𝙋𝙍𝙊𝙇𝙊𝙂𝙊

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ELA NÃO ERGUERIA A CABEÇA.

Nada no mundo a faria erguer o rosto e os olhos para a rainha de Terrasen, para seu consorte, ou para o macho feérico ao seu lado. Outro de seu jurado de sangue, seu mais fiel soldado e integrante de sua Corte.

Nada a faria se render a eles.

Bom, mesmo que ela estivesse rendida. E algemada. E sendo arrastada contra sua vontade por um macho feérico de cabelos castanhos medianos, impaciente, e que se juntou à corte recentemente. Outro jurado de sangue.

Lorella se manteve em silêncio pela maior parte do encontro com o macho feérico. Desde o momento em que sentiu o cheiro dele se aproximando começou a temer, mas tentou dizer a si mesma de que tudo estava bem e que ele provavelmente não estava atrás dela — mesmo que, no fundo, ela soubesse que era mentira e que estava enganando a si mesma.

Tentou se manter calma e fazer com que ele perdesse seu rastro pelas vielas da cidade, na parte mais bagunceira de Orynth, mas o macho estava apenas a enganando. Enquanto ela se distraía pelas ruas, ele a seguia pelos telhados, e Lorella mal o percebeu quando ele a interceptou no fim de um beco particularmente vazio e cheio de caixas e sacos de lixo.

Fora uma verdadeira luta entre os dois. Lorella não desistiria sem lutar, e definitivamente preferia morrer naquela viela escura e nojenta do que ser trancada outra vez em uma cela. Ela preferia morrer lutando do que ser morta no silêncio obscuro de uma salinha onde ela teria apenas os próprios pensamentos como companhia.

Mas Lorella não estava preparada para lidar com aquele macho em específico. Ela sabia quem ele era — nunca tinha o visto, mas ouviu burburinhos sobre sua chegada ao castelo da rainha, e o que isso implicaria para todos. Ele foi um integrante de elite da corte da rainha valg, Maeve. Compartilhou batalhas com o consorte de Aelin, Rowan. Ninguém sabia ao certo porquê Vaughan, um grande guerreiro feérico, decidiu se juntar à Aelin depois de três anos da última grande guerra contra Erawan e todos os malditos valgs.

Mas motivos ele devia ter, só não os diria para a população. Muito menos à Lorella, mesmo que isso lhe deixasse com uma coceirinha atrás da orelha.

E, maldito seja Vaughan, ele a imobilizou em menos de dois minutos de luta. Ela jamais se esqueceria da vergonha de ser jogada de cara em uma poça de água suja — dos últimos resquícios da neve que derretia, dando início à primavera. Ou ao menos a jovem esperava que aquilo fosse neve derretida. Mesmo que o gosto pútrido permanecesse em sua boca e resquícios de água preta em metade de sua face. Ela não daria o gosto à eles para subjugá-la ainda mais.

Bom, mesmo que não precisasse fazer nada por isso. Sua aparência por si só já era algo terrível. Horrendo. Algo que sua mãe sentiria repulsa. Lorella sabia que a mãe deveria estar se revirando debaixo da terra por ver no que a filha se tornou — em uma vida inútil e desperdiçada.

Havia semanas que ela não penteava os longos cabelos pretos e cacheados. Os fios eram compridos e quase sempre um emaranhado de fios escuros frequentemente presos em um coque no alto da cabeça, ou enfiado dentro do capuz de sua capa. Havia pelo menos dois dias que não tomava banho, já que o dinheiro para uma estalagem havia acabado, e o que lhe sobrou ela estava guardando para comer ou subornar um capitão razoavelmente bom que poderia a levar para o continente sul. Lorella ainda não havia decidido qual das duas opções valia mais a pena — comida ou sua passagem para Antica.

E ela deduzia, ao menos, que o hematoma em seu corpo causado pela luta com Vaughan deveria estar cicatrizando e sumindo — deveria, se o maldito não a tivesse apertado seu rosto contra o chão duro e arrastado sua bochecha pela pedra áspera e úmida, causando arranhões nas bochechas. Lorella sentia o sangue coagular e secar em sua pele, mas ainda sentia o resquício do líquido em sua pele.

E, céus, ela estava magra! Sabia disso. Com clavículas proeminentes, braços finos e coxas fracas, além de olheiras e pele extremamente pálida. Era algo que vinha a acompanhando, na verdade.

Às vezes agradecia aos deuses — que não mais existiam — que sua mãe não pudesse lhe ver desta forma. Mas se lembrava que sua mãe jamais a veria de qualquer outra forma, e que ela não passava de cinzas ao vento agora.

O macho a leva pelo salão com chão de mármore, empurrando seu ombro com força. Ela se recusa a olhar para cima enquanto caminha, sentindo sua boca seca. Fixa seus olhos em suas botas enlameadas e gastas enquanto caminha, levando um pé depois do outro, em direção ao que deduz ser seu fim. Ele a empurra outra vez, e Lorella engole o rugido que lhe sobe a cabeça, quase fazendo se virar e arrancar um pedaço do rosto do feérico com seus próprios dentes.

Ela continuaria andando — porque definitivamente não sabe o que há em frente —, porém o macho aperta a corrente que se estende por seus grilhões, a puxando, fazendo-a parar. A cinco centímetros de seus pés há um degrau. Um degrau que ela sabe que levaria a um trono.

Então Lorella Asha Bico Negro Holdwyn sabe onde está.

E não erguerá a cabeça. 

✓𝑹𝑬𝑪𝑳𝑨𝑰𝑴𝑬𝑹 | (𝘛𝘖𝘎) - FINALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora