lost in japan | pedro quintas

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— Eu vou pra Tóquio.

Virando o pescoço para me encarar, minha mãe juntou as sobrancelhas.

— O quê?

— Eu vou pra Tóquio — repeti despreocupadamente.

— Ficou maluca, Marina? Como assim "vou pra Tóquio"?

— Preciso ir — foi o máximo de explicação que dei. — Mas volto depois de amanhã.

— Você já comprou as passagens? — ela arregalou ainda mais os olhos ao receber um aceno positivo como resposta. — Marina Choi!

— Vou arrumar minha mochila. Meu voo sai em três horas. — estalei um beijo na sua bochecha antes de correr para o quarto, deixando para ela a difícil missão de explicar para vovó Choi a conversa em português que havíamos acabado de ter.

— É por causa dele, não é? Você vai pra Tóquio por causa do Pedro! — minha mãe acusou, aumentando o tom de voz para se fazer ouvir mesmo da cozinha.

Não respondi, mas deixei um riso baixo escapar porque, bem, o que mais poderia fazer? Mamãe estava certa, afinal de contas. Eu estava, de fato, indo para Tóquio por causa do Pedro.

Ou O Cara Por Quem Sempre Fui Apaixonada, como preferir.

Quintas e eu nos conhecíamos de outros carnavais e competições, assim como a maioria das pessoas que faziam parte da cena do skate, principalmente a brasileira.

Apesar da ascendência coreana, eu havia nascido e sido criada no Brasil, entre uma viagem e outra à Coreia do Sul para visitar minha família materna e, segundo a senhora minha mãe, cultivar e manter viva a relação com as minhas raízes.

Quando não estava do outro lado do mundo, eu passava as férias e os finais de semana explorando São Paulo em cima do skate, na companhia de todos os amigos que fizera ao longo dos anos no esporte.

Se me perguntassem, não saberia dizer ao certo quando meus sentimentos por Pedro se destacaram em meio ao carinho e admiração que eu sentia por todos os outros caras com quem convivia quase diariamente. O que eu sabia, sem sombra de dúvidas, era que eles já estavam ali há um bom tempo, ainda que eu nunca tivesse feito nada a respeito.

Por mais que definitivamente gostasse dele, a cumplicidade e sintonia que sempre tivemos bastava. No fim do dia, eu preferia a segurança da nossa amizade à incerteza de outro tipo de conexão que, sendo realista, poderia acabar antes mesmo de ser algo real. Durante muitos anos, tudo o que sempre compartilhamos havia sido o suficiente.

Até aquele verão boreal.

Até as Olimpíadas de Tóquio.

Dizer que eu tinha ficado maluca quando descobri que ele seria um dos representantes do Brasil no skate park masculino seria eufemismo. Eu tinha perdido a cabeça. Estava certa de que nunca havia ficado tão feliz por alguém em toda a minha vida. No dia, foi como se quem tivesse sido convocada para os Jogos fosse eu.

A euforia não diminuiu com o passar das semanas, mas definitivamente aprendi a lidar melhor com ela — pelo menos até receber a notícia de que ele havia pousado em Tóquio e tudo ficar real demais.

Os dias que se seguiram à selfie sorridente de um Pedro com cara de sono no terminal de desembarque do aeroporto passaram em um borrão de ansiedade e expectativa. Mamãe havia mais uma vez me arrastado com ela para Busan, com a desculpa de que eu mal teria a companhia dos meus amigos naquele verão, e estar tão perto deles, ainda que em outro país, estava me matando.

Diferentemente do Brasil, da Coreia para o Japão era um pulo. Um pouco mais de três horas de avião e eu estaria na cidade dos Jogos. Estaria com ele.

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