Apolo - Capítulo Um

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O despertador soou pela segunda vez naquela manhã, causando um verdadeiro rebuliço no meu estômago. Um misto de ansiedade e nervosismo se instalou em mim antes mesmo de o dia começar. O dia do juízo final.

Ouvi o clique da porta ser aberta e logo havia alguma coisa subindo na cama ao meu lado. Alguém na verdade.

— Hei, você precisa levantar, cara. — a voz de Gina preencheu o ambiente e eu sabia que não teria mais paz.

Gina veio morar comigo há um ano e meio, assim que se formou no colégio. Optou por cursar uma faculdade na cidade grande, que foi o motivo para que viesse morar comigo.

Na verdade, tenho certeza que ela escolheu essa faculdade de forma estratégica, pensando em como poderia me perseguir e infernizar minha vida de uma forma mais próxima. E está conseguindo incrivelmente bem.

— Vou levantar, agora saia do meu quarto que eu estou só de cueca.

— Que delícia! — diz se levantando da cama e rindo.

— Pervertida! — grito antes que bata a porta.

Ela riu de forma escandalosa e saiu balançando a cabeça, em negativa.

Gina era uma boa irmã, assim como Hades. A verdade é que nos últimos anos, eles são a única coisa que eu realmente tenho, sem ser bens materiais, e isso me faz valorizá-los mais do que a maioria dos irmãos valorizam.

Há dois anos e meio vivi a pior fase da minha vida, e quando achei que não dava para piorar, como sempre, a vida deu um jeito de jogar na minha cara que eu não devo duvidar do potencial da desgraça. Só que eles estavam lá.

Hades e Mirta estavam lá, Gina surgiu quase um ano depois, mas mesmo distante, sempre se fez muito presente. Acabamos com um elo de irmãos, que foi construído no meio de muita confusão e destruição de todos os lados, mas eu não me imagino mais em um mundo sem eles.

São minha base, meu alicerce.

Respirei fundo mais uma vez e me arrastei para fora da cama, indo direto para a ducha morna tentando me fazer acordar. Trajei a típica roupa esportiva de todos os dias e coloquei uma camisa polo e uma calça jeans na mala, sabia que precisaria para mais tarde.

Quando cheguei na cozinha Gina já havia deixado um prato de ovos mexidos e um copo de suco de alguma coisa verde para mim. Me sentei e comecei a comer em silencio, o que geralmente era bem difícil de ser encontrado no nosso apartamento.

O lugar era ótimo, assim como os vizinhos., Tínhamos três quartos, dos quais usávamos apenas dois, uma sala espaçosa em conceito aberto com a cozinha e uma varanda enorme para churrasco, a qual nunca usamos.

O terceiro quarto era de Hades, apesar de ele vir apenas uma ou duas vezes por ano. Sempre tive um espaço em sua casa, a fazenda, e quero que ele saiba que sempre vamos ter um lugar para ele, apesar de ser o irmão mais distante. Não o julgo, claro, sua vida está naquele lugar.

Enquanto isso a minha está aqui. Eu só preciso descobrir onde.

— Como você está? — Gina estava inclinada sobre o balcão mordendo uma maçã, mas a preocupação estava estampada em seus olhos visivelmente cansados.

— Bem, e você? — perguntei tentando fugir daquele assunto.

— Pare. — ela me repreendeu séria. — A doutora deixou claro, nada de fugir das conversas, Apolo. Sou sua irmã, estou preocupada.

Respirei fundo antes de encará-la.

— Estou nervoso, acordei sentindo um grande mal-estar, mas consegui me acalmar no banho, agora estou apenas... Nervoso. — respirei fundo contando até cinco para continuar. — Porém quero que dê tudo certo. E sinto que vai dar, Gin.

Ela sorriu comigo antes de acariciar meu rosto, satisfeita com a minha resposta.

— Você é meu irmão favorito, não conte ao Hades. — disse dando uma piscadela.

Olhei o relógio e constatei que estava atrasado para a aula com a senhora Martha.

— Droga, preciso ir. Martha vai me matar desta vez.

Ouvi a risada de Gina enquanto saia e batia a porta, correndo para o estacionamento e destrancando o carro, um belo Audi preto, um presente de mim para eu mesmo quando completei os dois anos de Terapia, há alguns meses.

Acelerei pelas ruas movimentadas até chegar à academia de dois andares e faixada nada simples, e lá estava Martha, a senhora de cinquenta anos com inúmeros problemas na coluna, a qual eu era personal trainer particular três vezes por semana.

— Está atrasado, querido. — disse sorrindo, sobressaindo seus pés de galinha de uma forma fofa.

— É bom se atrasar um pouco, melhor começar a praticar sabe... Não vai querer chegar adiantada no seu "Juízo final" — disse sinalizando as aspas com a mão, fazendo-a rir.

Martha tinha um belo senso de humor e me divertia durante as aulas. Dou aulas particulares há quase um ano e meio, mas recentemente abri mão de metade delas para trabalhar apenas com pessoas que precisam das aulas por algum motivo sério de saúde. Boa parte de meus clientes são idosos e pessoas com excesso de peso, e devo admitir, além de ser um trabalho bastante difícil, é algo muito gratificante.

Uma hora e meia depois estou trocando a roupa esportiva pela casual no banheiro da academia e saindo pela porta. Entrei no carro e coloquei minha playlist do Imagine Dragons, aumentei o volume e respirei fundo. Dez vezes.

Liguei o carro e acelerei em direção a via que dava na estrada, refletindo internamente sobre todos os motivos pelos quais eu sabia que ia dar tudo certo.

Infelizmente, havia apenas um motivo para as coisas não darem certo, e eu ainda me sentia sufocado em pensar nele.


Trajeto Paralelo - Alpha e Apolo | Parte IIOnde histórias criam vida. Descubra agora