Capítulo 1

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Estou paralisada outra vez. Consigo contar alguns momentos na minha vida nos quais estive paralisada, mas nenhum deles me causou tanta aflição. Esse não é o melhor cenário para ter essa reação, e eu sei muito bem disso. As pessoas estão olhando. Existe uma pressão social tentando me empurrar para um abismo no qual eu não tenho certeza se quero cair. Ela está abaixada em um dos joelhos, obviamente porque acha engraçado se apropriar de uma tradição que não foi feita para nós. Eu quase me ajoelho ao lado dela, só para tentar contornar a situação de um jeito que não a deixe constrangida. Droga.

Não me entenda mal, nós nos damos muito bem e nos conhecemos ainda melhor, mas há muita bagagem envolvida. Não estou certa sequer de que ela tenha realmente essa intenção, ou de que tenha pensado em todas as implicações do que se propôs a fazer esta noite. Não me parece que ela tenha pensado, porque quando olho fundo nos seus olhos no auge da minha paralisia, consigo ver as engrenagens funcionando e, de forma geral, a mente dela tentando entender o que foi que esqueceu de calcular. Não foi assim que ela imaginou que o nosso encontro acontecer, já que tivemos vários contratempos e algumas chateações que definitivamente tiraram o clima para que algo assim acontecesse. Não que isso a tenha impedido de continuar, resignada como sempre foi, teimosa em concluir até mesmo as tarefas mais simples, como terminar de arrumar uma gaveta ou testar todas as canetas do estojo. "Não" é o início de todas as frases que consigo pensar agora. Droga.

Rapidamente – depois de demorar tanto, acho que não machuca me apressar um pouco –, me abaixo e a beijo, o que deixa a maioria das pessoas tranquilizadas o suficiente para continuarem com os seus . Mas não ela. Ela sabe que isso não é um "sim", mas talvez seja suficiente que eu tampouco tenha dito um "não", porque ela se levanta e volta a se sentar, conversando comigo com um sorriso forçado e uma animação artificial que quase me fazem chorar. Só que eu sei que ela está fazendo isso para nos poupar de qualquer exposição, logo, chorar não seria exatamente produtivo. Eu só preciso segurar as pontas até chegar ao carro, porque ali ninguém sabe o que me espera.

Mal tocamos a sobremesa usada para o pedido – ela tem uma conotação muito esquisita nesse momento. É simplesmente algo pálido e frio, como um prelúdio para o momento estarrecedor que acabamos de protagonizar. A conta não demora e logo estamos saindo do restaurante, mas ela não chega perto o suficiente para que eu pegue a sua mão. Minha mente dispara em todas as direções, mas não sei o que dizer. Não existe desculpa ou explicação que resolva esse problema. Fico com medo de que ela nunca mais consiga me olhar sem pensar no momento de solidão em que a deixei, sem estender o mínimo do meu ser em sua direção quando ela estava vulnerável. Estou constantemente reclamando que ela não se abre o suficiente, então deve ter sido muito frustrante para ela passar por esse momento e não receber o reconhecimento que eu prometi que daria.

Ela entra no assento do motorista. Faço uma respiração profunda quando a porta dela bate, abro a minha e entro no carro. Ela está esperando pacientemente, como se eu tivesse pedido um minutinho – depois do que eu fiz, é provável que consiga muito mais do que apenas um minutinho para refletir sozinha. Espero, mas ela não começa a falar nem liga o carro. Se eu estivesse na posição dela, provavelmente também não iria querer falar mais nada até que fosse estritamente necessário, por isso me esforço para começar. Me viro para o banco do motorista.

- ... – começo pateticamente – Não quero que você tire conclusões precipitadas do que acabou de acontecer.

Eu começo as nossas conversas assim. Não existe um apelido ou um nome carinhoso com o qual eu consiga chamá-la. É somente Laura, e eu tento me convencer de que não tem nada de errado com isso. No começo, pensei que era normal e que alguma coisa mais virtuosa brotaria do meu peito; que eu sentiria algo tão terno e incontrolável que apenas usando outra palavra eu conseguiria expressar. Mas não aconteceu. Sempre me senti meio mal com isso, pois ela não me chama pelo meu nome – eu sou a sua Ellie (Sou dela? Não sei dizer). Mas foi apenas isso, meio mal. É esse o incômodo que pode existir quando você tenta ao máximo ignorar alguma coisa.

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⏰ Última atualização: Sep 08, 2021 ⏰

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