Retrucou Lúcia irritada
Lúcia naquele momento estava se questionando o porquê de estar ali.
Porque aquela menina tão ousada causava nela essa sensação de adrenalina que estava gostando de sentir?
Saiu de seus pensamentos ao ouvir um barulho de algo quebrando. Quando olhou, viu que Bruna tinha finalmente conseguido abrir o pequeno baú. Num impulso de curiosidade se sentou ao lado dela, e assistiu atentamente Bruna tirando um punhado de pequenas fotos em preto e branco.
Olharam uma a uma, calmamente. As fotos retratavam um casal de adolescentes, ali mesmo naquela casa da árvore, as fotos mostravam o tempo passando para aquele casal. Até que chegaram na última imagem, que mostrava os dois mais velhos, com uma pequena garotinha no colo do homem já barbado.
As duas estavam caladas, como se assistissem um filme da vida daquele casal.
Lúcia juntou todas as fotos novamente, guardando-as no baú. Colocou de lado, quando sentiu a mão de Bruna segurando a dela
-Sabe qual é o meu maior sonho? - Bruna a encarava
Lúcia apenas balançou a cabeça negando e soltou um pequeno sorriso para que a morena prosseguisse
-Poder criar memórias felizes assim - Ela indicou o baú de fotos com o olhar
Lúcia sentiu sua mão ser acariciada, e não entendia o motivo do seu coração estar tão acelerado. Seu rosto ruborizou, ao ver um sorriso nos lábios da morena
Seus olhares se encontraram profundos
Bruna se aproximou um pouco mais, sem desviar o olhar, e então questionou
-Gostaria de criar essas memórias ao meu lado?
Lúcia não sabia o que dizer. Sua razão queria tirá-la dali naquele mesmo segundo. Mas sua emoção era mais forte. E a fez balançar a cabeça envergonhadamente, aceitando o pedido de Bruna.
Fechou seus olhos, e sentiu faíscas em seu corpo ao sentir o hálito quente de Bruna de encontro com seus lábios. Seus lábios se encontraram e se encararam, dando uma sensação de prazer para as duas. Suas línguas se buscavam com pressa para se conhecerem. O beijo foi intenso e longo.
E foi ali, que a maior aventura da vida delas havia começado.O sol termina de se pôr, e Lúcia sorri com os olhos brilhando em lágrimas ao lembrar do início de suas melhores memórias. E foi ali, sua memória mais feliz. Lembrando da sua companheira com quem pode ser feliz compartilhando 57 anos de sua vida.
Bianca G Montes
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Uma memória feliz
RandomUm pequeno texto que escrevi em um desafio diário com o título de "Uma memória feliz" Lucia, uma senhora em idade avançada, recorda sobre o dia em que conheceu seu grande amor