Ela olhou para a bicicleta jogada no canto servindo de varal para os panos de chão. Já era quase meio dia e ainda não tinha ido comprar o que estava na lista de mercado porque sua irmã mais nova tinha entrado em convulsão de novo. Eduarda estava deitada com as costas amontoadas de travesseiros macios que sua mãe tinha deixado , seu papel era ficar de olho nela caso as crises voltassem a acontecer.
A respiração da mais nova estava mais leve agora , os olhos tranquilos não estavam mais se agitando debaixo das pálpebras. Sentada na cadeira que arrastou da cozinha de frente para a cama a mais velha percebeu que estava naquela posição a tanto tempo que o ombro de um estalo ao se mover, sentada com as mãos torcendo uma folha de papel inútil para controlar o nervoso , largou os pedaços de folha branca torcida em cima da cadeira e andou até a porta do quarto.
Mas algum impulso estranho a fez voltar antes de atravessar o portal de madeira para dar um beijo na testa da irmã. Seus olhos castanhos ficaram imóveis por uns segundos observando Eduarda se mexer , ela estava só dormindo. Só dormindo.
Na cabeça de Lúcia assim que ela se virasse a menor teria outra crise violenta de espasmos e morreria na mesma hora. Para falar a verdade essa cena estava passando pela cabeça dela toda hora , a cada minuto ela piscava forte e tentava se retirar daquela realidade cruel que sua mente inventou para torturá-la , e cara , como sua cabeça a torturava às vezes.
Lúcia não entendia muito bem de receitas médicas , mas tinha certeza de que você receberia alguma se fosse a um hospital. E a mãe das meninas estava com uma das mãos agora conferindo o estoque de remédios na caixa de primeiros socorros aberta em cima da mesa , já tinha deixado o nervoso escorregar pelos olhos , mas agora estava tudo bem. Sua mãe era baixinha de cabelo liso e curto , um pouco acima do peso e morena. A culpa de ter nascido magrela e amarela era toda do pai.
Suspirou novamente , e já estava com a bicicleta nas mãos agora. É , de vez em quando isso acontecia. Esse vácuo. Você está indo para um lugar e de repente seus pensamentos te capturam para outro lugar , e quando você vê , você passou do ponto de ônibus que devia descer. Isso era frequente pra ela , mas o barulho das presilhas de cabelo redondinhas e coloridas que tinha colocado na roda da bicicleta sempre a traziam de volta à realidade.
tic, tic , tic , tic
Quase engasgou de susto quando viu o grupo de garotos que estava na calçada da frente se comportando feito delinquentes. E eles eram mesmo. Mas Lúcia só conhecia um deles , o repetente insuportável da sua sala de aula , o tipo de idiota que parece gostar muito de ser um idiota e não se esforçar para absolutamente nada. Faz alguns dias que estava observando uma garota que sentava do seu lado , não era nada em particular , só tinha gostado dos sapatos keds vermelho-vivo balançando para lá e para cá no pé impaciente, gostaria muito de ter um deles ao invés das sapatilhas finas que faziam par com as meias ¾ brancas.
Michelle era uma das meninas mais sortudas que com quem ela já tinha falado. A vida perfeita era toda dela , ao menos na cabeça da Lúcia de 11 anos , estavam naquela fase terrível de pré adolescente onde você é novo demais para se vestir como os estudantes de 15 anos, no entanto velho demais para ser visto brincando com os brindes do Mc Donalds.
E Lúcia estava mexendo com um deles agora. Um cachorro poodle com a cabeça quatro vezes maior que o corpo servia como chaveiro na mochila que estava pendurada debaixo da carteira da sala de aula , o pelo branco maravilhoso , gostava muito dele. Estava apertando o cachorro e olhando para os tênis vermelhos pensando o quanto queria ser como Michele e ter aquele casarão , aqueles tênis e aquele cabelo liso lindo e ruivo.
A professora estava na frente da turma agora , com os óculos arreados e deformando o nariz distribuindo as provas. Helena era uma mulher de meia idade severa com suas avaliações , e Lúcia sabia disso , tinha passado a tarde inteira do dia anterior repetindo os conceitos de história até ser capaz de sonhar com eles.
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Castelo Bruxo
FanfictionLúcia costumava se questionar se os protagonistas dos livros que gostava ler tinham apreço pela ideia de morrer. Mas é claro que o risco a vida deixava tudo mais emocionante , envolvente. No entanto se ela fosse um deles , se pudesse de alguma for...