Gael sente todo o seu corpo tremer, seu coração pular dentro de seu peito e sua respiração falhar. Esperava há meses por uma ligação, um sinal de vida qualquer de Abgail e quando finalmente teve, não se deu ao trabalho de ao menos olhar quem era.
Pensou por meio segundo se deveria ligar de volta mas quando viu já estava com o seu celular no ouvido, tentado conter os ânimos e parecer o mais sério possível mas tudo deu errado quando ouviu a voz doce dela dizer calmamente o seu nome do outro lado da linha.
- Gael? - chamou Abgail.
- Ab-Abgail! - Gael não pôde conter uma risada ao perceber que finalmente ela o atendeu - Quanto tempo! Você não tem ideia do quando eu senti sua falta e de como os últimos dias foram uma loucura! Eu acabei tendo que tomar algumas decisões totalmente fora da caixa e... bom, na verdade, me desculpa! Eu sei que eu fui um merda com você e...
- Gael... - Abgail interrompeu ele de seu falatório - Me diga, onde você está agora?
- Pode parecer loucura, mas sabe a antiga charneca queimada? Então, meio que transformaram o lugar e agora existem vários chalés para aluguel e eu estava ficando louco no meu apartamento então... - Gael sorriu nervoso, percebendo que acabara de revelar sua localidade pelo simples fato de que não conseguia esconder nada dela.
Abgail permaneceu em silêncio, esperando algo a mais.
- Eu estou no primeiro chalé da charneca, o maior de todos. - Gael suspirou - Você vai saber qual é porque é o único que tem dois quartos e não está com a chaminé acesa. Eu devo te esperar?
- Sim. - Abgail respondeu tranquilamente. - É bom que tenha dois quartos, chegarei ao anoitecer. Acenda a chaminé, espero que não se importe se eu passar uma noite com você.
E então, sem dizer mais nada, ela mesma encerrou a ligação.
Gael sentiu seu corpo todo arrepiar com uma ansiedade desconhecida. Abgail não quis saber seus motivos para fugir, não perguntou sobre as muitas mensagens no correio de voz que ele havia deixado e nem como ele estava. Era estranho mas não vindo de Abgail, ele nunca soube a decifrar.
E por um momento, finalmente idealizou que a veria! Depois de tanto tempo, ela estava indo ao encontro dele e passaria a noite... e mais uma vez Gael lamentou ter dois quartos em seu chalé. Não porque não queria recebê-la, mas porque sabia que não dormiriam juntos e que ela não estava indo lá para resolver as coisas. Pelo menos não da forma que ele desejava.
Queria que ela chegasse e que eles conversassem. A conversa seria tão boa que ele não pensaria duas vezes em abrir uma garrafa de vinho tinto e quando menos esperassem, estariam rindo de tudo que aconteceu! E então, estariam perdoados, reconciliados e apaixonados mais uma vez. Então ele a beijaria, sim! Ele que a beijaria dessa vez, ele que tomaria a atitude e a surpreenderia! E ela ia ficar tão apaixonada e tão entregue que fariam o melhor sexo da vida deles (porque o melhor sexo sempre era aquele depois das grandes brigas).
E então o aluguel da charneca iria expirar, eles voltariam para o apartamento dele e ele a pediria em casamento. Superando todas as diferenças.
Porque ele a amava incondicionalmente e ela era o que trazia ao menos um pouco de luz aos dias dele. Ele estava decidido.
Mas no fundo, conhecendo Abgail como ele conhecia, isso nunca iria acontecer.
Ela era linda, amável, tinha uma luz que era só dela e uma personalidade adorável mas sabia exatamente o que queria. Nada tiraria isso da cabeça dela, afinal, se ela quisesse estar por perto já estaria. Se amasse mesmo a ele, não teria o condenado com o seu silêncio só para aparecer mais uma vez e fazer com que ele esquecesse toda a mágoa. Não.
Provavelmente ela só iria até lá para formalizar o término que eles nunca tiveram, colocar as coisas no lugar e passar aquela noite ao lado dele apenas para torturar o seu pobre coração. Por fim, ao amanhecer ela desapareceria, exatamente como ela fez da última vez.
[...]
O sol se põe. Gael já não aguenta a ansiedade e agora esperava, impacientemente, a sua amada surgir dentre o bosque. Sabia que ela viria pois foi o que ela disse - e Abgail nunca voltou atrás com a sua palavra.
O quarto dos fundos estava impecável, com novos lençóis perfumados e a lareira acesa aquecendo todo o lugar. A neve espessa já começava a cair tomando conta de toda a charneca, caía impiedosa e esfriando cada vez mais o lugar.
Mesmo que por uma única noite, seria difícil ceder todo o quarto e a única lareira para Abgail. Talvez ela não se importasse se ele dormisse em um colchão no chão ou algo assim. O frio era tanto que Gael sentia seus pelos arrepiarem por baixo de sua blusa.
Mas nada se comparou com o arrepio que sentiu quando a viu descer com dificuldade o vale que levava até a sua charneca. Abgail.
Ela não estava trajada de forma adequada para o frio que fazia. Estava com um dos seus muitos vestidos de linho, este era verde pistache e deixava seus ombros nus. Seus pés congelaram em pequenos chinelos brancos e ela carregava em suas costas uma grande mochila. Provavelmente estava vindo de uma temporada na casa de algum amigo, já que Gael conhecia alguns deles por aquela região.
Estava tirando sua blusa para vestir nela quando ela disparou em sua direção. Corria descompassada, quase tropeçando na neve que a essa altura já cobria seus pés. Gael não teve reação e, como sempre, vindo de Abgail ele não sabia o que esperar e tampouco o que sentir quando ela se atirou em seus braços.
Sentir o corpo pequeno e gelado de Abgail em contato com o seu corpo quente só não causou um choque térmico maior do que quando ela, gentilmente, pousou seus lábios sobre os dele.
Gael continuou sem entender e sem saber o que fazer, só deixou que ela brincasse com ele mais uma vez.
Ela foi o empurrando chalé a dentro, trancando a porta logo atrás de si. A cada passo que dava, se despia de suas poucas roupas e Gael, sem entender, fez o mesmo.
Quando finalmente pôde respirar, estava deitado no quarto dos fundos, aquecido pela lareira e pelo calor daquela linda mulher nua que estava por cima dele e só agora ele percebeu como ela havia mudado.
Seus cabelos agora estavam na altura dos ombros, muito mais volumosos agora. Estava ainda mais bronzeada, será que esteve na Califórnia mais uma vez?
Seus olhos o olhavam de forma que ele não decifrava, mas sabia que havia saudade ali. E muita. Suas pupilas dilatam junto das dela e ele não acreditava no que estava vendo. Era como um sonho bonito mais uma vez, só que agora ela estava ali e ele também; podiam se amar mais uma vez.
E Gael estava certo: o melhor sexo deles sempre era aquele depois de uma grande briga.
[...]
Acordou mais uma vez com raios de sol tímidos entrando pela pequena janela do quarto dos fundos, olhou o relógio em seu pulso que marcava as 05:15h da manhã. Suspirou assustado, procurando incessantemente pelas mãos da sua amada, achando que só havia sonhado e delirado com ela mais uma vez. Estava errado.
Seu coração se tranquilizou quando suas mãos pousaram sobre a dela e quando pôde a ver deitada ao seu lado e dormindo tranquilamente. Seus cabelos bagunçados e as marcas do que fizeram na última noite só a deixavam ainda mais bonita.
Beijou-a em sua testa e sussurrou, eu te amo, Abby.
Sua tranquilidade em ter sua amada do lado se misturou com uma confusão quando percebeu que a lareira estava apagada por nada mais, nada menos que neve. Muita neve.
Tanta neve que cobria parte da janela do quarto dos fundos e provavelmente todas as saídas da casa também.
Estavam soterrados.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Quarto dos Fundos
HorrorGael Webber já não sentia mais nada, tampouco tinha alguma coisa que o motivasse. Chegava aos seus 38 anos de idade com um profundo vazio crescente em seu peito e por mais que tivesse um bom cargo, bons amigos e uma família que o amasse, ainda assim...