Dante me levou correndo de volta para a costa, onde uma carruagem chique já nos esperava no porto. O cocheiro parecia nervoso, segurando tão forte as rédeas dos dois cavalos negros que os nós de seus dedos estavam brancos.
- S-sua alteza! Estamos atrasados, o rei… - Começou ele, gaguejando, nervoso, olhando um relógio de um pingente em seu bolso.
- Não precisa se preocupar, Rafael. - Disse Dante, sério, mas com um olhar gentil. - Eu irei falar com o Rei pessoalmente mais tarde. Apenas leve nosso príncipe em segurança. - Pediu ele, segurando amigavelmente o ombro de Rafael.
Rafael lhe devolveu um sorriso ainda ansioso, mas mais calmo. Cumprimentei-o com um aceno de cabeça, e assim que subi na carruagem, olhei para trás.
- Dante… me promete que vai tratar bem Leon quando ele voltar? Por favor, ao menos enquanto eu estou longe. - Pedi, me sentando e encarando duramente Dante pela janela.
- Certo, eu vou cuidar dele. - Respondeu ele, revirando os olhos, vendo a carruagem se afastar.
Eu me sentia em uma daquelas viagens ao interior, onde tudo o que há em volta é mato, mato, prados e depois mais mato. Uma ou outra fazenda apareciam ocasionalmente, e gado e ovelhas pastavam nos prados ao longe. O sol brilhava forte bem acima da carruagem, marcando cerca de meio dia. Apesar do calor que aparentava estar fora, dentro da carruagem estava agradável.
Encarando o horizonte, Leon ocupava completamente meus pensamentos. Queria pensar em minha vó, me apegar à esperança que as aulas de Dante me deram de vencer o que quer que viesse à frente e resgatá-la, ou queria tentar decifrar o pouco que Dante me disse sobre seu passado, mas o rosto corado de Leon incrivelmente próximo ao meu me arrancava de todos esses assuntos pendentes em minha mente.
Não tive tempo de conversar com ele depois de tudo… Será que ele se arrepende? Afinal, eu estava bêbado, não perguntei exatamente se ele queria… Mas ele que me beijou primeiro, então… Argh! Que confuso! Preciso falar com ele… Mas também, o que vou dizer? Perguntar se ele gostou do beijo? Quem diabos pergunta isso assim?! Primeiro tenho que conversar com ele normalmente para ver se está tudo normal e bem entre nós. É, é exatamente isso que vou fazer. Perguntar o que ele fez no centro com Des é um bom começo. Inclusive, o que será que fizeram lá? Será que ele já contou a ela o que aconteceu?
Ouvi o barulho da porta da carruagem abrindo e só aí que percebi que ela já havia parado em frente a um galpão velho e caindo aos pedaços no meio do nada. Literalmente nada, nem ao menos árvores haviam por perto, apenas grama e colinas, que se estendiam ao horizonte, brilhando sob o sol.
Enquanto admirava em volta ao descer da carruagem, o cocheiro Rafael pigarrou.
- Hã… Espero que tenha tido uma viagem agradável, vossa Alteza. - Disse ele, sorrindo nervosamente e limpando as mãos no lado da calça.
- Tive sim, muito obrigado! Ah, e pode me chamar só de Levi mesmo, não precisa de tanta formalidade. - Respondi, coçando a nuca um pouco sem graça. Não sabia por que ele estava tão nervoso, será que o serviço de carruagem é como Uber, e eu teria que dar 5 estrelas de alguma forma?
O cocheiro deu um passo para trás, com um brilho nos olhos.
- Oh… Perdão vossa alt… digo, Levi. - Ele gaguejou, maravilhado. - É que.. todos aqui do Beco sempre especularam sobre seu retorno. Você virou quase uma lenda urbana… É realmente uma honra estar pessoalmente em frente a você! - Disse ele, esfregando as mãos nervosamente e voltando para a carruagem. - Mas vossa Alteza deve de ter coisas importantes para fazer agora, eu não deveria mantê-lo comigo com conversa fiada. - Ele murmurou no final, sentando no assento e pegando as rédeas dos cavalos.
- Rafael! É Rafael, certo? Obrigado pela carona! Quando eu precisar de cocheiro, certamente chamarei você! - Falei, meio alto já que ele já se afastava, olhando para trás.
Ele abriu um enorme sorriso, acenando freneticamente enquanto a carruagem sumia no horizonte. Ri fraco, me apegando mais um pouco à cálida sensação que as palavras do cocheiro me traziam. É realmente assim? Imaginei a divertida imagem de minha história sendo contada à crianças médiuns antes de dormir, com o final “E todos esperam o retorno do grande príncipe!”. É um pouco de pressão, mas me senti bem ao imaginar a cena. Senti uma eletrizante adrenalina percorrer minhas veias, e uma forte determinação me envolver. Eles são meu povo. E eu vou fazer tudo o que puder para protegê-los.
Com isso em mente, avancei cuidadosamente em direção às grandes portas do galpão, que eram de uma madeira grossa e cheia de farpas. Com o pé, empurrei a porta, e ela abriu com um alto rangido.
O galpão era espaçoso e vazio. Apenas vigas de mato cresciam em suas paredes, de buracos no teto saíam feixes de luz do sol, e o chão era de um gramado alto e flores silvestres perdidas no meio. No final do galpão, havia outra porta grande, que estava aberta, e revelava os fundos da propriedade. Eram campos infindáveis, verdes brilhantes com pontinhos coloridos de flores do campo, e a alguns metros da porta do galpão, sentado no chão e gesticulando como se estivesse falando com alguém, estava um senhor. Ele estava de costas, e eu apenas via seu cabelo grisalho. Vestia uma roupa simples, como se fosse mesmo um fazendeiro. Com receio, fui me aproximando, passando pelos feixes de luz e pisando cuidadosamente para não entregar minha posição.
Quando cheguei na porta do outro lado do galpão, pude ouvir a conversa.
- Sim! Eu estou te falando, é ele mesmo! Também mal acreditei, mas todos só falam disso. - Disse ele, sentado em perna de índio de frente para... O nada.
- Não diga isso! Ele só não aprendeu ainda. Ele até está tímido para se aproximar! Bom, ele chegou há quase vinte minutos e não veio me cumprimentar ainda... Deve estar tímido. - Disse ele, e me dei conta que estava falando de mim.
- Ah, você acha? Bom, sim, ele deve estar me achando louco, mas talvez não... Levi, venha cá tirar essa dúvida. - Pediu ele, ainda de costas para mim.
Me espantei e quase caí para trás, mas resolvi me aproximar. Tomara que a loucura não seja contagiosa.
Quando cheguei ao seu lado, com a distância segura de um metro, ele se virou para mim.
- Oh, veja como você cresceu! Está tão lindo! A cara do seu pai quando tinha sua idade. Mas esses olhos são de sua avó, com certeza... Iguais. - Disse ele, me olhando com um sorriso.
- Hã... Como... O senhor já me viu antes? - Perguntei.
- Nos vimos, sim, mas você não se lembra! Era tão pequeno quanto um broto! - Disse ele, rindo, divertido. - Ah, quase esqueci! - Exclamou ele, erguendo um relógio de bolso antigo e olhando a hora, que eu não vi de onde surgiu, já que ele não parecia ter bolso.
E, depois de ver o relógio, ele desapareceu, deixando apenas algumas pequenas partículas no ar onde ele estava há alguns instantes, parecidas com glitter, da cor dos portais de Dante. E, no segundo seguinte, apareceu novamente, com uma xícara de porcelana em cada mão.
- Aceita chá? - Perguntou ele, me oferecendo uma das xícaras.
Encarei-o, perplexo. Como... O que...?
Ele percebeu minha falta de reação, e apenas jogou a xícara para cima e estalou os dedos, fazendo-a desaparecer e deixar aquele brilho azul para trás por alguns segundos.
- Tudo bem, nem todos apreciam os bons costumes. - Disse ele, dando um gole do chá. - Vamos, sente-se. Vai ficar aí em pé o dia todo? -
Eu, ainda confuso e sem saber o que fazer, apenas sentei ao seu lado.
- Menino quieto, né não Rosi? É... - Cochichou ele, sem olhar para mim.
Ok, confesso que comecei a ficar com um pouco de medo desse cara.
- Tá, tá, vamos começar. Levi, não gosto de enrolação, mas já que temos todo o tempo do mundo, e você não parece uma pessoa muito pró ativa, vamos do jeito mais... Didático. - Disse ele, sério.
Me pus atento, para ouvir o que ele diria.
Então, ele me encarou e... Começou a rir.
- Aiai eu não me aguento. Eu, sério? - Perguntou ele para a pessoa invisível que ele estava conversando, rindo. Até que ele pulou e... Saiu voando.
Me levantei rapidamente com o susto, observando-o voar até o teto do galpão e sentar, me olhando de cima.
- Vamos, venha cá. Não é tão alto. - Disse ele, balançando as pernas no ar.
Eu estava com o queixo caído, perplexo. Ele, além de louco, tinha super poderes, e esperava que eu tivesse também. Não tinha ideia do que estava acontecendo, mas dava uma agonia enorme ver um velho sentado num telhado aos pedaços. Isso era totalmente diferente das habilidades de Dante para a luta, elas eram… possíveis! Mas em que mundo esse cara espera realmente que eu saia voando?
- Eu... Não sei voar. - Falei, quase rindo de minha própria afirmação. Claro que eu não sabia, quem sabe? Bom, só ele pelo visto.
- Ora vamos, pare de se vitimizar e de recusar quem você é! Nós somos feitos de tudo, nós somos tudo o que está ao nosso entorno. Somos cada flor, cada graminha, cada átomo de oxigênio, somos tudo. Agora, se concentre. - Disse enquanto caminhava no ar de um lado para o outro, como se estivesse andando no chão.
Eu não sabia o que fazer, ou o que estava acontecendo... Tudo aquilo era um absurdo! Eu ser feito de tudo... Eu ser... Parte de tudo? Não faz nenhum sentido!
- Pare de pensar! Pensando você não chega a nenhum lugar. - Gritou ele, ainda mais alto do que alguns segundos atrás, sentado no ar.
Não pensar... Isso era mais difícil do que deveria ser. Bom, já estava ali, o que custava tentar?
Fechei os olhos e respirei fundo, tentando tirar os pensamentos da minha cabeça. Aos poucos, o que estava silencioso começou a ganhar som. Senti a leve brisa que passava por ali, como se ela estivesse me acariciando. Senti o leve farfalhar da grama, o calor gostoso do sol na pele. E comecei a ouvir... Sussurros. Que foram... Ficando mais altos.
- Ele nunca vai conseguir, tô te falando. - Sussurrou algo, com uma voz doce e suave.
- Ele vai sim! Confio no garoto, se é neto desse louco aí. - Sussurrou outra voz, também doce.
Olhei em volta desesperadamente, tentando achar de onde vinham essas vozes. Será que a loucura daquele velho era contagiosa e eu tô alucinando???? Até que, depois de me assustar e procurar em todos os lugares, percebi que as vozes vinham... Das flores. Meu avô falava com flores. E parece que agora eu também.
- Viu Rosi, eu falei que ele ia conseguir! - Disse a segunda vozinha para a flor do lado.
- Ah, foi sorte, mas aposto que voar e controlar o tempo ele não faz. Aposto 5 grãos de pólen. -
Dei um salto para trás, caindo em cima de outras flores e ouvindo gemidos de dor. Fiquei em pé rapidamente, tentando não pisar em ninguém.
- D-desculpa. - Gaguejei para a flor esmagada.
- Argh... Tudo bem, flores são mais fortes do que parecem. - Respondeu ela, se endireitando aos poucos.
Eu não conseguia me mover, mas estava olhando em volta para procurar uma rota de fuga sem flores e ir embora. Vai que a loucura se agrave? Eu devia ter ficado com Dante no barco, Leon já deve ter voltado… o que ele vai pensar se me ver louco desse jeito?
- Já desistiu? - Perguntou meu avô, se aproximando.
- Desistir?? O senhor está me deixando louco! - Exclamei, assustado.
- Hmm.... Pode até ser. Mas vou te contar um segredo: os loucos são as melhores pessoas. - Respondeu ele, sorrindo e piscando um olho.
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A saga de Levi
FantasyLevi é um jovem de 15 anos, no primeiro ano do Ensino médio, que tem uma vida... Nada normal. Ele vive com a mãe, tem muitos amigos, é um adolescente se descobrindo e descobrindo o mundo. Aparentemente normal, não? Mas ele tem uma coisa bastante ano...