×The Scar× [ᶜʰᵃᶰˡᶤˣ]

|07|

A vida precisa ser renovada. A morte é a mudança que estabelece a renovação. Quando alguém parte, muitas coisas se modificam na estrutura dos que ficam e, sendo uma lei natural, ela é sempre um bem, muito embora as pessoas não queiram aceitar isso. Nada é mais inútil e machuca mais do que a revolta. Lembre-se de que nós não temos nenhum poder sobre a vida ou a morte.
Ela é irremediável (...)

—Sua omma é agil, em questão de alguns minutos já está a limpar os cômodos do andar de cima.

—Ela sempre foi assim, queria poder ajudá-la mas meu braço ainda dói.–Comentei me sentando a mesa com ele.

—Café?–Me ofereceu.

—Oh não, obrigado, não posso.

—Proibição médica?.–Questionou bebericando o mesmo, foi me oferecido torradas com leite e então eu aceitei.

Estranhamente me sentia em casa..

—Sim, é cafeína afinal, não posso ingerir nada que contenha cafeína afinal acelera os batimentos e tudo o que preciso daqui pra frente até me recuperar cem porcento é ficar calmo, meu coração ainda está cicatrizando.–Bangchan  paralisou por uns segundos e abaixou o olhar.

—Transplantou um coração?

—Si..sim..

(...)

Era óbvio agora, fazia sentido. Felix havia recebido um coração, isso indicava o fato dele não poder movimentar o braço esquerdo -enfaixado com frequência-, não ingerir nada que contenha cafeína, tudo faz sentido. O transplante de coração é delicado e a recuperação é lenta.

Meu namorado se acidentou como ele, mas diferente de Felix, MinHo não sobreviveu, ainda me lembro quando me ligaram pedindo uma autorização secundária para a doação de órgãos dele e eu aceitei. Fiquei feliz em saber que seus rins, pulmão e fígado iriam ser doados para quem realmente precisava.

Mas o resto, o resto apenas morreu com ele.

Enquanto eu aparava a grama faltando apenas um pedaço pra terminar, parei e me sentei no gramado pra descansar. Vi Felix se aproximar com um copo em mãos.

—Toma, é bom pra refrescar, vejo que esta cansado e suado.–Me entregou uma limonada gelada, a bebi no mesmo instante.

—Obrigado, deveria estar na sala descansando.... mas Obrigado–Sorri vendo ele se sentar ao meu lado.

Ficamos em silêncio por um tempo até ouvirmos sua omma chamar para o almoço.

(...)

Chan e eu nos alimentamos bem, como omma pediu que eu não a ajudasse pois queria que eu descansasse na sala, eu caminhei até lá a obedecendo. Logo o mais velho veio atrás, conversamos por bastante tempo sobre nossas vidas, nos conhecendo melhor.

—Sinto muito por MinHo, sei que ele era um bom Homem.–Suspirei contristado.
Deveria ser horrível perder alguém que se ama.

—É, ele era o homem da minha vida, as vezes sinto que nunca irei amar outra pessoa além dele, por mais que ele não esteja aqui.–Comentou com o olhar fixo em algum ponto da sala.

—Sabe o que penso.–Dei uma breve pausa.—Que... as coisas não funcionam assim.–Ele me encarou curioso e meio assustado talvez, não consego decifrar ao certo sua expressão. —Se MinHo estivesse aqui ele com certeza te diria pra continuar sua vida e ser feliz, eu sei que não é fácil, também perdi meu pai e ainda é doloroso, mas eu e minha mãe seguimos a vida mesmo com a dor. Então continue sendo feliz e seguindo sua vida, tendo um relacionamento ou não, mas nunca diga nunca para as coisas que ainda virão.  MinHo se sentiria feliz se você encontrasse alguém, ou até mesmo que..

—Chega!!.–Fiquei em silêncio e abaixei o olhar, falei demais talvez? mas eu só queria ajudar.

—Eu jamais trairei o amor de MinHo. Ninguém mais importa pra mim entendeu?.–Ele tinha sangue nos olhos, confesso que senti medo.

—Me..me perdoe Chan eu não quis ofendê-lo só estava te ajudando a ver que você pod...

—Apenas cale-se e não toque mais nesse assunto, você não sabe nada sobre nós.– Ele se levantou me deixando sozinho e voltou a cortar o gramado com mais raiva  nos atos, o modo como impulsionava a máquina era como se estivesse escavando um buraco contra o tempo.

(...) O inconformismo, a lamentação, a evocação reiterada de quem se foi, a tristeza e a dor podem alcançar a alma de quem partiu e dificultar-lhe a adaptação na nova vida (...)

Observei pela janela lateral do cômodo.

Sinto muito, é a verdade e você sabe disso, só queria te ajudar. Fiquei um pouco chateado da maneira como ele falou comigo mas ignorei e me concentro no canal de culinária que iluminava a tv gigante.

Porém meus pensamentos ainda estavam fixos no ocorrido, um dia talvez ele entenda o que eu disse, um dia talvez ele se apaixone por alguém e volte a viver normalmente. Superar? Jamais. Saudades? Sempre terá. Mas a vida não pode parar, ela foi feita para ser contínua. Só quero que ele viva bem.

"A saudade eterniza a presença de quem se foi. Com o tempo esta dor se aquieta, se transforma em silêncio que espera, pelos braços da vida um dia reencontrar".