Os gritinhos se transformavam em risadas arrastadas, as luzes estavam acendendo outra vez. O filme de terror tinha terminado, mas a música lenta dos créditos ainda subia junto com as letrinhas amarelas. Jiang Cheng checou o celular pela primeira vez em duas horas e desativou o silencioso. Ligou os dados móveis, mas a rede não pegava nas salas do cinema, então ele guardou o aparelho, pegou o próprio lixo e se dirigiu às escadas, como os outros faziam também. Assim que levantou o pé, tropeçou, estava pisando no próprio cadarço. Revirou os olhos, não sabia nem que tinha desamarrado, mas colocou o pé um degrau acima e se abaixou pra refazer o laço. Haviam poucas pessoas por lá, era a última sessão e o relógio marcava quase dez da noite quando olhou, então tentou se apressar com os cadarços. Soltou um muxoxo ao terminar, estava faminto e mal via a hora de sair correndo dali, devia ter esperado o marido pra assistirem juntos, e agora...
Um calafrio correu sua espinha no segundo antes de se erguer, engoliu em seco e olhou ao redor. Ele estava sozinho. Mas, claro, as pessoas simplesmente saíram! Cheng passou a subir a escada de dois em dois degraus. Mas algo chamou sua atenção, as luzes estavam...apagando? Eles não esperavam a última pessoa?!
— EI! Espera, eu ainda... — uma silhueta se projetou no topo da escada e uma luz branca piscou duas vezes. O lanterninha parecia segurar o riso. Cheng deu risada baixinho, mas se xingava mentalmente pela vergonha. Agradeceu com um movimento da cabeça ao atendente e continuou andando até sair da sala.
Se dirigiu imediatamente pra praça de alimentação, tinha se atrasado pro filme, apesar da pipoca ainda estava morrendo de fome, mal via a hora de pedir seus dois hambúrgueres de sempre e contar todos os spoilers ao marido. E ao lembrar dele, puxou o celular outra vez. Mirou a mesa vazia mais próxima e voltou os olhos ao celular, checando o sinal, mas ainda estava incomunicável. Tropeçou na base da mesa e revirou os olhos, deixou a bolsa sobre a mesa e guardou o celular. Depois de jogar o lixo fora, foi rapidamente pra lanchonete mais próxima, não queria perder a bolsa de vista mesmo que não tivesse nada de tão importante lá dentro. Pegou a ficha, pagou pelo pedido e sentou.
Batia os dedos na mesa enquanto esperava, quase se afundando na cadeira por tédio, e decidiu lembrar da trilha sonora do filme. Tinha sido tão legal! Mal via a hora de falar pro marido, ele gostava daquelas músicas velhas. Enquanto esperava a internet colaborar, começou a analisar as pessoas a sua volta. Poucas pessoas, pouquíssimas, assim como tinha sido no cinema. Na verdade, fora um casal, uma família estava terminando de comer. Os empregados das lojas já estavam abaixando as portas. Olhou na direção da lanchonete que tinha feito o pedido, torcendo pra não demorarem muito mais, e finalmente olhou o celular. Estava com internet! E as notificações estavam começando a voltar. Algumas mensagens do marido, foi a primeira coisa que abriu. Avisou que já estava voltando e recebeu mensagens preocupadas, o que o lembrou que não tinha avisado que sumiria por algumas horas, então esqueceu as mensagens e ligou de uma vez. Foi atendido quase imediatamente, e sorriu quase esquecendo de todo o resto.
— Oi, amor!
— 𝘖𝘯𝘥𝘦 𝘧𝘰𝘪? 𝘝𝘰𝘤𝘦̂ 𝘯𝘢̃𝘰 𝘥𝘪𝘴𝘴𝘦 𝘯𝘢𝘥𝘢, 𝘢𝘤𝘩𝘦𝘪 𝘲𝘶𝘦 𝘷𝘪𝘳𝘪𝘢 𝘥𝘪𝘳𝘦𝘵𝘰 𝘱𝘳𝘢 𝘤𝘢𝘴𝘢, 𝘮𝘦 𝘱𝘳𝘦𝘰𝘤𝘶𝘱𝘦𝘪... 𝘖𝘪, 𝘮𝘦𝘶 𝘣𝘦𝘮. 𝘚𝘦 𝘥𝘪𝘷𝘦𝘳𝘵𝘪𝘶?
— Desculpa, eu me distraí... mas sim, me diverti, vim ao cinema! Assisti um filme de terror, quase fiquei sozinho na sala, agora pedi comida pra levar pra nós comermos juntos. Estava pensando em pegar sorvetes, mas acho que vão derreter. Você acha que eu chego aí rápido o suficiente?
— 𝘌𝘶 𝘱𝘳𝘦𝘧𝘦𝘳𝘪𝘳𝘪𝘢 𝘲𝘶𝘦 𝘥𝘪𝘳𝘪𝘨𝘪𝘴𝘴𝘦 𝘤𝘰𝘮 𝘤𝘶𝘪𝘥𝘢𝘥𝘰, 𝘯𝘢 𝘷𝘦𝘳𝘥𝘢𝘥𝘦. — Cheng riu com a resposta, ele já esperava, mas o sorvete já tinha sido pedido mesmo assim.
— Eu já vou voltar, meu amor... olha, meu pedido está pronto! — abriu a bolsa com pressa, colocou fones de ouvido, guardou o celular no bolso e foi buscar as sacolas. Olhou pra trás uma última vez, a família tinha acabado de descer as escadas rolantes.
— 𝘞𝘢𝘯𝘺𝘪𝘯, 𝘢𝘪𝘯𝘥𝘢 𝘦𝘴𝘵𝘢́ 𝘢𝘪́?
— Já estou indo validar meu ticket do estacionamento... pela escada normal, você sabe que eu não gosto da escada rolante. Nada garante que minha roupa não vá ficar presa, e se eu ficar pelado na frente de todo mundo?
— "𝘛𝘰𝘥𝘰 𝘮𝘶𝘯𝘥𝘰"? 𝘜𝘮𝘢 𝘩𝘰𝘳𝘢 𝘥𝘦𝘴𝘴𝘢𝘴? 𝘈𝘥𝘮𝘪𝘵𝘦, 𝘷𝘰𝘤𝘦̂ 𝘵𝘦𝘮 𝘮𝘦𝘥𝘰 𝘱𝘰𝘳 𝘤𝘢𝘶𝘴𝘢 𝘥𝘢𝘲𝘶𝘦𝘭𝘢 𝘤𝘦𝘯𝘢 𝘦𝘮 𝘗𝘳𝘦𝘮𝘰𝘯𝘪𝘤̧𝘢̃𝘰.
— Hnmnm... A moça do ticket sumiu. Tem uma máquina de pegar ursinhos, eu bem que podia tentar pegar um- — a voz de Cheng pausou por dois longos minutos. Xichen pensou que fosse a área, mas perguntou mesmo assim:
— ...𝘞𝘢𝘯𝘺𝘪𝘯? 𝘌𝘴𝘵𝘢́ 𝘢𝘪́?
Cheng estava olhando pra máquina dos brinquedos, quase hipnotizado pela música. Era uma música esquisita. A luz do final do salão apagou, e o escuro estava chegando aos pouquinhos.
— Amor. Se você sentisse uma suspeita, mesmo que leve, iria de encontro a uma possível assombração?
Mesmo que ele ouvisse o óbvio "não", Jiang Cheng não daria atenção. Andou até a máquina, colocou as cédulas e começou a tentar pegar o ursinho azul que queria levar pro marido. Mais minutos silenciosos se seguiram - para Xichen. Cheng ainda ouvia a música infantil, e essa estava cada vez mais alta. Era a quarta tentativa, já estava considerando quebrar o vidro e roubar o ursinho, mas ao checar onde a escuridão estava chegando, se assustou. A próxima luz que apagou foi a do átrio onde ele estava. O único ponto claro era a máquina de brinquedos, e a música quase o ensurdecia agora. Engoliu em seco, tentou olhar ao redor e lembrar o caminho da porta. E então, alguém tocou seu ombro.
— O senhor se perdeu.
— Ah! Estava te procurando! Preciso validar meu ticket!
A voz repetiu, fria, séria e distante, como um sopro gélido que encostava a nuca dele:
— O senhor se perdeu.
Jiang Cheng olhou pro próprio ombro e o calafrio anterior se repetiu. Era uma mão verde e pegajosa, com garras ao invés de unhas. Ele engoliu a vontade de gritar, fechou os olhos com força, e tentou ouvir a ligação onde estava antes, mas a voz do marido parecia não alcançá-lo.
— Deixe-me mostrar a saída. — contudo, as garras afundavam cada vez mais no ombro dele. Talvez não fosse a mesma voz. Mas era tão fria quanto. Cheng não abriu os olhos ainda, ele estava nervoso e seu coração estava acelerado. Um cheiro forte se espalhava ao redor - ou talvez sempre estivesse ali. As garras quase rasgavam a pele dele agora.
— 𝘞𝘢𝘯𝘺𝘪𝘯! — a voz tinha ruídos, mas era só o que precisava. Assim que ouviu o marido, Cheng começou a correr. Não sabia pra onde, só correu e correu, os olhos fechados. Não sabia onde estava e não conseguia parar. Correu pelo que pareceram horas a fio. E então, dias. Meses.
Jiang Cheng perdeu o fôlego. Ele se abaixou, se ajoelhou e abraçou o chão. Inspirou com força, queria correr de novo, precisava sair. E então, assim como segundos antes, a voz se repetiu.
— 𝘑𝘪𝘢𝘯𝘨 𝘊𝘩𝘦𝘯𝘨, 𝘷𝘰𝘶 𝘤𝘰𝘯𝘵𝘢𝘳 𝘢𝘵𝘦́ 𝘤𝘪𝘯𝘤𝘰.
Ele abriu os olhos.
Estava de joelhos, em frente ao carro. O urso estava na mão esquerda, a sacola de comida na direita. Cheng respirou fundo, tremia levemente. Ao levantar, olhou pelo estacionamento inteiro. Não perdeu mais tempo e entrou no carro.
— Eu chego em quatro. Te amo, meu amor. Vou levar seu sorvete... e uma história engraçada.
Ele ouviu o marido começar a responder, então deu a partida e o interrompeu, decidido:
— Gege, comece a contar. Quatro, três...
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High Performance
FanfictionTudo que disser pode e será usado contra você depois de um filme de terror. O que faria?