O amor de mãe

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   Eu amei ela, assim como ela amou sua filha. E meu pai sabia muito bem disso.

   Isso foi a anos atrás, quando a França ainda não se chamava por esse nome. Uma vila no qual como se nomeava não tinha e nunca teve importância. O que importava era o bosque de calor agradável da manhã e um frio confortante ao anoitecer. Aquele já foi meu lar e eu ainda lembro dele com carinho.

   O bosque se estendia a minha volta enquanto o percorria, carregando um cesto com comida em meus braços pequenos vinda da feira que deixei para trás a tempos. Eu passava pelo terreno disforme, tomando cuidando para não machucar o frágil corpo que tanto cuidava — e mesmo com tamanho cuidado, feridas costumavam aparecer como mágica, mas que mesmo assim me encantavam.

   O lugar onde comecei a passar meus dias eram uma pequena casa de materiais simples. A idade dela fazia com que árvores e suas raízes cresciam em seu entorno, tornando-a mais parte da natureza do que algo de presença e formação humana como foi contado a mim. Ela era reclusa da sociedade que condenava a pessoa que morava lá, assim como o bosque. Mesmo sendo tão diferente do lugar onde nasci, eu a amava.

   A ardência em meus pulmões de criança indicava a chegada do anoitecer e seu doce frio. Apenas apressei meu passo, me cobrindo de ansiedade por deixar a noite me ultrapassar, algo que nenhuma de nos permitia. "A noite é perigosa, mas ela é nossa doce amiga, Ange. Os homens possuem medo dela e do que ela poderia ocultar. Por isso devemos aproveitar enquanto, em sua boa vontade, ela nos permita chegar aqui antes de sua chegada"

   A noite podia sim ocultar coisas ruins, mas ela estava enganada. O dia que guarda os verdadeiros monstros.

   Uma luz alaranjada radiava pelas janelas, me guiando em sua direção. Meu lar efêmero. A frente da entrada, segurando uma vela em suas mãos, ela aguardava minha chegada. Lili sorria para mim e eu sorria de volta com amor.

— Mãe! — Gritei enquanto pulava para abraça-la.



   Se me perguntassem se lembro daquela casa, mesmo depois de tudo, eu responderia com outra pergunta: "Você esqueceria de seu lar? ".

   Ela era simples, desde de seus moveis a seus aposentos, unidos em um só. Havia também um vazio, já que éramos uma família de poucas poses nas quais nunca verdadeiramente precisamos. E mesmo assim, na dita miséria por outros, esta lembrança ainda está comigo com carinho.

   Eu lembro, inclusive, do cheiro da comida de Lili em cada parte daquela casa, e no dia em questão era ensopado de legumes. Uma lembrança que embora traga dor no coração, também me faz salivar.

— Filha... — Ela não conteve sua risada e se esticou para limpa meu rosto com um pedaço de pano — Você vai queimar sua boca de novo assim.

   Lili sorria para mim do outro lado da mesa, vendo eu enfiar as presas a comida em minha boca faminta. Ela deixava o seu ensopado esfriar — uma atitude que hoje copio — enquanto me observava com olhos cheios de amor e carinho, que tratei de retribuir da melhor forma infantil. Um sorriso com dentes e lábios sujos de legumes.

— Desculpa, mãe — Respondi — Mas tenho pressa para comer sua comida para gostar dela.

— Comendo mais devagar você aprecia melhor.

   Lili apenas balançou a cabeça, que eu poderia pensar em ser decepção se a não conhecesse, e sorriu. Ela deixou o pano ao meu alcance para que eu possa limpar a inevitável bagunça que faria.

— Como foi a feira hoje, filha?

— Ela estava cheia de coisas — Larguei o prato e tratei de fazer expressões com as mãos — E desta vez muita criança.

O amor de mãeOnde histórias criam vida. Descubra agora