Apolo - Capítulo três

1 0 0
                                    

Sempre que sua irmã mais nova te pedir algo absurdo e por um momento isso parecer razoável, simplesmente não faça.

Saímos da cidade ainda antes do sol nascer, pois o casamento do primo de Bela aconteceria no decorrer da tarde. Gina insistiu em ir com o próprio carro, para que não ficássemos reféns de apenas um carro durante toda a viajem. Estávamos saindo no sábado e voltaríamos no domingo à noite, apesar de admitir que havia desmarcado alguns compromissos de segunda feira apenas para o caso de querer ficar um pouco mais.

Fazia anos que eu não ia para a praia, sequer me lembrava da última vez que havia feito uma viagem por puro lazer. Estávamos há meia hora do hotel quando optei por desligar o ar condicionado do Audi e abrir os quatro vidros, deixando a música alta sair e o vento quente e cheiro salgado entrar. Me sentia livre.

Pensei algumas vezes no porquê de nunca ter considerado morar em um lugar como aquele. Poderia abrir um restaurante desses beira mar, ou talvez um típico quiosque. Passar meus dias na cozinha e anoite caminhar na areia morna.

Porque sua felicidade é sempre momentânea, meu interior gritou, tentando ao máximo me puxar mais um degrau para baixo, mas não permiti. Não mais.

Eu podia tirar férias, passar alguns tempos por ali. Certamente, era um bom plano. Como diz o gato de cheshire, "quem não sabe para onde vai, qualquer lugar serve." E eu com certeza era a personificação dessa frase.

Me lembrar do filme me lembrava dela, o quanto ela parecia com a personagem. A imagem de Alpha veio forte em minha mente, mais de um metro e sessenta, corpo com curvas e olhos muito azuis, mas não apenas azuis. Sabe aquele tom do azul que chama a atenção de qualquer um? Pois é, esse tom de azul. Lábios pequenos, com um sorriso...

Me puni mentalmente pelo rumo dos meus pensamentos. Não me importava, ela não fazia mais parte de minha vida.

Estacionamos em frente de um resort beira mar. O lugar era incrivelmente grande, em torno de quatro andares de construção, mais de trinta suítes, amplo e arejado com enormes janelas. No caminho para minha suíte não deixei de notar a piscina enorme no meio do resort. Um pai brincava com sua filha na piscina mais rasa e a criança embora pequena demais para entender aquilo, ria.

Optei por ficar em uma suíte e permitir que Gina e Bela ficassem em outra, acredito que a família dela não perceberia que a garota não está passando as noites no quarto, e mesmo que percebam, não saberiam exatamente em qual quarto ela passava as noites. Se procurassem no meu, eu simplesmente não abriria a porta.

Nota mental: Não abrir a porta do quarto de madrugada.

Comecei a desfazer as malas pensando no quanto seria maravilhoso tomar uma cerveja naquele calor sentado à beira da praia, e eu não me importava que ainda não eram sequer oito da manhã, porque pelo visto o sol daquele lugar não estava de acordo com meu relógio de pulso. Vinte e oito graus pela manhã e eu já não sabia mais o que esperar do fim do dia ou de que forma eu conseguiria vestir qualquer roupa sob o sol quente da tarde naquele casamento.

É permitido ligar algum tipo de ar condicionado nas praias ou hoje em dia também consideram isso algum tipo de poluição?

— Apolo? — Gina esticou o pescoço para dentro do quarto, me tirando de meus devaneios enquanto observava a praia pela vista de minha janela.

Olhar a imensidão azul que é o mar, embora não me fizesse mais vomitar, ainda me enjoava. Por quanto tempo ainda seria penalizado pela imensidão azul que habitava os olhos de Alpha?

Por quanto tempo seu nome ainda povoaria meus pensamentos como se eu fosse um refém?

— Sim, querida. — respondi tentando afastar todo e qualquer sentimento negativo. Um viva a Dr. Emily por isso.

— Estou indo com Bela comer algo, quer ir? — era uma pergunta retórica, ela não queria que eu fosse, como irmão era minha obrigação saber disso.

— Aproveite sua lua de mel. — disse rindo. — Vou procurar a cozinha do resort e comer alguma coisa. Será que já estão servindo cerveja? — disse caminhando para fora do quarto.

— Se você estiver bêbado quando eu chegar, juro que eu mato você, Porches.

Dei risada, Gin sabia que eu dificilmente bebia em excesso, segui em direção a lanchonete, a qual encontrei depois de algumas voltas por aquele lugar enorme e, me dando por vencido, perguntando a um dos funcionários que circulavam por lá.

— Por gentileza, onde posso comer algo? — perguntei ao rapaz com algo que parecia um uniforme.

— O senhor é hospede?

— Sim, claro. Vim para o casamento dos... — percebi que sequer sabia o nome dos noivos... Qual era o sobrenome de Bela mesmo? Algo como Claise? Clarke? — Clarke. — afirmei sem muita certeza.

— Ah claro, serviram um brunch ao lado da piscina, mas se preferir mais privacidade — disse olhando torto para minhas roupas não muito formais. — pode se sentar na lanchonete. Siga este corredor, a terceira direita e depois a esquerda.

Agradeci e segui em direção ao refeitório. Não acho que pegaria bem para Bela que eu chegasse sem ela no café da manhã com nome chique, que nada mais é que um café da manhã. E como eu explicaria que ela está com minha irmã lésbica, sozinha? E não comigo, seu lindo acompanhante?

Sim, melhor escolha, o refeitório. Depois de comer um bom café da manhã e tomar uma quantidade excessiva de suco de laranja com a tentativa de sentir um pouco menos de calor, percebi que não teria jeito. O planeta estava cada minuto mais próximo do sol, e eu posso provar.

Segui em direção da piscina pensando que talvez me refrescasse um pouco me sentando na beirada, com os pés na água. De longe podia ver o "brunchet", ou seja lá qual o nome que os ricos dão para seus cafés da manhã chiques, da família de Bela. Havia uma quantidade considerável de pessoas conversando e bebendo de taças, como se nada mais importasse.

Casamento. Eu havia chegado tão perto disso...

Meus devaneios foram interrompidos por uma coisa pesada acertando minhas costas e caindo ao meu lado. Uma pequena peça de um brinquedo infantil. Quando me virei e olhei para trás uma garotinha com cabelos castanhos claros e olhos azuis me encarava. A encarei de volta com cara de bravo, e ela desatou a rir.

Estiquei o brinquedo em sua direção, o que fez com que ela se aproximasse de mim para pegá-lo. Era um pequeno balde de plástico, daqueles que todas as crianças brincam na praia.

Ela sussurrou algo como um "obrigado" antes de afundar o balde na piscina para pegar um pouco de água e se afastar, voltando a brincar perto de uma cadeira de sol onde uma mulher aparentemente dormia. Quem dorme enquanto uma criança brinca em volta da piscina?

A garotinha olhou para o balde com água e para a mãe que dormia com o chapéu no rosto, e antes que eu pudesse sugerir que ela não fizesse aquilo, caminhou trôpega até a mulher e virou o balde completamente inteiro sobre o chapéu, fazendo a mulher se levantar com um salto.

Virei rapidamente para o lado oposto, voltando a olhar para frente enquanto meu corpo convulsionava em uma risada contida.

— Alice! O que diabos está fazendo? — a mulher gritou, aquela voz era familiar. — Eu estou toda molhada!

A garotinha ria, mas eu não a acompanhava mais. Eu conhecia aquela voz, e algo dentro de mim fez com que eu fitasse a água azul da piscina e entrasse em um estado de transe, me desligando completamente da voz que brigava com a criança e se afastava ao mesmo tempo.

De quem era aquela voz?

Olhei para trás tarde demais, e a única coisa que pude ver foi um vulto de cabelos escuros com a pequena criança no colo.

Eu estava enlouquecendo, devia ser o calor.

Sim, com toda certeza era o calor. Tirei a camiseta que usava e deixei os chinelos ao lado de uma mesa, junto ao meu celular e carteira, e pulei de uma vez na água fria da piscina maior, sentindo a água me envolver por inteiro e trazer alívio ao calor excessivo. Dei algumas braçadas antes de permitir que meu corpo boiasse e o sol forte incomodasse minhas pálpebras. Em instantes aquela memória me trouxe um flashback que eu não fazia questão de me lembrar.

Não mais.

Trajeto Paralelo - Alpha e Apolo | Parte IIOnde histórias criam vida. Descubra agora