Capítulo 03 | Não gosto de você, mas eu te amo
Inspiro um gole de ar frio. Posso sentir quando atinge meu pulmão e quando transpira junto com o medo, tentando aliviar o coração. Abro a porta do carro, finalmente, sentindo como se meu corpo ficasse levemente mais pesado.
A cada passo, lento e firme, noto com um pouco de tristeza a grama morta e sem cor do jardim um dia tão vibrante. Talvez seja a temperatura. Talvez a falta de atenção. Provavelmente os dois.
Pressiono o caderno repleto de listas guardado dentro do bolso do casaco. Minhas mãos cobertas em fuga do frio e da ansiedade.
O conforto de quem um dia se descobriu neste mesmo lugar não existe mais.
A campainha é a mesma, o toque estridente agora grita. O homem também é o mesmo, suas feições não mudaram. Mais uma vez, vejo que tudo mudou, menos ele.
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Um homem alto, de rosto arredondado e os permanentes e adoráveis quilos a mais que ganhou desde a faculdade, abre a porta com seu imenso sorriso e olhar infantil. Assim que me vê, abre um sorriso grande e seus olhos ganham aquela animação infantil comum a ele.
Mesmo surpreso, não demora mais que um segundo para que seus braços se abram para mim. Como sempre, ele me parece alheio à realidade póstuma do que sobrou de nós. Quando recebo seu abraço, me perco entre a frustração por ele não perceber e a melancolia de tentar outra vez.
- Ei, você! – cumprimenta Leo, entre perdido e excitado.
Apenas o encaro, sem conseguir corresponder sua empolgação.
- Entre! – continua ele.
Atravesso a porta e entro na casa, tão familiar e tão estranha ao mesmo tempo. O cheiro do seu perfume permanece comigo mesmo depois de nos afastarmos, como sempre acontecia, e agora se mistura com erva mate e mel. Uma mistura estranhamente deliciosa que mergulha em minhas narinas. Uma estranheza tão particular, tão nossa, que nunca senti em nenhum outro lugar.
Me encaminho automaticamente para a cozinha. Penso por um momento que ele fez meu chá favorito para a conversa difícil que viria. Então me lembro que se tornou o favorito dele também e que não avisei sobre a visita. O chá é para ele, a casa é apenas dele agora. Por que a gente demora tanto para se acostumar com algumas coisas?
- Como é bom te ver. – diz ele, enquanto me convida para sentar.
- É bom te ver também, Leo. – respondo, como que por educação, mas assim que as palavras saem da minha boca, percebo como são verdadeiras.
Ele me entrega uma xícara de chá e coloca um pouco mais de água para ferver para ele. As minhas mãos ainda suadas, se esquentam na porcelana com um desenho típico de uma cidade que visitamos nos primeiros anos de namoro.
Não sei se é a cozinha pequena, o vapor do chá ou tudo junto, mas o calor toma meu corpo inteiro. Me levanto e abro o zíper do casaco com uma certa pressa. Quando o retiro por completo, Leo se paralisa maravilhado por um segundo em minha frente.
- Oh, meu Deus. Como ele está grande! Está enorme! – agora três vezes mais empolgado do que antes, Leo se ajoelha aos meus pés.
Como criança em manhã de Natal agarrando seu presente embrulhado em papel colorido, Leo abraça minha barriga, que agora já parece comportar uma mini bola de futebol dentro.
- Me deixe só colocar o casaco aqui... – peço, buscando pelo cabide atrás de mim. O calor continua a subir por minhas costas e pescoço.
Com sua mente em um universo paralelo, Leo parece não ter escutado meu pedido. Não consigo evitar que sua forma inocente e despreocupada de ver toda a situação deixem meus nervos ficam à flor da pele.
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Um amor para toda vida e nada mais [COMPLETO]
RomanceNo momento mais desesperado de sua vida, Anna descobre que tudo depende de uma segunda chance. Aos 28 anos de idade, Anna acredita que sua vida já está completamente fora de controle, seja culpa do retorno de Saturno, outro motivo cósmico, cármico o...