A minha paz

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Aviso
Este capítulo trata de forma explícita um assunto muito delicado que é a automutilação, caso não se sinta confortável pule o capítulo. Se conhecerem alguém que prática a automutilação, ajudem essa pessoa, depressão não é brincadeira.


Abri lentamente meus olhos e vi o luar entrar pela janela, junto de uma leve brisa que movimentava a cortina. O relógio do meu celular marcava uma da manhã, levantei devagar para não acordar Jin.

Peguei as chaves na gaveta da cômoda ao lado da minha cama e sai pela porta fazendo o mínimo de barulho possível.  O corredor estava vazio, escuro e gelado, exalava solidão.

Segui meu caminho até o vestiário masculino, que deveria estar trancado neste horário. Levei uma das chaves até a fechadura e a destranquei. Eu era o único aluno que possuía a chave, já que o psicólogo geral da academia me recomendou um banho gelado, caso o remédio para insônia não funcionasse.

Algumas pessoas diriam que o lugar era sombrio, mas a luz da lua que entrava pelas janelas me deixava um tanto quanto confortável. Entrei no cômodo deixando as luzes apagadas, como de costume.

Me dirigi até os chuveiros, deixando pelo chão um rastro com minhas roupas, como norma da academia levei comigo meus produtos para higiene.

Liguei a água gelada e deixei que caísse sobre minha pele, arrepiando cada pedacinho do meu corpo. A água tirava as impurezas do meu corpo, mas eu ainda parecia sujo.

Me virei para a pequena janela na minha frente, onde podia ver claramente a Lua. A Lua estava lá linda como sempre, e tão inalcançável, talvez em algum dos meus devaneios eu possa toca-la.

Naquele momento um pensamento conturbado veio a minha mente. Entre as outras coisas de minha higiene, uma pequena caixinha, ainda lacrada.

Aquela pequena caixinha.

Naquela pequena caixinha tinha minha salvação e minha perdição.

Minha mente se esvaziou no momento em que meus olhos pousaram sobre a famigerada caixinha. Para alguns aquela caixinha representa um amigo, mas para outros representa um inimigo.

Há aquela caixinha, ela apareceu no momento em que eu precisava de uma luz, e ela era a única luz ali. Talvez não fosse a escolha certa, talvez ainda não seja, mas ela me trouxe paz por algum tempo.

Naquela pequena caixa de papel continham pequenas, finas e afiadas lâminas.

As lâminas.

Naquele momento foram elas que tiraram minha dor.

As lâminas.

Foram elas que me acolheram, sem julgamentos ou pedidos de ajuda.

Vou carregar-las comigo para sempre.

Escolhi minimamente a minha amiga, dentre as outras que ficariam para trás.

Com delicadeza eu abri o papel que envolvia minha amiga, minha salvação, minha inimiga.

Quando a vi, meus olhos brilharam. Era como se olhasse para um diamante cuidadosamente lapidado e polido.

Levei a lâmina até um dos lados do meu quadril, passei pela minha pele com um pouco de pressão. A sensação de senti-la rasgar minha pele era incrível.

Há aquela sensação.

Em apenas um corte, eu já sabia que aquilo estava me aliviando. E eu precisava daquilo.

Em cortes paralelos e retos, como mandava meu perfeccionismo, eu desenhei um dos lados do meu quadril.

Mas ainda não era suficiente.

Eu precisava de mais.

O lado esquerdo do meu quadril não supriu o que restava da dor e da impureza que minha alma tinha.

E então a coxa direita, a coxa esquerda.

Mas ainda não me sentia satisfeito.

O braço direito e então o esquerdo.

Minha alma e minha dor pediam por mais.

Em um corte continuo, meu abdômen, e mais alguns cortes menores na mesma região.

Eu via o sangue escorrer.

O vermelho do sangue me trazia paz.

Aquela cor me deu paz.

Pela primeira vez, em muito tempo, eu me senti livre. Me senti em paz, me senti salvo, me senti limpo, me senti calmo.

Quando a água se chocou contra minhas marcas, a ardência me fez lembrar que nada era de graça. Tudo tem um preço e aquele era o que eu devia pagar.

Se por acaso, alguém pudesse saber o que fiz naquela noite. Iria julgar minhas ações, sem saber os motivos.

Iria julgar minha paz.

Mas não saberia a história por trás das minhas ações, não saberia a dor. A dor de perde-lo, a dor de ver meu Girassol ir embora. A dor de não tê-lo comigo.

A dor era minha, a dor é minha, somente minha.

Só eu sei até onde ela vai.

Mas não sei como cura-la.

Unstoppable-sopeOnde histórias criam vida. Descubra agora