Caminhei por entre as árvores e os arbustos, precisando de um tempo sozinha depois das últimas horas. As coisas não estavam andando como eu esperava. Na verdade, nada na minha vida nunca andou como eu esperava. Mas agora estava muito pior do que eu conseguia imaginar.
Parei de andar e me sentei em uma pedra, escorando minhas costas em uma árvore. Meu rosto ficou escondido entre minhas mãos, enquanto eu respirava fundo. Cada pensamento meu parecia sugar minha energia e eu não conseguia decidir se ficava surpresa, chocada ou ofendida com o fato de Cecília ser uma bruxa da lua. Ayla certamente pularia de alegria e a encheria de perguntas sobre os falesianos.
—É tão ruim assim ela ser uma bruxa da lua?
Ergui os olhos e encontrei Sky escorado em uma árvore, com as mãos enfiadas no bolso da calça, olhando para a floresta ao redor. Ele tinha sido tão silencioso que eu nem notei que estava atrás de mim, ou que havia parado ali. Ainda não tinha decidido o que pensava sobre Sky. Ele podia ser bem surpreendente as vezes.
—Esse não é o problema. —Afirmei, umedecendo os lábios com a língua, enquanto soltava uma suspiro pesado. —Tem muita coisa envolvida aqui, Sky, mas não vou me abrir com você.
—Eu não esperava que fizesse isso. —Ele riu, estalando a língua, enquanto eu o encarava, esperando que ele olhasse pra mim. Mas tudo que Sky fez foi ficar olhando para o nada, parecendo perdido nos próprios pensamentos.
—Uma confissão por outra. —Propus, finalmente fazendo-o olhar pra mim. Seus olhos faiscando como se eu estivesse o desafiando de alguma forma.
—Feito. —Soltou, abrindo um sorrisinho, antes de caminhar até onde eu estava sentada. Abri um espaço pra ele se sentar ao meu lado, tentando não reagir a presença dele e ao quão próximo ele estava de mim. —Qual o problema?
—Eu a conhecia a minha vida toda praticamente. Achei que sabia tudo sobre ela. Mas hoje vejo que não sei nada, nem mesmo sobre mim. —Afirmei, comprimindo os lábios em frustração, enquanto sentia Sky me observando. —E sabe o que é pior? Ela podia ver o futuro. Podia ver tudo que aconteceu comigo. Mas em vez de me impedir, ela me deu apoio.
—Talvez ela saiba mais sobre isso do que você imagina. Se você a conhecia, então deveria pensar que ela sabe que no final tudo vai dar certo pra você. —Comentou, mas tudo que eu consegui fazer foi bufar em descrença. —Sei que está aqui pela profecia. A história de Raven já se espalhou por aí. Talvez você seja mesmo citada nela, ou não. Mas não deixe que isso diga quem você é de verdade. Uma profecia não molda quem você é, Zaia. É você quem a molda.
—Inspirador. —Sky soltou uma risada baixa ao me ouvir, enquanto eu pensava no que iria perguntar a ela. —Parece que você não visitava sua mãe há um tempo. Por quê?
—Isso envolve muitos motivos. Um deles é que eu me acostumei a ficar sozinho. —Sky desviou os olhos de mim para encarar o chão, enquanto os olhos pareciam perdidos. —Meu pai foi embora quando eu era criança. Eu tinha uns nove anos. Minha mãe tinha muitos assuntos dos elementais para resolver, então me levou para o Chalé Azul, já que não podia me dar a atenção necessária que uma criança precisa. Acho que ela fez o melhor que pode, sabe? Mas ainda sim, aprendi a me virar sem ela desde cedo.
—David treinou você. —Sussurrei, lembrando da nossa conversa de antes, quando contei a ele sobre David estar morto.
—Ele me treinou para ser o melhor. O que um guerreiro nível um deveria ser. Minha mãe me visitava constantemente, fazendo o possível pra ser o melhor que eu precisava. Mas mesmo assim... —Ele parou de falar, como se o assunto estivesse indo para um lado que ele não gostava. —Eu não gostava de ter amigos. As pessoas normalmente se aproximavam de mim por interesse, então eu me acostumei a ficar sozinho. Acho que isso ajudou a moldar o que eu sou hoje.
—E o acampamento? Os gêmeos e o Caio? —Indaguei, observando-o abrir um sorriso. —Eles são seus amigos, não são?
—Eles são meus amigos. Os únicos, eu acho. E o acampamento é minha segunda casa. O lugar que eu consigo ser eu mesmo. Sem fingimento e sem me preocupar com nada. —Afirmou, erguendo a cabeça para me encarar, com algo mais intenso nos olhos. —Eu tenho outro motivo que me fez evitar visitar minha mãe com frequência. Mas não quero e não vou dividir com você.
—Demorou para vir alguma grosseria. —Resmunguei, soltando uma respiração pesada quando Sky soltou uma risada.
—A grosseria é uma especialidade sua, esqueceu? —Eu dei uma cotovelada nele ao ouvir aquilo, sem conseguir conter uma risada. —Olha, ela sabe sorrir.
—Não vai se acostumando com isso. Ainda quero te matar. —Retruquei, odiando o quão confortável eu estava começando a me sentir com ele.
—Acho que isso nunca vai mudar. —Ele colocou a mão no bolso e tirou uma esfera. —Vou até o acampamento ver como estão as coisas. Mais tarde eu volto, irei com você até Arcádia.
—Por quê?
—Preciso falar com uma bruxa da lua também, esqueceu? —Indagou, erguendo as sobrancelhas pra mim, enquanto eu negava com a cabeça, vendo-o desaparecer no segundo seguinte, me deixando sozinha com meus próprios pensamentos.
[...]
Quando voltei pra casa, Percy estava sentado no sofá ao lado de Margo. Ela estava ocupada folheando um livro no seu colo, enquanto Percy usava esse momento de distração dela pra observá-la. Não acho que Margo já havia notado alguma coisa. Porque tenho a sensação que se tivesse notado, ela já teria feito algo sobre isso.
Mia não estava por aí, então eu saí para procurá-la. A encontrei ajudando Aurora a colher algumas maçãs de um pomar atrás da Casa do Ar, como eu a ouvi chamar esse lugar quando estava saindo mais cedo. Recebi um sorriso doce quando passei por ela e me aproximei de Mia.
—Sky vai com a gente. —Falei, vendo os olhos de Mia se voltarem para os meus rapidamente, antes de ela voltar a atenção para o que estava fazendo.
—Vou ficar aqui. —Mia comprimiu os lábios, parecendo um pouco tensa. —Não acho que Percy vai estar pronto pra ir com vocês ao anoitecer. Ficarei aqui com ele. Mas Margo vai com vocês. Percy murmurou algo sobre você e Sky se matarem se fossem deixados sozinhos.
Soltei uma risada, balançando a cabeça negativamente. Não acho que isso fosse acontecer mesmo. Sky e eu parecíamos ter entrado em alguma relação de entendimento. E aquilo não duraria pra sempre. Era só até encontramos a bruxa da lua. Depois disso, cada um iria seguir seu próprio caminho de novo.
—Acha que vai encontrar o que procura lá? —Mia se virou pra mim, falando de uma forma como se não estivesse se referindo a profecia.
—Sei que está com raiva por conta do David. Sei que isso afetou você mais do que afetou qualquer um de nós aqui, Mia. E eu sinto muito. Sinto muito de verdade. —Falei, soltando o ar com força quando vi a sombra de algo dolorido passar pelo rosto dela. —Não estou fazendo isso por um tipo de justiça ou vingança. Raven quer atenção e eu não darei isso a ele.
—Obrigada pela sinceridade. —Mia afirmou, com a voz soando muito trêmula, como se ela estivesse se segurando para não desabar.
Abri a boca para dizer algo, mas Mia se afastou antes que eu conseguisse. Apertei meus lábios com força, em uma mistura de frustração e resignação, enquanto encolhia meus ombros. Tinha a sensação que aquela não seria a última vez que eu veria Raven. Ele parecia mais do que determinado em seguir suas próprias convicções, por mais erradas que elas apressassem. Eu também estava, mas elas não os envolviam nem um pouco.
Continua...
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As Crônicas de Scott: A Profecia / Vol. 1
FantasyLIVRO 1 (AS CRÔNICAS DE SCOTT) Dois mundos divididos por uma barreira mágica. Arcádia, uma terra cinzenta e sem vida, onde os humanos lutam para sobreviver todos os dias, já que a fome e a miséria andam lado a lado com eles. Falésia, um mundo repl...