A coragem conduz às estrelas, e o medo à morte.
Cristinne por ser pequena quase quebrou o braço no ato.
Por outro lado, o grande cão era muito mais resistente então se levantou rapidamente e avançou em Cristinne, prendendo-a no chão. Suas patas afiadas fincaram em seus braços e seu grande focinho encostou em seu rosto. Um bafo quente e podre saiu de sua boca e entrou direto pelas narinas da garota. Não havia como fugir desta vez.
— MATE ESSA VADIAZINHA! — Gritou o senhor ainda no chão.
Cristinne fechou os olhos e virou o rosto. Ela mal havia se distanciado o suficiente do Instituto para se meter em uma encrenca daquelas. Mal sequer tinha chego na cidade, muito menos na Grande fábrica, onde David se encontrava. E então pensou nisso até o seu ultimo suspiro. O que havia feito ela sair do conforto do Instituto para uma jornada suicida em busca de uma criança de 10 anos? Porque ela quis fugir de fato? Estava preocupada com o destino de David? E ele? Estaria em busca dela também? Se importava com ela também? Isso incomodou Cristinne antes de morrer naquele gramado.
De repente um estouro forte.
Ainda de olhos fechados, ela sentiu uma enxurrada de liquido espirrar em seu rosto e em todo o seu corpo. Um liquido quente que aqueceu sua pele daquela noite fria. Ela fechou os lábios para impedir que aquilo entrasse goela abaixo e abriu os olhos. Sentiu seu estomago revirar ao ver um corpo de animal sem a cabeça, e no lugar disso, entranhas e tripas penduradas para fora. Partes daquilo também cobriram seu corpo e tudo em sua volta foi manchado de vermelho. Seu ouvido apitava e latejava de dor. O corpo do cão caiu pro lado e Cristinne se levantou devagar.
Emy segurava a espingarda enquanto apontava em sua direção. Seus olhos estavam esbugalhados, sua pele, pálida.
—NÃO! O QUE É QUE VOCE FEZ?! — Gritou o velho. Com toda a força que lhe sobrou, ele se levantou mas não se aproximou das meninas. Naquela hora os olhos de Emy encheram de lágrimas. — Sua traidora... eu te dei um lar durante todos esses anos. Dei onde dormir, comida e tudo o que uma criança tem direito e no fim das contas... você explode meu cachorro. E agora? Vai atirar em mim?
Cristinne se distanciou do velho e foi em direção a Emy.
— Temos que sair daqui — disse para ela colocando a mão em seu ombro. Emy fitava o velho com os olhos vermelhos. Suas lagrimas se misturavam com o sangue que saia dos machucados expostos. Nem ela sabia como ainda estava de pé. Sem olhar para Cristinne, ela abaixou a arma e entrou floresta adentro.
— ISSO! FUJAM! FUJAM MESMO, PORQUE VOCES NÃO VÃO MUITO LONGE! VOCES JÁ ESTÃO MORTAS! — gritava enfurecido enquanto via as duas desaparecerem de vista.
Quando a floresta se tornou o único cenário visível, as garotas permaneceram em silencio durante o percurso. Cristinne havia deixado sua mochila no casarão do velho portanto não tinha lanterna e nada a seu favor. Elas andaram por volta de vinte minutos até chegarem ao fim do matagal e se depararem com um chão repleto de areia suja, onde um grande lago coberto por neblina estava a espreita. Não se via muito além. Emy, enfim soltou a espingarda e caiu no chão debilitada.
— Não quero a sua ajuda. Pode seguir seu caminho — disse com rispidez.
— Vai morrer aqui. Temos que ir a um medico! — Insistiu Cristinne.
— Até onde sei só tem hospital na Metrópole e ela fica depois do lago.
— Então atravessamos o lago.
— Qual é a sua, ein? Você arruinou a minha vida e tudo o que construí. Tudo isso é culpa sua, garota! — praguejou Emy.
— Não era minha intensão, desculpe.
— É tarde demais. Me deixe morrer em paz — Emy virou as costas para Cristinne e parou de falar, porém Cristinne tinha o péssimo habito de insistir e permaneceu ali por um tempo. Olhou em sua volta e avistou um pequeno barco a deriva. Estava preso por uma corda. Caminhou até lá e pode ver que não haveria problema algum se mais de uma pessoa o manuseasse. Tinha espaço de sobra.
Cristinne notou que Emy havia desmaiado ao cutucar seu rosto com o pé. Ela estava muito cansada e debilitada. A garota abaixou, pegou os braços de Emy e a levantou. Colocou um de seus braços por volta de seu pescoço e a carregou até o barco, repousando-a dentro dele. Ela não sabia da onde vinha tanta gentileza de sua parte, já que em toda a sua vida foi instruída o contrario, mas de tantas regras que já quebrara, aquela nem se comparava.
Com uma pedra afiada que pescara da areia, cortou a corda e empurrou o barco até a margem. Entrou nele e deu impulso até o mesmo boiar em direção reta. O lago era silencioso e sem ondas. Parecia o céu acima delas, preto e assustador. Cristinne pegou um dos remos que se encontrava em um canto do barco e passou a velejar entre a escuridão. A neblina cobria toda a superfície do lago e não se via nada além dela. Seria muito extenso? Não tinha nem sinal da cidade se aproximando.
Ela repousou o remo por um instante e descansou. Emy permanecia desacordada. Olhou para seus sapatos velhos e rasgados. De sua meia, pegou um papel amassado. Abriu ele e leu novamente uma pequena mensagem que lhe fora entregue um dia. "Cris, eles vão nos separar, hoje". A garota releu a mensagem com carinho, pois sabia que David não tinha escrito aquilo apenas para avisa-la que iria embora.
No instituto nenhuma criança pode se relacionar afetivamente com outra, portanto, ambos quando precisavam se comunicar de formas proibidas usavam frases que camuflavam outras. Certas palavras assinaladas em negrito mostravam o que de fato estava escrito caso as juntasse de forma coerente, e no dia em que David entregara aquele papel, Cristinne percebeu que não era uma despedida, e sim um pedido de s o c o r r o .
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Todo Monstro que Há em Nós
Mystery / ThrillerCriadas desde pequenas no Instituto, crianças como Cristinne seguem um regime autoritário em pró dos adultos. Ao completarem 13 anos, são mandadas para lugares onde são rigorosamente exploradas, como a Grande Fábrica. Em busca de seu amigo David, de...