Eu odiava a minha escola.
Odiava minha turma.
Odiava a forma como parecia que eu era a única completamente perdida em uma turma de trinta alunos, aquela que não tinha ideia do que faria depois do final do ensino médio. E, levando em conta que muitos diziam que aquela era a melhor fase da minha vida, eu tinha muitos motivos para ter pesadelos à noite. A incerteza da vida adulta me deixava acordada durante horas, enquanto eu embolava os cobertores sobre a cama.
Havia muita expectativa em cima de mim, muito dinheiro investido na escola particular e em cursos extracurriculares. Dinheiro esse que eu sabia que tinha que voltar de alguma forma para o bolso do meu pai, mesmo que ele nunca tenha dito isso diretamente.
Ele disse uma vez que eu tinha que fazer medicina porque seria uma forma garantida de ter o retorno de tantos anos de estudo. O mais irônico era que ele raramente falava comigo, mas quando o fazia era para soltar umas pérolas dessas.
Eu era uma boa aluna, tinha notas excelentes em todas as matérias e, embora isso fosse uma coisa boa para o meu histórico acadêmico, só dificultava escolhas futuras. Eu sabia um pouco de tudo, mas não era excepcional em nada. Nunca tive um talento. Nenhuma paixão.
Só a leitura. Mas, até onde eu sabia, era impossível ganhar a vida só lendo romances cuja classificação indicativa pegava a minha idade na trava.
Aos dezoito anos, eu só tinha certeza de três coisas: eu não tinha sido feita para a matemática; não queria viver o suficiente para ver alguém da minha família morrer e eu estava perdida, mas medicina não era mesmo uma opção.
Com isso, eu teria que confiar nos testes vocacionais da internet e torcer para que eles fossem minimamente válidos.
Senti alguma coisa esbarrar no meu cabelo e, sentada no chão da quadra, virei um pouco para ver quem estava atrás de mim, mas não havia ninguém, apenas um aviãozinho de papel do meu lado.
Deixei a folha mal dobrada em minhas mãos no chão e peguei ele, muito mais bem feito que o meu, e esperei que alguma pessoa aparecesse correndo para recuperá-lo. Procurei pelo ginásio um provável dono com os olhos, mas não encontrei ninguém interessado. Algumas pessoas estavam jogando basquete, usando metade da quadra e uma única cesta, e outras estavam espalhadas pelo local, alunos do último ano e seus pais, sentados nas arquibancadas ou de pé na outra metade livre daquela área espaçosa.
Ou sentadas no chão, como eu e outras pessoas que também não tinham habilidades com as mãos.
Pelo menos eu não era a única que ainda não tinha conseguido fazer um aviãozinho decente.
Era oficialmente a semana da família na escola e nosso professor de física tinha decidido que seria uma boa ideia fazer uma competição de lançamento de avião de papel. Assim, de acordo com ele, as famílias do terceirão poderiam interagir e ele ainda conseguiria aplicar as leis da física de forma prática.
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Golpe Trocado
RomantikExistem poucas coisas que Kika odeia do fundo do coração. Miguel Reis é uma delas. Ele é o garoto mais popular da escola, tem um sorriso que faz qualquer um arrepiar e olhos afiados que parecem arrancar os segredos das pessoas diretamente da alma d...