Capítulo 1
A ligação ( Parte 2)Dizem que as más notícias viajam à noite, por isso Ella não esperou o telefone tocar pela segunda vez, pouco antes da meia noite daquela quarta-feira.
- Alô? - atendeu, a voz ainda embargada pelo sono. Esperava ouvir a voz de um médico do outro lado da linha, ou talvez de alguma enfermeira de plantão no hospital em que sua mãe encontrava-se internada. Para sua surpresa, porém, ouviu a voz da telefonista, perguntando:
- Chamada a cobrar da senhora Seher Kirimli, de Antep. Posso completar?
Ella sentou-se depressa na cama e apalpou a mesa de cabeceira, a procura do interruptor.
- Claro, pode completar - respondeu afinal, protegendo os olhos com a mão depois de acender o abajur.
Havia três semanas que tentava entrar em contato com a amiga , e de repente parecia que suas preces seriam atendidas.
- Ella?
A luz fraca pouco repeliu as sombras para os cantos do quarto do luxuoso apartamento em que morava com a mae em Izmir. Afastando o emaranhado dos cabelos castanhos do rosto, ela perguntou:
- Por onde tem andado, Seher? Estou tentando falar com você desde o domingo, e só quem me atende é a sua caixa postal .
- Não estou na mansão, Ella a-aconteceu muitas coisas esses dias e ... e tive que fugir! Eu preciso te contar algo que eu , que e-eu - Seher respondeu, a voz falhada quase inaudível.
Ella , franziu as sobrancelhas.Em se tratando de Seher, fugir era novidade. Graças a Deus, portanto, que resolvera fazer uma de suas raras ligações naquela noite. Ainda mais a cobrar !
- Seher, preciso...
Mas Seher interrompeu-a com um sussurro trêmulo.
- Ella, amiga me ajude . Estou desesperada... Fiz algo horrível.Eu preciso de você! Eu acho que ... E-eu ..Eu Atirei nele .... Eu atirei! Disse Seher incoerente e aflita.
Ella sentiu aquelas palavras ecoaram no fundo de sua mente. Deixou-se cair contra a cabeceira de vime da cama larga. Na parede oposta, apesar da semi-escuridão do quarto, o espelho oval refletia sua imagem.
Alta , tinha os cabelos castanhos e escuros, descendo em cachos até os ombros. Olhos azuis de uma intensidade impressionante. Ella tinha presença por onde quer que passava .
- Que tipo de assunto é esse, Seher? - perguntou, fechando os olhos para não ver mais a imagem no espelho.
Ouviu a amiga respirar fundo antes de dizer:
- Antes de contar , vc poderia vir me buscar na rodoviaria de Antep ?Sei que é longe ...mas por favor Ella ... Me ajude ! Estou com Yusuf e ele esta tão assustado! Implorou seher aos prantos.
-Me conta o que aconteceu Seher ! O que houve , porque voce está chorando assim ? Afligiu Ella
- Allah , Ella . Eu atirei no Yaman e fugi com Yusuf ! - Por alguns instantes o telefone ficou mudo, mas de repente sua voz voltou a soar, bastante nervosa dessa vez: - Eu atirei nele , e nem sei se ele está vivo ! Nao olhei para trás .. eu nao olhei !
Ella arregalou os olhos na mesma hora e deparou-se de novo com o espelho oval, agora mostrando-lhe o rosto muito pálido.- C-como? - conseguiu balbuciar.
- Isso mesmo que você ouviu. Estou com Yusuf aqui em uma cafeteria da rodoviaria . Ele está dormindo ...mas esta assustado ! - Continuava sussurrando, como que com medo de que alguem pudesse ouvir-lhes a conversa. - Eles me encontrarão se eu ficar por aqui. Não sei mais o que fazer. Chorou Seher desesperada.
Ella sentiu o estômago dar um nó, como se seu organismo tentasse vingar-se por submetê-lo a choque tão grande àquela hora da noite.
- Espere, explique melhor. Você atirou no Yaman , fugiu com Yusuf sem olhar para trás ?Seher , amiga , voce esta se ouvindo ???
Seher ficou de joelhos no chão junto a mesa e afundou o rosto entre os braços, enquanto sustentava o telefone com o ombro. Voltou a respirar fundo e segurou a respiração. Antes de mais nada, tinha que controlar-se, pelo sobrinho.
Ella dobrou os joelhos e encolheu-se toda na cama.
- Eu sei Ella , mas você irá me entender quando eu te contar tudo , só vem me ajudar por favor ? Implorou a amiga .
- Tudo bem . Eu te ajudo.
Ella estava atónita. Desde o ataque de coração de sua mae , havia três dias, sentia-se personagem de um pesadelo. A idéia de perdê-la era terrível e inaceitável. Precisava conversar com alguem sobre isso e o noivo nao atendia suas ligações também, Deixando Ella preocupada . Seher se tornara sua melhor amiga e sempre lhe oferecia apoio. Mas de repente tudo parecia distante, como se em seu coração não houvesse lugar para mais surpresas e a vida não lhe reservasse outro papel senão de espectadora de dramas intermináveis. Nem sequer conseguia falar.
Seher, no entanto, não deu mostras de estranhar o mutismo da amiga . E continuou despejando palavras urna atrás da outra pelo telefone, naquele seu sussurro perturbador.
- Nadin não vai me deixar em paz. Eles estão nos procurando por toda a parte. Eu sinto muito, não queria deixar você e Ada preocupadas, mas tinha que conversar com alguém. So tenho voce Ella . E mais ninguem . Toda essa situação .... Soluçou seher .
Ada. A simples menção do nome da mãe devolveu Ella à dura realidade. Engolindo em seco, procurou falar devagar mas com firmeza, principalmente para que a amiga a ouvisse bem não a obrigasse a repetir:
- Seher, Mamãe, está no hospital.
- Oh Deus, não! - Seher exclamou, quase sem fôlego.
- Não se aflija, o pior já passou. Mas ela ainda corre sério risco de vida. Parece que há um bloqueio em suas artérias e vão ter de operá-la na terça-feira. Por isso venho tentando entrar em contato com vocês. Até o Ozan não atende minhas ligações .
- Ella, eu sinto tanto ... Eu despejando meus problemas pra você e ...
Ella sabia como completar a frase. Sentia a mesma coisa. Quando o pai dela morreu, Ada assumiu o papel de pai e mãe com grande amor e carinho. O mundo sem a mãe era inimaginável.
- O médico se diz otimista quanto à operação. Ella falou .
_Gracas a Deus ! Seher voltou chorar copiosamente!- Seher ? Porque voce atirou no Yaman ? Ella disse mudando de assunto abruptamente.
- Você atirou e fugiu porque ?O que Yaman fez ? Perguntou a amiga .
- Nao me conta agora , irei busca-los .Eu vou me arrumar e dentro de duas horas estarei em Antep. Me espera tamon .
- Tamam! teşekkürler - Seher agradeceu .No mesmo instante fez-se um ruido surdo do outro lado da linha e o telefone ficou mudo.
Ella continuou imóvel durante algum tempo. Afinal lembrou-se de devolver o fone ao gancho, para logo em seguida voltar a apanhá-lo e discar o número do hospital. Conversou com a encarregada da unidade de cardiologia sobre o estado de saúde da mãe e ficou sabendo que continuava estável. Desligou e ficou sentada na cama, no mais completo silêncio.
Como era possível que mudanças tão dramáticas acontecessem em um espaço tão curto de tempo? Vivia bem, com conforto, sem maiores sobressaltos. Depois de todas as incertezas e correrias com o noivado, nada a atraía mais que a paz e a rotina.Ella levantou- se da cama e foi se arrumar . Pensando no qual era o problema da amiga .
Seher fechou os olhos e sentou no banco ,junto ao sobrinho , dobrando os joelhos se encolhendo toda, como que se protegendo . Fazia muito tempo que não se sentia tão só e abandonada. E isso lhe dava medo. Muito medo.