ERAM MAIS de 23 horas. Desirée Durand estava em pé, apoiada no para-peito da Pont des Arts. Se aquela situação não fosse tão irônica, ela aproveitaria um dos lugares mais românticos de Paris. O céu estava limpo, diversas estrelas se exibiam, certamente uma belíssima noite.
A Durand se lembra de ter ficado surpresa naquela manhã, ao receber a solicitação de uma mensagem no Instagram que à 3 anos atrás seria tão desejada.
@brigtteinnyc
Bonjour Desi
Estou em Paris novamente
Será que podemos nos encontrar?"Ela não tinha aquele direito," Desirée havia pensado. "Depois de anos longe, aparecer do nada, querendo me ver e chamando-me de Desi." Mas a verdade, era que Desi havia gostado. Faziam-se três anos mas ela sentia falta de Brigitte. Sentia falta do cheiro, da voz. Sentia falta das carícias, e de ouvir Brigitte delirando e gritando seu nome. Sentia falta de dançar com ela ao som de Edith Piaf em dias chuvosos. Afinal, Brigitte Sheeridan era a inglesa apaixonada por todo tipo de arte que fez Desirée Durand ter vontade de viver.
@duranddesiree
Bonjour Brigitte
Saio do trabalho as 23 horas.Durand, como sempre, direta.
@brigtteinnyc
Ok, nos vemos então naquele lugar.Naquele lugar. A Pont des Arts era o lugar onde as duas haviam colocado um cadeado com seus nomes com a esperança de que fosse eterno. Era o local que Brigitte pediu Desirée em namoro enquanto cantava La Vie En Rose. Mas era também, o lugar que tinha visto-a pela última vez.
—Bonsoir Desi. O céu está bonito hoje, não é? —Brigitte encostou-se no para-peito e continuou, enquanto Desi ouvia atentamente. —Estou de volta a França para um trabalho e pensei em te ver.
—Por que voltou a me procurar depois de tantos anos, Sheeridan? —Desirée questionou com a voz trêmula e falha.
— As coisas entre nós ficaram mal resolvidas. —A Sheeridan sussurrou de volta. — Nós éramos imaturas demais naquela época. E além disso, tinha sua família, você tinha um futuro todo pela frente, ia se casar e eu...
—Eu fui deserdada. —Interrompeu-a rispidamente. —Como você sabe, minha família nunca nos aceitou. Tentaram me colocar em um casamento arranjado mas eu não queria e escapei. Logo depois que você foi embora, eu me assumi, fui deserdada da família -não que eu me importe-, e vim morar com Camille no Quartier Latin.
Brigitte estava chocada. A família de Desi sempre foi ríspida, e acima de tudo, prezavam pela linhagem e os negócios da família. Os Durand eram donos da vinícola mais importante da França, a cada ano que passava a taxa de exportação dos vinhos deles aumentavam e Desirée era para ser o futuro daquilo.
Brigitte havia se afastado e ido embora por causa da família homofóbica de Desi, por quê sabia que ela iria se casar e nunca teria um futuro bom ao lado de Brigitte. Ambas tinham um passado conturbado. A família fez de tudo para separa-las e logo depois de um tempo, Brigi tomou a decisão de que Desi ficaria melhor sem ela, então conseguiu um estágio em Nova York e partiu sem mais nem menos.
O silêncio prevaleceu. Só se ouvia as fungadas de Desirée, as lágrimas de Brigitte e algumas poucas pessoas que passavam pela ponte. Elas não sabiam o que dizer. Sentiam tanto, mas não sabiam expressar. Passaram-se anos e o amor que sentiam uma pela outra ainda continuava a existir.
— Antes, eu não podia te fazer feliz, pelo menos não no passado. Mas, algumas vezes, na maioria delas, tudo é sobre você Desirée. Todas as noites sinto falta do teu abraço, da tua companhia. De apenas estar contigo, Desi. E foi por isso que voltei.
O silêncio retornou. Desirée não sabia como agir. E Brigitte esperava uma resposta.
—Quand il me prend dans ses bras
Qu'il me parle tout bas
Je vois la vie en rose
Il me dit des mots d'amour
Des mots de tous les jours
Et ça me fait quelque chose —Desirée começou a cantarolar baixinho.(Quando ela me toma em seus braços
E fala baixinho
Eu vejo a vida em cor-de-rosa
Ela me diz palavras de amor
Palavras de todos os dias
E isso mexe comigo)Aquela era a música delas. Na primeira vez, Brigitte havia cantado-a. Dessa vez, era Desirée que cantava. Ela tentava passar tudo o que a música representava. A felicidade, a alegria de encontrar o amor verdadeiro. E era isso que ambas sentiam. O passado foi difícil, com a intromissão da família, a diferença de classes sociais e o casamento arranjado de Desi. Porém, nada disso importava mais. Elas eram o amor uma da outra, a alma gêmea.
—Il est entré dans mon cœur
Une part de bonheur
Dont je connais la cause
C'est lui pour moi, moi pour lui dans la vie
Il me l'a dit, l'a juré pour la vie(Ela entrou em meu coração,
Um pouco de felicidade
Da qual eu conheço a causa
É ela para mim, e eu para ela na vida
Ela me disse e me jurou pela vida)Desirée continuou a cantar. Brigitte chorava sem parar. A música dizia tudo o que elas queriam expressar.
Quando Desi terminou, Brigi a beijou. Desesperadamente. Como se Desirée fosse desaparecer. Os olhos estavam fechados. Elas sorriam entre o beijo uma hora ou outra. Brigi havia agarrado Desi. E não iria soltar mais.—Eu amo tanto você Desirée, que já não tenho tanto medo de te perder. Por que a perda me lembrará que você esteve aqui, e fez de você um pouco de mim. —As pequenas lágrimas começaram a escorrer pelo rosto da Durand, e ela ouvia atentamente cada palavra da Sheeridan como se fosse a voz de um anjo. Como se ela estivesse recitando o mais bonito poema. Sheeridan tinha o coração de Desirée nas mãos e a Durand tinha o de Brigitte. —Eu sou capaz de atravessar o continente de bicicleta por você, e tu sabes o quanto sinto dor na caixa torácica.
Desirée sorriu. Naquela noite, Brigitte dormiu no Quartier Latin.
730 noites depois, Desirée dormia no Queens, em Nova York. Elas haviam casado.
1095 noites depois de se verem novamente, Brigitte e Desirée dormiam no Seattle Grace Hospital. A pequena Amélie Durand-Sheeridan havia nascido.
18250 noites depois do reencontro, ambas descansavam em seus túmulos uma ao lado da outra. Brigitte partiu antes, com problemas respiratórios. Desirée foi logo depois. Mas o amor delas permaneceu eternamente.
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La Vie En Rose.
Short StoryOnde Desirée reencontra aquela que havia feito-a perder a vontade de morrer. Ou Onde Brigitte torna a procurar por aquela que torna sua vida cor de rosa.