Hugo saiu da enfermaria onde todos choravam de felicidade pela vida que ele conseguira trazer de volta. Não que ele estivesse infeliz, pelo contrário, seu coração se aquecia com o acontecimento também, no entanto ele ainda permanecia vazio. Quebrado.
Com os pés cobertos de areia, encostou em uma das grandes pedras da praia e escorregou até se sentar, deixando seu corpo relaxar pela primeira vez em meses. Doía, cada centímetro seu latejava de dor e as cicatrizes dos pés ardiam com a água tocando-os apenas em alguns centímetros. Seu rosto tinha alguns arranhões e as mãos já haviam criado os calos que ele almejara durante grande parte do trajeto na floresta. Ele ainda não tinha tido cabeça para sequer pegar sua varinha e curar aquilo.
- O que eu faço agora? – Sussurrou para o horizonte a sua frente esperando uma maneira de curar todas aquelas feridas em sua alma. Feridas de mais para alguém com dezesseis anos.
- Você ainda tem muito pela frente, grande Obá.
Hugo procurou a voz do Griô e viu o gênio a poucos metros de distância.
- Segue seu coração, meu príncipe. – O gênio foi embora assim como chegara, em um piscar de olhos.
Ele havia enfrentado a Amazônia e em troca ela o destruiu em todas as partes possíveis.
- Você agora me chama de grande Obá e me diz para seguir meu coração... – O príncipe de Oyó riu cansado e com lágrimas nos olhos. – Mas qual parte eu devo seguir quando ele está em pedaços? Sou tão insignificante que estou sozinho de novo, no escuro de um fosso invisível.
Hugo desabou sobre seus joelhos encolhidos em um choro silencioso, doloroso demais para ter qualquer som. Ele queria gritar sua dor para que todos soubessem pelo que ele passou, mas se não se importaram com sua ida, por que se importariam com o estado de sua chegada? Nenhum dos pixies se dignou a olhar para sua situação além de Capí, que estava tão mal quanto ele.
- Hugo?
Enxugando as lágrimas, Hugo permaneceu com a cabeça baixa ao escutar a voz do mineiro do pixies. De todos eles em condição de ajudar, sentia mais raiva de Viny do que o mais velho ali na praia. O príncipe de Oyó vinha fazendo de tudo para que Virgílio o reconhecesse como membro do grupo, como um amigo e quem sabe até mais...
- Não... – Hugo falou baixo e balançou a cabeça, escondendo de si mesmo aquele sentimento estranho e voltando seu rosto para cima, na direção do rapaz.
- Eu queria falar com você sobre uma coisa... – Virgílio sorriu sem graça. Hugo nunca havia visto o mineiro sorrir, muito menos ficar sem jeito daquela forma.
- Estou ouvindo. – Respondeu seco sem conseguir conter a raiva e se levantando pronto para discutir com ele.
- Hugo, as coisas ficaram difíceis por aqui, você sabe. – O mais velho começou, encarando a areia e Hugo percebeu como ele estava cansado. A postura sempre ereta agora tinha ombros relaxados e o colete de Virgílio tinha botões abertos deixando a parte da frente de sua camisa branca a mostra. Os pés descalços na areia fresca de fim de tarde e os sapatos pendurados na mão dele indicavam como o mineiro tinha abandonado sua obsessão com a aparência impassível de erros. Realmente devia estar ocupado com outras coisas nos últimos meses, como dar desculpas esfarrapadas por não ter ajudado Hugo, como iria fazer agora, presumiu Hugo.
- Se for me dizer que tinham outra prioridade aqui, OuroPreto, pode poupar saliva. – Erguendo o queixo com o pouco de dignidade que lhe sobrara, Hugo respirou fundo, segurando para não hesitar diante do olhar surpreso do outro com sua frieza em formalidade.
Virgílio tinha olheiras suaves embaixo de seus olhos pretos como a noite. Hugo sonhou com aqueles olhos muitas vezes, com o dia em que eles pousariam nos seus com a mesma doçura e intensidade que Hugo se viu olhando para o mineiro tantas vezes.
- Hugo não é isso... – O mais velho tentou se justificar, mas Hugo foi mais rápido em sua defesa em forma de ataque tão conhecida:
- Eu nunca fui prioridade na vida de ninguém, sempre lutei por mim mesmo e isso acontecer de novo não foi novidade. – Riu com escárnio. – Olhe para mim, olha como eu tô e vai saber que há muito mais do que meu corpo pode contar! – Virgílio recuou e ele percebeu que o rapaz não estava tentando revidar ou diminuir o sofrimento dele. – Vocês me deixaram sozinho. E eu... Eu sabia que principalmente você, dentre todos, não tentaria ir comigo ou ao menos me impedir. – O sorriso de ironia foi substituído por uma fala rouca, o choro na garganta novamente. – Todos me deixaram.
Hugo ia desabar na areia junto com suas lágrimas, cansado, mas em questão de segundos sentiu um corpo contra o seu.
Ele foi apoiado em um abraço, enquanto seus lábios eram selados pelos lábios do mais velho. Sem conseguir entender oque estava acontecendo, Hugo apenas fechou os olhos e aceitou aquele beijo tão suave e doloroso ao mesmo tempo. Sentiu lágrimas que não eram suas molharem sua face antes do beijo ser interrompido por Virgílio.
- Eu quis ir com você, Hugo. – O mineiro sussurrou se afastando cada vez mais enquanto encarava o céu enfeitiçado. - Pelo amor de Deus, como eu quis! – A voz chorosa ecoava pelos ouvidos do carioca observando Virgilio passando os cabelos negros curtos para trás.
- O quê? – Hugo não sabia se estava perguntando pelo beijo ou pela notícia, aceitando de volta a brisa fresca no lugar do calor dos braços de Virgílio.
- Eu não podia ir, não com isso que eu sinto por você. – As lágrimas rolaram do rosto do mais velho e seus olhos levemente puxados miraram o horizonte. - Eu fui egoísta e reprimi meus sentimentos ao ponto de te deixar sozinho lá...
O mais novo processava aquilo com surpresa e confusão ao mesmo tempo. Tocando os lábios com a ponta dos dedos, sentiu aquele frio na barriga que tentou esconder com tanta força vir à tona com aquele gesto.
- Eu não entendo. – Hugo sussurrou, totalmente desarmado se sua arrogância, frágil como nunca esteve antes, vendo o outro caminhar na direção do mar. – Você está dizendo que...
- Eu gosto de você, Hugo Escarlate. – Virgílio disse sem olhar para trás, despejando as palavras sobre ele.
O silêncio pairou enquanto ambos assimilavam o peso daquela frase.
- Índio! – Uma voz feminina chamou do interior da escola e o mineiro logo retomou sua postura. Ainda escondidos pela grande pedra na encosta, Virgílio foi até Hugo e tomou suas mãos frias para si.
- Posso? – Perguntou enquanto seus olhos ainda úmidos observaram a boca de Hugo se mover em um "sim" sem som, sabendo o que era aquele pedido.
O beijo dessa vez foi intenso, mas não durou muito, apenas o suficiente para Virgílio dizer:
- Queria ficar e te explicar tudo isso. – Sorriu fraco e encarou os olhos verdes como esmeralda que diziam "Então fica" – Eu realmente gosto de você, Hugo Escarlate, mas não posso ficar ao seu lado agora.
E ir embora.
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Enfeitiçados - ThreeShot
RomanceHugo estava quebrado, destruído pela floresta. Enquanto todos comemoravam a paz que tinha voltado para a Korkovado com a misteriosa calmaria que se instaurara no país novamente, Hugo se afundava em seu martirio, sem ninguém para salvá-lo. Virgilio...