Capítulo Único

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Havia uma regra de ouro para as empregadas do castelo que não queriam arriscar perder a vida por tão pouco: todas se protegiam durante seus períodos mensais, trocando turnos e se trancando no quarto das empregadas (uma das alas mais seguras do castelo) o máximo de tempo possível. Vocês sabiam muito bem que suas senhorias não eram humanas e não queriam se arriscar a serem atacadas por causa desse maldito truque que a mãe natureza pregava todo santo mês. Era nessas horas que as empregadas que não tinham esse problema (fosse pela idade, caso alguma conseguisse sobreviver tanto tempo assim dentro do castelo, ou por ser uma mulher trans) ficavam na linha de frente para proteger as que mais precisavam, e esse até que era um sistema seguro.

Durante as noites você utilizava o gato para lhe aquecer a região abdominal e ajudar com as cólicas, por mais que fosse alérgica. Essa era a vantagem do bichano dormir tanto, você pensava, era só colocá-lo sobre o seu colo e logo tudo ficava quentinho. Por mais que você tentasse se afastar do animal ele se apegou demais a você, de um jeito que não fazia com mais nenhuma outra pessoa. E querendo ou não, você também acabou se afeiçoando com aquela bolinha arrepiada de pelos que só fazia ronronar, comer e dormir.

Mas naquela noite nem mesmo o gato estava ajudando. Você despertou no meio da madrugada, sua pressão baixa pela perda de sangue e seu corpo ansiando por algo pra te aquecer. Você levantou da cama, acendeu uma vela que ainda restava em um dos candelabros e foi andando até a cozinha, usando a pouca luz em suas mãos para procurar as ervas necessárias para fazer um chá. No meio de sua busca, porém, você achou uma garrafa que lhe chamou a atenção... Os detalhes dourados no vidro vermelho eram inconfundíveis. Sanguis Virginis.

Você encarou a garrafa, genuinamente curiosa, então a abriu e sentiu o cheiro da bebida. Não era nenhuma sommelier de vinhos, na verdade não era do tipo que bebia coisas alcóolicas, mas o cheiro perfumado e adocicado realmente lhe instigou. "Só um gole", foi o que passou pela sua cabeça antes de finalmente provar a bebida. Ela desceu saborosa e esquentou todo o seu corpo, lhe fazendo encarar a garrafa outra vez e desistir da ideia do chá.

O som estarrecedor de um trovão se fez presente e você se encolheu por um momento, assustada. Noites frias e chuvosas como aquela já lhe causaram problemas demais no passado, coisas que você não precisava lembrar agora. Aproveitando a solidão do castelo durante a noite, você sentou ao lado do fogão, ainda encolhida, e continuou a beber do vinho lentamente, sentindo o calor descer pela sua garganta e aquecer seu corpo, lhe dando uma sensação de paz. Era algo tão raro de se sentir, você pensou enquanto degustava sua bebida. Nem mesmo em seus sonhos você costumava ter paz, mas naquele momento, protegida pelas paredes gigantes do castelo, você estranhamente se sentia bem.

Sem nem perceber, você chegou na metade da garrafa. Sua cabeça estava leve e um tanto zonza, talvez fosse melhor voltar para a ala das empregadas. Novamente, você pegou o candelabro e saiu pelo corredor principal com seus passos silenciosos. A chuva caía pela janela e quando um trovão atingiu o terreno próximo ao castelo, a luz do mesmo iluminou uma silhueta gigantesca no fim do corredor, alguém que você já conhecia bem. Com passos lentos em sua direção, Alcina Dimitrescu caminhava sendo iluminada pela luz natural vinda de fora, tocando a pele alva que parecia marfim. Aquele corpo perfeitamente esculpido era coberto apenas por um roupão preto de cetim, nada mais e nada menos. Você respirou fundo, sem saber se o calor que sentia ainda era culpa do vinho.

— O que está fazendo aqui? — Ela perguntou, parando no meio do caminho e lhe encarando. Você a encarou de volta, sentindo-se estranhamente desafiadora, provavelmente culpa dos hormônios e da bebida.

— Vim apenas tomar um chá.

— Não foi isso o que eu quis dizer. — Ela respirou fundo ainda lhe encarando, os sentidos sobrenaturais percebendo com facilidade sua condição atual — Era pra você estar lá embaixo.

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