Chamado do Inferno - G Idle

Primeiro Capítulo: A porta estreita

     - Me liberte. Me liberte. – A voz sedutora ecoava no corredor estreito, fazendo Yuqi estremecer por um momento. O pedido de libertação do pecado a deixava louca. Confusa. Ela não poderia ceder ao desejo de libertá-la, havia consequências que talvez não pudesse ser capaz de lidar. Desde criança aprendera que deveria ficar longe das tentações e seguir as regras da deusa Celestial e, principalmente, do Deus todo poderoso. Só assim receberia a salvação eterna e o amor divino.

     - Oh, Deus. Por que faz sentir-me tão tentada? - Yuqi suspirou pesadamente.

     - Me liberte. – A voz ecoava mais uma vez. As mãos de Yuqi tremiam.

     - Pare! Me deixe em paz! – Yuqi gritou, fechou os olhos com agressividade e tampou os ouvidos.

     Yuqi precisava voltar para o salão principal, haveria um banquete naquela noite. Mas algo a impossibilitava de seguir em frente. A voz do diabo que ecoava no fim do corredor estava quase a seduzindo. Ela não poderia cair facilmente. Ela não poderia desapontar as suas deusas, tampouco o seu Deus todo poderoso. Eu não vou cair. Eu não vou cair. Yuqi ditava a frase repetidas vezes, tentando voltar a seus sentidos. Yuqi tentava se convencer de que era apenas uma alucinação e que precisaria voltar a realidade.

     Depois de alguns minutos tentando se concentrar no que julgava certo, Yuqi se levantou decidida a voltar para o palácio. Mas, antes que pudesse deixar o corredor da ala proibida, uma garota de cabelos e olhos negros que cintilavam a encurralou, impedindo-a de sair.

     - Você também a escuta? – A garota de trajes pretos a questionou, o que fez Yuqi encará-la. – Você também quer libertá-la, certo? – A garota indagou novamente, esperançosa. – Por favor, me ajude.

     Soyeon esperou por Yuqi e a estudou durante dias. Apenas ela seria capaz de libertar a deusa do submundo e Soyeon tinha conhecimento sobre isso. Yuqi era um alvo fácil e Soyeon sabia como convencê-la. Ela estava confiante demais. 

     - Não posso. É contra as regras. – Yuqi tentou se desviar, no entanto, Soyeon segurou o seu braço e a puxou de volta, colocando-a contra parede.

     - Por que está com tanto medo? Ela precisa da nossa ajuda! – A garota se exaltou. O seu olhar psicótico deixou Yuqi um pouco assustada.

     - Por que deveria ajudar alguém que não conheço? E por que deveria ouvir você, uma mera pecadora? Não posso ir contra as regras da minha deusa, não tente me persuadir para que eu siga o mesmo caminho que você. Eu não sou uma pecadora. – Yuqi ditou as palavras com firmeza.

     Soyeon respirou fundo, irritada. Antes, julgara ser fácil convencê-la, no entanto, a realidade estava sendo o oposto. Yuqi demonstrou estar decidida, apesar de que no fundo, estava farta do céu Celestial. Yuqi não queria mais viver para um Deus com tantas regras, com tantas limitações apenas para receber o amor divino e a salvação eterna. Mas ela precisava aguentar por mais alguns anos, talvez dez ou vinte anos e, quem sabe, nem chegue a ser tanto tempo assim.

     A garota de cabelos negros respirou fundo mais uma vez, tentando conter a sua fúria. Ela precisava se acalmar, caso quisesse concluir sua missão com excelência.

     - Ela pode te recompensar com algo ainda maior. – A garota tentou persuadi-la com confiança. Dar algo em troca de um favor sempre deu certo, afinal, todos queriam receber algo pelo seu serviço. A confiança de Soyeon estava a alturas. Em seu rosto, já se podia notar o sorriso vitorioso, mas que logo se desfez ao receber a resposta de Yuqi.

     - Já disse que não posso ajudar. Eu não preciso de nada, já tenho tudo o que necessito. Agora, se me der licença.
      – Yuqi tentou parecer educada, o que fez Soyeon se irritar ainda mais. E antes que a ruiva pudesse deixar o corredor, Soyeon a segurou outra vez com mais firmeza. Ela não queria parecer uma amadora e não conseguir terminar o trabalho que lhe fora oferecido. Era humilhante.

     - O que você ganha servindo essas suas deusas? Nada além da “salvação eterna”. Você nem sabe se isso é real. Nem você acredita nisso, então por que está hesitando tanto? – Soyeon tentou novamente. Essa era a sua primeira missão, não podia falhar. Se falhasse, seria motivo de piada e isso a aterrorizava.

     - Já disse que não posso. Você não entende? – Yuqi, pela primeira vez, demonstrou irritação. Ela estava inquieta. Lutando contra si mesma. E obviamente, Soyeon não a ajudou. Ela não podia ceder tão fácil. Seria uma vergonha ser expulsa do Céu Celestial. Mas uma coisa era certa, uma das duas teria que ceder e quebrar o orgulho que falava mais alto.

     - Por que fica dificultando as coisas? Você quer libertá-la, você também acha isso injusto. Não minta para si mesma. Você não se sente presa nesse lugar? Tantas regras. Não pode fazer isso, não pode fazer aquilo. Você não se sente exausta?

     Yuqi parecia se convencer. Todas as relutâncias foram em vão, até porque, ela sabia que aquele não era o lugar dela. Ela se sentia presa. Talvez apenas o pecado trouxesse a liberdade que ela procurava. Mas ainda assim, o medo e o orgulho a impedia de seguir em frente. Ela poderia ser expulsa do Céu Celestial caso escolhesse se rebelar contra a deusa Celestial. Mas, de qualquer forma, o seu coração já havia pecado. A partir do momento em que ela pisou na ala proibida, ela já havia infringido as regras. E nesse instante, a adrenalina aflorou em suas veias. E foi então, que ela decidiu libertar a deusa do submundo. Não havia mais volta. Ela cometera o maior pecado. Não havia perdão para tremendo absurdo. Ela seria expulsa e aceitaria a sua punição.

     - Me siga. – Yuqi diz com uma voz autoritária. A tentação de continuar até o fim do corredor era bastante convidativa. Ela sabia dos perigos de se permitir vagar tão longe por aquele caminho. Percorrê-lo durante muito tempo impediria o retorno. Contudo, ela não conseguia resistir.

     Soyeon dá um sorriso de vitória. Não foi tão fácil como pensava, mas também não foi tão difícil. Ela se sentia orgulhosa de si mesma. Passara horas observando Yuqi para conseguir saber o seu ponto fraco. A sua primeira missão deveria ser cumprida com maestria e ela havia conseguido o que tanto queria. Soyeon nunca dispensava elogios, ela queria ser idolatrada, ela adorava ter os holofotes apenas para ela.

     As duas garotas caminharam apressadas até o enorme portão de ouro que separa o Palácio da câmara, onde Soojin estava acorrentada. O lugar era escuro e abafado. Havia um enorme corredor que levava até a câmara, um corredor mais estreito que o normal. Quanto mais se aproximavam da câmara, mais escuro e abafado ficava. Yuqi se sentia culpada. Culpada por trair Miyeon e Shuhua. Agora não havia mais voltas, ela teria que aceitar as consequências e se refugiar no submundo. Esse era o plano.

     Soyeon, ao contrário de Yuqi, caminhava pelo corredor gloriosa. Apesar de estar confiante e orgulhosa de sua grande conquista, ainda se sentia ansiosa. Ansiosa para ver o lindo rosto de Soojin e receber os tão esperados elogios de quem admirava tanto. Soyeon amava Soojin e isso era um fato. Ela queria ser como a amada e a idolatrava. Soyeon acreditava que Soojin sentia o mesmo por ela e sempre se gabou de algo que existia apenas em sua cabeça. Odiava quando contrariada e ficava agressiva quando diziam que era apenas coisa da sua imaginação. Soyeon queria Soojin para ela e apenas para ela. Até porque, nunca gostou de dividir as coisas que pertenciam a ela.

     - Vamos continuar andando por quanto tempo? – Soyeon indagou impaciente.
     - Você acha que eu sei? Eu também não conheço esse lugar. E se você ficar perguntando, eu vou voltar atrás.

     Soyeon permaneceu quieta ao longo do trajeto. E, após dez minutos percorrendo o corredor estreito e escuro, Yuqi e Soyeon finalmente chegaram. Havia uma porta de ferro, como esperado. Uma porta que, quando fechada, só poderia ser aberta do lado de fora. Do outro lado, havia monstros terríveis capturados ao longo de décadas. E após a porta ser aberta, todos os tipos de ameaças ao Deus todo poderoso e à humanidade estaria à solta. Ninguém imaginava que essa porta estreita escondida na escuridão levaria a uma destruição inevitável.