Capítulo Único

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Os fios castanhos escuros eram colocados delicadamente para cima em um rabo de cavalo alto, com as mechas onduladas caindo sobre suas costas. Adora estava indecisa sobre sua decisão, olhava para o espelho como se tivesse se visto pela primeira vez, era estranho demais se ver daquela forma. Usava uma roupa preta e justa, de seu irmão mais velho alguns anos mais novo, era uma das roupas que se usava por baixo da proteção na esgrima, e – por céus - estava extremamente desconfortável.

A roupa justa mostrava todos os seus defeitos, os braços rechonchudos, a barriga saliente, as coxas grossas que nunca deixavam de se tocar por baixo do vestido. Adora sempre tentou emagrecer, mas mesmo fazendo tudo possível, nunca havia mudado, sempre que subira na balança, podia ver aparecer rapidamente 95,2kg. Era um fato, Adora Millsby era bonita, mas não o suficiente para qualquer homem se interessar nela. Seus cabelos eram castanho-escuros, e a tonalidade seguia para seus olhos, suas sobrancelhas eram finas e pouco arqueadas, os olhos caídos e fundos, o nariz achatado e gordo, e os lábios pequenos e finos. A garota era bonita, apenas não singular. E seu pai era apenas um barão, não se casariam com ela por dinheiro e nem ela gostaria disso.

Sua mãe sabia que seria assim desde antes do seu nascimento, não sabia como, apenas sabia, caso contrário, nunca teria prometido uma recém-nascida a um garoto de sete anos. Nicolas Lewis, filho de um conde,  seu noivo desde o seu nascimento. Nicolas era o contrário dela, perfeito, único, formoso e – odiava admitir – adorado por todos. Seu noivo era tinha seus olhos azuis mais claros que o céu, pele praticamente branca e madeixas loiras em um tom que apenas tinha visto nele. Alto, forte, sobrancelhas grossas e poderosas, olhos afiados, nariz fino e uma boca perfeitamente moldada. Nicolas era perfeito. Não, apenas em aparência, porque de resto, o homem apenas fazia sua vida um inferno.

Aos sete anos de Adora – com Nicolas com 14 e sendo seu vizinho – ele havia cortado seu cabelo em um tamanho nada feminino. Aos 13, molhado seu vestido em um jantar – nunca havia visto um homem de 20 anos ser tão infantil, e quando finalmente debutou, dançou com ela apenas uma miséria vez, UMA vez, foi humilhante. E após isso, nunca mais compareceu a um baile, Adora se limitava a ficar sentada com as viúvas e solteironas, isso quando um dos seus irmãos não a puxava para dançar por dó. Um deles era extremamente apaixonado por uma mulher e quando via o olhar em seu rosto, a garota apenas desejava que um dia, alguém a amasse daquela forma. Não planejava ser adultera, mas sabia que caso acontecesse, não poderia evitar. Nicolas não a amava, a desprezava, e por assim dizer, ela retribuía o sentimento. Não era uma santa, sempre que podia atrapalhar a vida dele, o fazia. Já perdeu as contas de quantas vezes derramou chá quente sobre seu colo em um chá da tarde em que ele era obrigado a comparecer – sua mãe, Clarisse, a repreendia sempre, mas sabia que nunca mudaria.

Por isso, acho que todos compreendemos o porquê de que ela faria o que veria a seguir. Era a véspera de seu casamento, mais um dia e estaria presa ao homem que desprezava. Planejara tudo, não iria matar o homem, apenas incapacitá-lo de comparecer a igreja. Colocaria sonífero na comida de todos e ninguém saberia que seria sua noiva que teria feito isso, visto que choraria no altar para não ser suspeita. Se olhara mais uma vez pelo espelho antes de sair de fininho pela janela, estava na biblioteca do primeiro andar se arrumando, achou que seria mais prático dizer que ficaria lendo até tarde.

Como eram vizinhos, não demoraria muito a chegar em sua casa, mas tinha 15 minutos para ficar falando sozinha pela estrada de terra. Ainda bem que ninguém iria escutá-la, se não seria internada.

– Certo, Adora – disse para si mesma. – Vamos repassar o plano. Entrar pela janela da cozinha, que sempre vive aberta. - Ia sempre na casa de Nicolas, sabia dessas coisas. - Colocar sonífero nas comidas e ir embora... Não tem como dar errado. Ou tem? - disse, colocando sua mão nua sobre a boca e roendo uma de suas unhas com a expressão aflita.

Ousada - Irmãos Millsby 1Onde histórias criam vida. Descubra agora