O Andarilho e a Rainha Proibida

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Há muito tempo atrás, quando feras mágicas voavam pelos céus e elfos habitavam as florestas, um andarilho, que já visitara os quatro cantos do mundo e conhecera quase todas as vilas e cidades existentes, entrou em uma pequena aldeia que estava em festa. Havia muita música, dança e gargalhadas. Ele foi recebido de braços abertos e as pessoas riram com ele e lhe contaram muitas histórias. Mas quando ele perguntou se poderia passar a noite na casa de algum deles, prometendo contar-lhes as suas incríveis histórias de suas viagens, eles o rejeitaram. Eles queriam sua atenção mas realmente não se importavam com ele – todos gostam de contar coisas, mas não tanto de ouvir. Mesmo assim, ele ouviu todas as histórias dos aldeões com um sorriso, como se as histórias fosse tudo de que ele precisava.
     Então o sol se pôs e as portas se fecharam em seu rosto. O andarilho viu-se sozinho na orla da floresta. O crepúsculo se transformou em escuridão. E justo quando o andarilho percebeu que teria que passar a noite fora, algo muito estranho aconteceu. Entre os arbustos e as árvores surgiram mil pequenas luzes.
     – Vagalumes? – observou o andarilho. – Sinto-me agraciado por tê-los em minha companhia. Não preciso de mais nada esta noite!
     Eles flutuavam em uma fabulosa dança de luzes no ar. Era tudo tão... mágico. O andarilho estendeu o braço e pegou uma luz na palma de sua mão. Seu cansaço e fome se foram, ele só conseguia concentrar-se na luz.
     Antes que ele pudesse olhar mais de perto, porém, a luz começou a crescer. Ela esticou-se e assumiu uma forma dourada, quase humana. De repente ele estava segurando a mão de uma mulher inacreditavelmente bela, mais bela do que qualquer outra que ele já havia visto em toda a sua vida, em todas as suas viagens. Ela lhe deu um sorriso discreto. Naquele momento ele soube que faria qualquer coisa por ela.
     A mulher virou-se e o conduziu para a floresta; cada vez mais fundo. Guiado pelas luzes e por seu charme, ele nada temia, pois, do fundo do coração, sabia que poderia confiar nela. Eles caminharam até chegarem a uma clareira no meio da floresta. Em seu centro havia um círculo de pedras e a clareira estava cheia de todos os tipos de pessoas pequeninas – tão pequenas quanto a palma da mão de uma jovem princesa – que cantavam e dançavam. Mas quando avistaram a bela mulher, curvaram-se profundamente, pois aquela se tratava de sua rainha.
     Os pequeninos se enfileiraram e abriram caminho para que ela e o andarilho entrassem no círculo de pedras. Ao comando da rainha, plantas saltaram do solo e se transformaram em dois tronos. Ela o convidou a sentar-se à sua direita. Então deu-lhe mais um sorriso e falou-lhe naquele momento. Sua voz era como o orvalho da manhã, uma brisa no sol ardente do meio-dia e o céu estrelado da noite. Tantas sensações magníficas deixaram o andarilho completamente encantado e perdido em sua imaginação.
     – Andarilho, meu caro – pronunciou-se a rainha. – Percorreste um longo caminho para estar conosco. Nos daria a honra de nos entreter com uma história de suas viagens? Deves ter ouvido tanto e ter visto tantas coisas!
     O calor encheu o andarilho. Essas foram as primeiras pessoas que queriam ouvi-lo falar e não apenas ser ouvidas. Então ele começou sua primeira história. Os pequeninos adoraram. Então ele contou mais uma e mais outra e a rainha ficou fascinada pelas suas aventuras. Tudo que ele contava a deixava mais curiosa sobre o mundo fora das florestas, um mundo que, para ela, era completamente novo. Ela não se incomodava em mostrar o quão maravilhada as histórias a deixavam e não poupou palavras:
     – Nobre andarilho, suas histórias são como um espelho mágico! São como uma janela para um mundo díspar de tudo o que eu já conheci. Jamais desejaria parar de ouvi-las. Quero que fiques em nosso pequeno reino além dos reinos por toda a eternidade, e que permaneças festejando conosco e presenteando-nos com as histórias sobre tuas viagens e teus feitos até que a Lua e o Sol se apaguem, até que a última estrela do céu perca o seu brilho, até que a última criatura viva dê o seu último suspiro.
     Ele olhou a redor. O salão estava completamente tomado por pequenos seres de todas as espécies. Eram tantos, mas tantos, que nem mesmo em toda a sua vida humana o andarilho seria capaz de contar. Todos sorriam e cantavam ao ouvir as palavras da rainha. O andarilho se sentiu completamente acolhido e então decidiu passar o resto dos seus dias ao lado da rainha naquele reino mágico e cheio de belezas e encantos.
     Os dias foram se passando e o andarilho não conseguia mais conter o que sentia. Estava completamente fascinado e seduzido com o encanto divino da rainha. Uma paixão arrebatadora atingiu em cheio o coração daquele humilde homem. Porém ele sabia que não era digno, uma rainha de um reino mágico jamais iria corresponder ao amor de um reles andarilho solitário. Talvez aquilo sequer fosse permitido.
     Naquele reino havia a tradição de dar-se boas vindas à Lua cheia. No dia, houve uma grande celebração, com um enorme banquete e muitas bebidas. Além da luz da Lua cheia, fogueiras e milhares de vagalumes iluminavam a floresta, dadivando a todos com uma atmosfera simplesmente deslumbrante. Nada se comparava àquilo. Era simplesmente esplendoroso de se ver. Elfos tocavam instrumentos singulares que pareciam ter vindo diretamente do Jardim do Éden, presenteando a todos com uma melodia sem igual.
     A noite foi adentrando cada vez mais, e, extasiado por aquela atmosfera mágica e por estar ao lado da mais bela mulher que ele já viu, o andarilho não pôde se conter. Seu rosto, embevecido por aquela torrente de sentimentos, começou a ser conduzido em direção ao rosto da bela rainha. Ela, mesmo sem entender muito bem o que estava acontecendo, pois jamais fizera nada parecido, sentiu-se atraída a corresponder. Os lábios se tocaram. Eles beijaram-se. A rainha sentiu sensações que jamais sentira. Seu corpo começou a emitir uma luz branca extraordinariamente radiante. Um calor aprazível tomou conta do seu corpo e, rapidamente, se espalhou pelo ambiente.
     O andarilho parou e afastou-se rapidamente da rainha. Parecia extremamente envergonhado.
     – Perdão, minha rainha. Não sou digno de tocar-te.
     – Não te preocupes, bom homem. Tua coragem agraciou-me com sensações que eu jamais sentira. Sente-se ao meu lado mais uma vez. Não tenha medo.
     O andarilho, ainda preocupado, relutante, sentou-se novamente ao lado da rainha. Ele, apesar de ainda jovem, era um homem vivido e experiente. Seus instintos gritavam que aquilo era errado. Ora, foram esses instintos que o mantiveram vivo até então, o ajudando a passar por infortúnios sem fim. Seria demasiadamente razoável dar-lhes ouvidos.
     As festividades seguiam noite adentro, o esplendor daquele ambiente não diminuía por nenhum momento. A música e as luzes seguiam trazendo uma atmosfera mágica. Porém, o andarilho não conseguia esconder a preocupação e não conseguia mais maravilhar-se com tudo aquilo.
     Mais uma vez o desejo escolheu manifestar-se. No entanto, dessa vez, foi a rainha que não conseguiu conter os impulsos e sentimentos. Ela queria sentir, mais uma vez, aquela sensação mágica e única que nunca antes havia sentido. O rosto dela foi conduzido em direção ao rosto do andarilho, preocupado e receoso. Mas a beleza e o encanto da rainha eram tão extasiantes que ele não conseguia resistir. Ninguém conseguiria. Nem os seus poderosos e inexplicáveis instintos puderam contê-lo. E mais uma vez os lábios se tocaram. Ambos se entregaram completamente. A rainha saiu de seu trono e sentou-se no colo do andarilho e continuou a beijá-lo apaixonadamente, enquanto todos no ambiente festejavam. Um momento de esplendor e opulência tal qual ninguém ali ousaria incomodar-se que durasse por toda a eternidade. Os vagalumes brilhavam mais do que nunca, iluminando e trazendo àquele momento ainda mais magia.
     Porém, repentinamente, a música parou, as luzes se apagaram. O andarilho olhou ao redor; os elfos e seus instrumentos divinos transformaram-se em pó, a luz brilhante da lua cheia foi ofuscada por nuvens negras, todas plantas e árvores murcharam ao seu redor e a rainha, que antes estava em seus braços, simplesmente desapareceu. Uma voz tenebrosa e carregada de ira vinda de todos os lados da floresta condenavam o andarilho.
     – Pequena existência insolente e insignificante, você ousou perturbar o meu reino, agora pagará o preço. Eu sou a Mãe das Florestas. Você ousou aproximar-se da rainha, um ser ao qual eu presenteei com o dom da divindade e da eternidade para que ela cuidasse do meu reino.
     Galhos e folhas começaram a tomar conta, lentamente, do corpo do andarilho, subindo de seus pés até a cabeça.
     – Eu já vivi muito e vi muitas coisas. Eu amo a natureza, e, se minha história tiver que chegar ao fim, me alegrarei em saber que ela acabou bem aqui, no meio desta floresta.
     – Você corrompeu a rainha com sentimentos mundanos, algo proibido no reino das florestas. Seu corpo será tomado pelas plantas e petrificado para todo o sempre. Seu espírito permanecerá preso aqui, jamais podendo elevar-se aos céus ou submeter-se ao inferno. Quando eu terminar, todas as memórias de sua existência serão apagadas. Você nunca terá existido e todas as suas histórias sumirão das memórias do mundo.
     O andarilho apenas aceitou aquele destino. Seus instintos tinham, como sempre, razão. Ele não deveria ter ousado tocar naquela rainha divina. Ele se sentiria pior caso não fosse punido e tivesse de viver com a culpa. Mesmo no céu ou no inferno, ele jamais iria perdoar-se. Para ele, ser apagado da existência era a melhor punição que poderia sofrer. Por isso, estava feliz e cheio de orgulho da vida que teve.
     Enquanto o andarilho era petrificado, o menor e o mais bondoso dos seres que viviam no reino das florestas observava tudo, escondido em um dos galhos que subiam. Antes da petrificação se concluir, o pequenino retirou um dos fios de cabelo do andarilho e o atirou aos ventos.
     Esse nobre ato não foi capaz de salvá-lo, mas foi o suficiente para manter vivas as suas histórias e memórias entre as florestas.  Assim, naquele bosque, encerrou-se a bela e incrível jornada do mais honrado e virtuoso andarilho que já existiu.
     A rainha, acompanhada de todos os pequenos habitantes do seu reino, permanece, por toda eternidade, visitando o corpo desse homem que a presenteou com tantos momentos fabulosos e sentimentos inigualáveis e que agora encontra-se petrificado entre folhas secas e galhos mortos. Ela e todos relembram as suas histórias e os banquetes e festejos juntos. Sabendo que nunca mais ouvirão as suas histórias, todos choram. A rainha, muito mais. Seu sofrimento demasiadamente profundo e infindável transforma-se em nuvens azuladas, que despejam sobre nós as suas doces lágrimas até os dias de hoje.
     O andarilho foi completamente esquecido em todo o mundo. Mas, se você entrar na floresta e ficar realmente em silêncio, poderá ouvir as suas histórias no canto dos pássaros e no sussurro dos ventos. Você só tem que fechar os olhos e realmente ouvir... e sentir.

O Andarilho e a Rainha ProibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora