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Acordei com uma leve dor no pescoço por ter dormido encostada em uma árvore. Guardo minhas coisas na grande mochila que meu pai tinha me dado e vou em direção a cidade com a barriga roncando de fome. Eu não comia tinha...8 horas e o coelho que comi ontem estava bem magro.

Observo minhas mãos, coisa que eu sempre faço para verificar se não estou passando mal, e vejo que estava faltando um anel. Meu corpo fica gelado. Alguém ou alguma coisa me roubou. Cerro os punhos e olho ao redor. Aquele anel era meu favorito, foi difícil para roubá-lo. Tinha detalhes em vermelho e o metal era raro, sabia disso por conta dos olhares que recebia quando alguém percebia que estava usando ele.

Não tem pegadas no chão e o cheiro continuava sendo de algo queimado e das folhas da floresta. Não é possível que eu simplesmente tenha perdido, sou cuidadosa demais com minhas coisas, principalmente com esse anel.

Meu estômago ronca e eu xingo alto. Se eu ficasse para procurar meu anel eu provavelmente iria desmaiar, e isso não é uma possibilidade. Suspiro e continuo andando, mesmo relutante, para a cidade.

As casas são muito diferentes. Em Velaris são feitas de madeira escura e aqui são feitas de algum material alaranjado parecido com concreto. De longe uma das arquiteturas mais belas que já vi. Quase todos os feéricos daqui tem cabelos ruivos e a pele salpicada de sardas. Minhas asas e meus cabelos escuros chamavam atenção como um holofote e por mais que eu esteja com um capuz, quase todos me olhavam de soslaio. Isso não é bom...

A cidade ainda estava acordando e entro em uma padaria que parecia bem aconchegante. Sou recebida com simpatia e faço meu pedido. Um pão, torradas e três ovos mexidos. Depois de comer, começo a pensar na forma que vou pagar por tudo isso.

—Pela Mãe! Eu esqueci meu dinheiro em casa, aceita outras formas de pagamento?— pergunto para a fêmea que me atendeu e ela me analisa por alguns segundos.

—Que forma de pagamento? — ela pergunta um pouco desconfiada e eu sorrio ao ver um par de brincos brilhantes na orelha dela. Ela gostava de jóias... ótimo. Retiro um par de brincos de diamantes do bolso e vejo os olhos dela brilharem.

—Ficariam lindos em você — falo e sorrio. Percebo que havia alguém me olhando e tento falar mais baixo. Viro meu rosto devagar e vejo um macho que certamente não era daqui. Ele me encara com o rosto sério e eu não desvio o olhar. Ele olha para os brincos na minha mão e o copo que estava em sua mão se estilhaça. Estremeço e desvio o olhar. —Faça um bom uso — coloco os brincos na mão delicada da fêmea e saio da padaria praticamente correndo.

Aquele macho provavelmente era da Estival, a pele negra com um brilho dourado falavam tudo. E aqueles brincos...eu tinha roubado eles de uma Grã-Senhora da Estival.

Ando pelas ruas procurando alguma pousada. A graça dessas pousadas são que eu sempre acho algum objeto nos quartos que eu posso trocar por dinheiro. Uma coisa que aprendi é que em todo lugar tem uma loja de penhores que troca qualquer coisinha por dinheiro. E isso tem sido essencial para mim.

Entro em uma pousada pequena mas aconchegante e escolho meu quarto. A feérica me disse que tem um banheiro em cada quarto e se eu precisasse de algo era só tocar o sininho.

A Outonal é de longe a Corte mais receptiva. O resto me tratou com indiferença e alguns até desdém. Aqui, todos fizeram questão de elogiar minhas asas e recomendar lugares em que eu devia ir.

Coloco minha enorme mochila na cama e começo a vasculhar o quarto. Embaixo do colchão, duas notas de dinheiro. Nas gavetas apenas algumas meias e moedas. No banheiro, sorrio ao ver uma correntinha de prata brilhando na banheira.

Se eu não tivesse achado nada, eu teria que recorrer para o plano B, que era vender alguns dos meus desenhos e fazer caricatura na rua. Os feéricos amam isso. Amam saber o jeito como as pessoas os vêem.

Abro a torneira e preparo um banho quente para mim. Talvez eu saísse hoje para algum bar, conhecer pessoas novas.

🔥Eris🔥

Hélion está passando algumas semanas aqui com minha mãe e, só porque eu jurei para ela que não brigaria com ele, evito conversar quando ele está perto. Hélion não deixa passar uma oportunidade de me provocar e eu não deixo barato quando isso acontece, então prefiro não falar nada.

Eles combinaram assim, Hélion passa alguns meses aqui e depois leva minha mãe para lá. Fico feliz de vê-la feliz, ela merece bem mais do que felicidade depois de tudo o que ela passou.

Grewn entra no meu escritório com a mão na espada e eu fico de pé automaticamente. Quando ele coloca a mão na espada, sem ser para lutar, significa que algo está ruim.

—Meus homens notaram um número expressivo de imigrantes — ele fala e passa as mãos nos cabelos ruivos. Relaxo os ombros e cruzo os braços.

—Só isso? — pergunto com uma sobrancelha arqueada.
—Alguns deles disseram que vieram acertar contas aqui — ele dá de ombros — Não sei por que fiquei tão preocupado.

Grewn sorri fraco.
—Minha Corte não é um lugar para acertar contas — falo e sento na cadeira novamente. —Fique de olho neles, em todos. E se estiverem causando intrigas mande-os embora — falo olhando para ele e o comandante assenti e se senta, sua armadura reluzindo a cada movimento.

Grewn é um amigo de longa data, nos conhecemos em um bar e depois viramos praticamente irmãos. Prometi que ele seria meu comandante quando assumisse o trono e cá estamos. Ele é um ótimo comandante, sempre fez tudo o que pedi e confio muito nele.

—Vai dormir com quem hoje? — ele pergunta em tom divertido e eu sorrio de lado.

—A mesma de ontem, ela é boa — estico as pernas e ouço ele gargalhar.

Depois de alguns horas conversando sobre fêmeas e assuntos diplomáticos, Grewn me convida para ir ao bar com ele.

—Tem tempo que você não sai para se divertir, só faz bailes chiques e fica aqui o dia inteiro — ele aponta com o queixo para o lugar onde estou sentado. Bebo um pouco de café e suspiro. Realmente, eu fazia bailes quase toda semana e sinto falta de lugares menos informais.

E sobre ficar o dia inteiro no escritório, não posso fazer nada se é o lugar onde me sinto mais seguro e confortável. Mais até do que meu próprio quarto, já que ele é bem movimentado.

—Tudo bem, sinto falta de me embebedar com você — Grewn comemora com um aperto de mão.



notas da autora:
o Hélion 😭

Cortes de Chamas e MemóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora