Espanha • 1994
A gloriosa lua cheia enfeitava o céu sem estrelas.
Uma brisa fresca permeava a varanda do quarto, onde a ex atriz hollywoodiana tomava a segunda taça da noite. O vinho ainda estava gelado, sinal de que ela deveria ir mais devagar. Aos cinquenta e seis anos, sua tolerância ao álcool já não era a mesma de antes.
Mas era uma daquelas noites.
O silêncio no luxuoso casarão de praia era tamanho, que ela conseguia ouvir as ondas se partindo contra as rochas. Robert havia saído para jantar com alguns amigos do trabalho. Celia, como se espera de uma mulher doente, acabou indo para a cama mais cedo.
À sós, Evelyn se viu à mercê dos próprios pensamentos.
Não é que não estivesse feliz... Pelo contrário: levava, enfim, a vida que sempre quisera.
Sem filmes para gravar, não lhe faltava tempo para desfrutar da companhia da mulher que amava.
Livres do olhar sufocante da mídia norte-americana, faziam o que queriam, sem precisar ter medo do que as colunas de fofoca diriam no dia seguinte.
Seu eu mais jovem mataria se ela a ouvisse dizer isso, mas a insignificância era uma dádiva.
Já não era Evelyn Hugo, a glamourosa estrela de cinema, conhecida por uma interminável lista de escândalos. Era apenas Evelyn. Evelyn Herrera.
Na maior parte dos dias, sentia-se a própria personificação da felicidade.
Mas naquela sexta-feira específica, estava sendo particularmente difícil ignorar o elefante na sala: as crises respiratórias de Celia vinham se agravando. Em breve, toda aquela alegria chegaria ao fim.
Quando se casou com Robert e mudou para uma cidadezinha à beira-mar na Espanha, estava ciente das consequências. Celia foi, desde o princípio, honesta em relação ao enfisema pulmonar.
Evelyn não hesitou, porque queria, mais do que tudo, uma última chance para fazer dar certo entre elas. Após quase três décadas de idas e vindas, mereciam aproveitar o tempo que lhes restava.
E não se arrependeu da decisão, nem por um segundo.
Evelyn estava lá por Celia, mesmo que a iminência da morte dela a machucasse. Afinal, era melhor perder do que nunca ter. Não é isso o que vivia dizendo?
Por um instante, se viu de volta no set de Mulherzinhas, em 1959. O tempo em que ela não sabia que era bissexual e tinha certeza de que Celia seria apenas mais uma, dentre as várias pessoas que precisaria derrubar para alcançar o estrelato.
"Está vendo, Harry?" Lembrou-se de ter dito na época ao melhor amigo. "Celia St. James vai arruinar tudo."
Quem diria? No fim, a mulher que Evelyn Hugo temia que fosse roubar seus holofotes, acabou se tornando seu grande amor. De fato, o destino se escreve das formas mais engraçadas...
A ambição a transformara em uma mulher calculista. Não é novidade que as celebridades, tendo tanto a perder, acabam desenvolvendo certa mania de controle.
É desnecessário dizer que Evelyn odiava acidentes.
Exceto ter se apaixonado por Celia St. James. Esse foi o mais belo e devastador acidente da vida dela.
Evelyn não sabia se era o efeito do vinho, mas se pegou se questionando como diabos realizara a façanha de se casar sete vezes e nenhuma delas com o amor de sua vida.
Talvez elas devessem se casar. Ela certamente adoraria chamar Celia de esposa.
Se ao menos o mundo não fosse um lugar tão horrível...
...
A ideia acaba retornando algumas noites depois. E não há bebida nenhuma por perto.
Consciente de sua própria debilidade, Celia se lamentava por todos os preciosos anos que ela e Evelyn desperdiçaram estando separadas, principalmente por motivos tão frívolos. Evelyn tentava a tranquilizar, faze-la se concentrar no presente, em quão felizes vinham sendo. No entanto, também se arrependia do tempo perdido. Ambas sabiam que não deveriam, mas era difícil não sentirem raiva de si mesmas por terem errado tanto.
Só de se imaginar vivendo sem Celia, o peito de Evelyn ficava apertado. A inevitabilidade do fato tornava tudo pior. Não suportava pensar em perde-la para sempre, sem restar nada que as conectasse de alguma forma.
Dessa vez a dor a arruinaria, porque seria irreversível.
Então, Evelyn disse as três palavras que sempre quis dizer, mas nunca teve coragem:
"Quer casar comigo?"
Celia riu.
Óbvio que, dadas as circunstâncias, achou que fosse brincadeira.
Evelyn, porém, assegurou que queria mesmo aquilo, mais do que qualquer outra coisa na vida.
Celia aceitou. Sonhava em se casar com Evelyn desde que se conheceram, apenas acreditava, até aquele ponto, que seria impossível.
Não houve altar, cerimônia cara, nem convidados. Nenhuma delas usou um vestido branco.
Apenas sentaram de frente uma para outra na cama, se olharam nos olhos, deram as mãos e disseram o que estava em seus corações.
Evelyn gostava de joias brilhantes. Aos dezenove anos, foi pedida em casamento com um anel imenso de platina e diamante.
Celia não era diferente. Eram estrelas de Hollywood, afinal de contas. No auge de suas carreiras, se deleitavam ostentando colares que valiam fortunas no tapete vermelho das pré-estreias e premiações.
Contudo, perto do amor que sentiam, nada daquilo tinha a menor importância. Elas se casariam até com anéis de papel.
No dia da entrega do Oscar de 1960, Celia perguntou se Evelyn ainda a amaria se ela não vencesse.
A resposta foi simples:
"Se você fosse uma indigente morando em uma caixa de papelão, eu continuaria te amando."
"Eu também." Celia disse de volta. "Com caixa de papelão e tudo."
Trinta e quatro anos depois, isso continuava sendo verdade. No lugar das alianças, usaram elásticos de cabelo.
Aquele casamento foi, sobretudo, uma promessa. Um compromisso de que passariam o resto da vida juntas. As tradições não fizeram a menor falta. Não precisavam da aprovação de ninguém. Tinham uma a outra e isso bastava.
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Paper Rings (Evelyncelia)
FanfictionEvelyn odiava acidentes. Exceto ter se apaixonado por Celia St. James. Esse foi o mais belo e devastador acidente da vida dela.